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Brasil

Sem praia: invasão de décadas em Arraial D’Ajuda

Muro torna praias inviáveis. Resort construiu estrutura sobre a areia em área tombada, a décadas praia segue invadida

Redação Jornal de Brasília

06/05/2024 5h04

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

Luís Nova, enviado especial a Arraial d’Ajuda

O empreendimento “Eco Parque Arraial d’Ajuda”, que é contíguo ao condomínio de luxo “Águas de d’Ajuda”, ambos do mesmo grupo de empresários, invade a praia da costa de Arraial D’Ajuda, distrito de Porto Seguro, por quase 20 anos, e sobre a areia, ambos construíram um enorme muro de contenção (arrimo) para ampliar a área do resort e do condomínio.

Essas edificações praticamente inviabilizaram o acesso à orla entre duas praias da região, a praia do Mucugê e a praia dos Pescadores, que durante a maré alta transforma a passagem de pedestres em um desafio mortal. Além da violação ao direito básico constitucional de ir e vir, a prática afeta diretamente o Meio Ambiente e, também, agride o patrimônio histórico nacional.

A cidade de Porto Seguro, no Sul da Bahia, é tombada pelo patrimônio histórico nacional desde 1986. A região faz parte da história nacional e foi onde os portugueses atracaram no Brasil em 22 de abril de 1500. Segundo o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o empreendimento no distrito de Arraial D’Ajuda segue irregular e a ação é considerada uma agressão contra o patrimônio cultural brasileiro. “O tombamento de Porto Seguro abrange toda a costa litorânea do município, que possui cerca de 75km de extensão”, pontua o Iphan.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

Em 2007, o Iphan constatou a irregularidade no empreendimento e acionou o Ministério Público Federal (MPF), que entrou com ação judicial em 7 de agosto daquele ano. “As irregularidades constatadas em vistorias, incluindo o muro de contenção na praia, foram informadas pelo Iphan ao Ministério Público Federal, com sugestão de demolição total de todos os elementos que compõem as estruturas de contenção”, explica o órgão.

O processo 0000648-32.2007. 4.01.3310 do MPF completa, neste ano, 17 anos em tramitação no Tribunal Regional Federal da Primeira Região, subseção judiciária de Eunápolis, vizinha a Porto Seguro. De acordo com o Ministério Público, o processo está em fase de cumprimento de sentença e no dia 12 de abril o MPF enviou ao Tribunal a planilha atualizada de débitos dos custos processuais para o processo que determina a demolição do muro na praia.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

O professor titular do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), Alexander Turra, informou que 40% das áreas costeiras brasileiras sofrem algum processo erosivo.

De acordo com o especialista, uma dessas origens é o padrão de construção que compromete a praia e não respeita o movimento do mar e define a prática como crítica e contraditória. “Você tem um resort onde as pessoas tem praia artificial, tem água, mas não tem uma praia de verdade. O que é um grande contrassenso porque o grande motivador do turismo na região é a praia. Um empreendimento que busca se beneficiar de um ativo natural, ele acaba degradando esse ativo natural e acaba perdendo a praia”, argumenta o professor da USP.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

Outro ponto destacado pelo especialista, é que o direito ao acesso à praia em todas as direções é previsto em lei, o que não acontece no local, e também, a prática sem cuidado causa danos permanentes ao Meio Ambiente. “No litoral Norte de São Paulo, a gente demonstrou que têm a extinção local do caranguejo fantasma por causa das construções. Outros animais não conseguem chegar na idade adulta, pois eles precisam chegar aos locais mais elevados da praia para concluir seu ciclo de vida, o que não acontece em uma praia como essa”, finaliza Alexandre Turra.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

A turista Natália Nantes (foto acima), de 45 anos, sempre vai à Arraial D’Ajuda. Na semana passada ela fez a sétima viagem à região junto de sua família. Ela sai de Buenos Aires, onde é bancária, e sempre vai descansar na Bahia. “Gosto muito da tranquilidade daqui, mas essa região não é boa para caminhar por causa do muro. A praia é areia e mar. Se não cuidarem daqui, aqui não será mais um bom destino. Tem que preservar o meio ambiente”, destaca.

