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Brasil

Mais de 16 mil pessoas tomaram doses trocadas de vacina contra Covid, mostra registro

A maioria (14.791) começou a trajetória vacinal contra Covid-19 com a Oxford/AstraZeneca e recebeu uma segunda dose da Coronavac

Redação Jornal de Brasília

23/04/2021 7h27

Foto: Miguel Schincariol/AFP

Estêvão Gamba e Sabine Righetti
São Paulo, SP

Pelo menos 16,5 mil pessoas vacinadas contra a Covid-19 no Brasil têm registro de primeira dose da vacina da Coronavac e a segunda dose da Oxford/AstraZeneca ou vice-versa, de acordo com o Datasus, sistema de informações do Ministério da Saúde.

A maioria (14.791) começou a trajetória vacinal contra Covid-19 com a Oxford/AstraZeneca e recebeu uma segunda dose da Coronavac. Uma parte menor (1.735 pessoas) recebeu primeiro a Coronavac e depois a vacina de Oxford/AstraZeneca, segundo o sistema. A troca aconteceu em praticamente todo o país, com exceção do Acre e do Rio Grande do Norte.

No Brasil, essas são as duas únicas vacinas disponíveis contra Covid-19. O protocolo nacional estabelece que os vacinados de grupos prioritários devem receber o imunizante disponível no posto no dia da vacinação (sem possibilidade de escolha). Na segunda dose, porém, a determinação é que o fabricante seja mantido.

As informações foram tabuladas pela Folha no Datasus levando em conta todos os vacinados no país no primeiro mês da campanha vacinal (de 17 de janeiro a 17 de fevereiro) que retornaram para a segunda dose até 8 de abril. É um universo de 3,5 milhões de pessoas.

Ao todo, 16.526 pessoas foram afetadas no período analisado. Os dados mostram ainda que 7 em cada 10 trocas de fabricantes na vacina contra Covid-19 ocorreram em profissionais de saúde. Esse rastreamento é possível porque cada pessoa vacinada é registrada no Datasus com um código de identificação, no qual há informações sobre cada dose recebida, incluindo fabricante e número do lote.

Misturar dois fabricantes de uma mesma vacina é considerado um erro de imunização. “Quem tomou uma dose de um fabricante e outra dose de outro não tomou nenhuma dose completa da vacina”, afirma a imunologista Cristina Bonorino, professora titular da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e membro dos comitês científico e clínico da Sociedade Brasileira de Imunologia.

As vacinas não só têm intervalos diferentes —o da Coronavac é de até 28 dias, e o da vacina de Oxford/AstraZeneca é de três meses, segundo recomendação da Fiocruz —como tecnologias distintas.

A Coronavac, produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, usa o vírus inativado para levar à produção de antocorpos, a mesma estratégia usada para fabricar as vacinas contra a gripe.

Já a vacina de Oxford é do tipo vetor viral não replicante (no caso, um adenovírus de chimpanzé) capaz de infectar células humanas, mas que não forma novos vírus, impedindo que a infecção progrida. Não se sabe ainda se a aplicação de duas vacinas diferentes pode gerar efeitos colaterais distintos dos descritos nos testes de cada imunizante.

Em nota à Folha, o Ministério da Saúde afirmou que foi notificado sobre 481 ocorrências de aplicação de doses de fabricantes diferentes das vacinas da Covid-19. “A pasta esclarece que cabe aos estados e municípios o acompanhamento e monitoramento de possíveis eventos adversos a essas pessoas por, no mínimo, 30 dias.”

O órgão, no entanto, não respondeu aos pedidos da reportagem por mais esclarecimentos quanto aos mais de 16,5 mil registros de intercâmbio de fabricantes de vacina encontrados no Datasus.

Segundo a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin, erros de administração na vacina poderiam ser evitados ou minimizados com uma coordenação maior do PNI (Programa Nacional de Imunização) em termos de supervisão, treinamentos e registros da campanha.

“Tão sério quanto essa falta de coordenação é o fato de não haver orientação por parte do programa em como proceder quando essas situações ocorrem.”

Há trocas de fabricantes entre as doses da vacina em 1.645 municípios brasileiros —quase um terço do total de municípios do país. Santo André (SP) lidera o ranking nacional com 2.747 casos. Quase todas as ocorrências (2.739) aconteceram em um único posto de vacinação, a UBS Espírito Santo.

A Folha esteve no local e contatou a Prefeitura de Santo André, que informou que teve problemas operacionais constantes. “Os mesmos referem-se ao sistema de migração dos dados e já foram reportados ao Programa Estadual de Imunização”. Não ficou claro, no entanto, como esses problemas resultaram em registros trocados de lotes e fabricantes nos vacinados.

O governo estadual São Paulo, por sua vez, disse, em nota, que não registrou problemas operacionais na migração de dados para o Datasus. “Desde a integração dos sistemas, a transmissão das informações recebidas pelo estado de doses aplicadas e registradas pelos municípios ocorre normalmente no repasse ao governo federal.”

O governo reforçou ainda que ministrar a vacina é responsabilidade dos municípios. Uma em cada quatro trocas de fabricantes na vacina da Covid-19 está no estado de São Paulo, num total de 4.471 ocorrências.

Entre as capitais, a cidade do Rio de Janeiro lidera as trocas de doses com 1.136 ocorrências —no estado, há 1.653 casos, de acordo com o Datasus. Em nota, a Secretaria de Estado de Saúde do Rio disse à Folha que “não foi notificada sobre trocas de vacinas na segunda dose tanto pelo Ministério da Saúde quanto pelas secretarias municipais de Saúde”.

Depois do Rio, as capitais com mais troca de fabricantes entre as doses são Goiânia (667 ocorrências) e Brasília (520 casos).

Os dados do Datasus são preenchidos pelos profissionais de saúde nos postos de vacinação, sob a responsabilidade dos municípios. O Plano Nacional de Operacionalização da Vacina Contra Covid-19 determina que todos os profissionais da saúde que tiverem conhecimento de erros de imunização “devem notificar os mesmos às autoridades de saúde”.

O país tem experiência com vacinas com mais de uma dose. Antes da pandemia, pelo menos nove imunizantes disponíveis no calendário vacinal do SUS tinham mais de uma dose, como a meningocócica C (com duas doses) e a poliomielite (com três doses).

A Folha já havia mostrado que mais de meio milhão de brasileiros vacinados com a Coronavac no primeiro mês de vacinação no país não tinha recebido a segunda dose da vacina mais de 45 dias após a primeira dose, o que compromete a imunização.

Três dias depois da reportagem, o Ministério da Saúde anunciou em entrevista coletiva que ao menos 1,5 milhão de pessoas que tomaram a primeira dose da vacina contra a Covid desde o início da vacinação no país não completaram o esquema vacinal com a segunda dose, considerando apenas o intervalo mínimo para retorno.

As informações são da FolhaPress

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