PERIGO ENTRE AS PRAIAS

A especialista em Soluções Baseadas na Natureza e gerente da Fundação Grupo Boticário, Juliana Baladelli Ribeiro, afirma que estes tipos de empreendimentos afetam tanto o meio ambiente como também a vida da sociedade local. “Tem muitas comunidades que fazem a coleta e a pesca de subsistência na região. Eles tiram o sustento da família do mar”, explica Juliana.

Ainda segundo a especialista, a zona costeira é uma região muito sensível e a expansão de empreendimentos desordenados sobre a areia causam impactos com as atividades e isso gera poluição, seja sonora, atmosférica e hídrica.

Juliana Baladelli Ribeiro

É fácil constatar o motivo das preocupações dos especialistas e dos turistas e moradores de Arraial d’Ajuda. Ao chegar à praia do Mucugê, a reportagem do Jornal de Brasília se deparou com o muro de quase quatro metros, com grades ainda mais altas, algo que remete a um forte antigo.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

Naquela hora, a maré estava cheia e era possível notar a grande força da onda ao colidir com a estrutura. Quem tenta caminhar pela orla tem que se sujeitar a um caminho de concreto repleto de escadas e desafios para conseguir transitar entre a praia do Mucugê e a praia do Pescador.

A enfermeira chilena Maria Olmedo, de 56 anos, e seu esposo, o médico holandes, Eugene Vissers, de 58 anos, vieram pela primeira vez ao Brasil neste ano. Eles saíram de Atlanta, nos Estados Unidos, e foram conhecer a costa brasileira. De acordo com Maria, nesta região não tem muita areia e a água sobe muito rápido. “Esse resort tomou o lugar da praia”, afirma.

Um funcionário do Eco Park Arraial d’Ajuda, que não quis se identificar com receio de perder o emprego, critica a falta de ação do governo e diz não concordar com esta prática. “A população quer vir para a praia, mas os empreendimentos querem a praia pra eles”, destaca o funcionário.

Foto: Luís Nova/ Jornal de Brasília

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou que o empreendimento não está em uma área de proteção federal e sim em uma área tombada pelo Iphan. “A análise realizada pela área técnica constatou que o local em questão não está inserido em Unidade de Conservação Federal, Terra Indígena ou área especialmente protegida sob responsabilidade da União. Logo, licenciamento, controle e gestão ambiental, entre outras atividades, não são atribuições do Ibama”, conclui.

Desde a segunda-feira, 22 de abril, o JBr vinha tentando entrar em contato com o “Eco Park Arraial d’Ajuda” pelos canais de comunicação em seu site e não obteve resposta. O mesmo ocorreu em relação à Prefeitura de Porto Seguro. Na última segunda (29), a equipe tentou contato novamente e seguiu sem resposta até a publicação desta matéria. A reportagem buscou respostas pelos números: (73) 99824-6948, (73) 99966-3440 e (73) 3012-0017, da prefeitura, e (73) 99858-3373, do empreendimento. Também pelos e-mails oficiais da prefeitura e rede social do parque. O espaço segue aberto para ambos.

HISTÓRIA EM PAISAGEM PARADISÍACA

Arraial D’Ajuda surgiu após uma frota de naus comandada por Tomé de Souza chegar à região em 1549 com uma imagem de Nossa Senhora d’Ajuda. No mesmo ano, foi iniciado construção da capela para Santa em um morro próximo a Porto Seguro. A igreja que conhecemos hoje só começou a ser feita em 1550 pelos padres jesuítas . A cidade é toda construída de forma colonial e apresenta um riquíssimo patrimônio histórico sobre os primeiros anos do Brasil colônia. A vila é toda charmosa e pavimentada com pedras. Um ótimo destino para quem quer conhecer a história e aproveitar uma paisagem paradisíaca

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