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Brasil

“Esse banheiro não é para o pessoal da limpeza”, ouviu professora negra no 1º dia de trabalho

De acordo com pesquisa do Semesp, 22,6% dos educadores de ensino superior se declaram negros ou pardos

Redação Jornal de Brasília

20/11/2023 20h44

Foto: Reprodução/ Agência Ceub

Jornal de Brasília/ Agência Ceub
Por Gabriel Teles

Da paixão pelos livros de história e português, ao sonho de lecionar. A educação sempre foi um despertar e interesse na vida da Núbia Elizabette de Jesus de Paula, 47 anos. Da infância humilde no interior mineiro, ao Pós doutorado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). As condições dentro de casa eram simples, nunca faltou o pão de cada dia ou seus livros para estudo, mas o pouco que tinha já era uma motivação.

Ainda jovem, em seus 25 anos, migrou pela primeira vez a um corpo docente e realizou seu sonho. Núbia relembra, que na época usava roupas e sapatos que o pouco dinheiro que sobrava a permitia comprar. “Lembro que naquela época ainda alisava meus cabelos porque me disseram que seria mais profissional e requintado para uma professora do curso de Direito”, conta. Logo em seu primeiro dia em uma instituição privada, a jovem professora sentiu a dor marcada pelo preconceito.

Preconceito

“Cheguei mais cedo porque estava ansiosa para começar a minha trajetória ali e me dirigi ao banheiro da sala dos professores. E lá se encontrava uma mulher mais velha, muito bem vestida e maquiada. Ela, bem grosseiramente, olhou em minha direção e disse: ‘Aqui, mocinha, esse banheiro é só para professoras. O pessoal da limpeza não pode usar esse banheiro não.’

A jovem respirou e meio a um choque respondeu: ‘Então estou no banheiro, certo? Prazer, professora Núbia.’ Ela relata não saber de onde teve forças para respondê-la, mas a grande verdade é que mulheres pretas nesse país “aprendem a desenvolver” desde cedo um espírito necessário de autopreservação e sobrevivência.

Minoria

Segundo indicadores do Censo da Educação Superior (IBGE) e Ministério da Educação (MEC), de 2022, o Brasil apresentou mais de 246 mil professores em atuação na educação básica matriculados no ensino superior.

Porém, a representação composta por docentes declarados negros são uma minoria. De acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Semesp indica que 22,6% foi a porcentagem de educadores que se declararam negros ou pardos nas instituições de ensino superior privadas brasileiras, em 2020.

Ao falar sobre o tema, Núbia de Paula diz acreditar na educação, reforçando o combate como indispensável para qualquer mudança e não imagina acesso a uma educação igualitária no país.

“No Brasil, não há igualdade entre os grupos sociais. Os brasileiros não desfrutam de uma situação racial harmoniosa e equilibrada em termos de tratamento e de acesso aos bens e direitos sociais, dentre eles, o acesso à educação superior. Existe uma nociva perpetuação da estrutura desigual de oportunidades entre brancos e negros no Brasil. No campo educacional, a condição racial do estudante, como outras categorias de exclusão, sem dúvida irá determinar o seu destino escolar”, relata a professora.

Sem referências

O paranaense Nemézio Amaral Filho, 51 anos, é mais um exemplo do brasileiro que não foge à luta, ou do pobre que não se distingue pela cor, e sim, pela coragem. Professor do Departamento de Jornalismo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Nemézio vem de uma infância “miserável”, como descreve o próprio, a mãe era analfabeta, que nasceu no mar de Remanescente de Quilombos, no interior do Pará.

“Como uma possibilidade de sair daquele estado de coisas, foi sempre o que me motivou. De resto, todas as oportunidades oferecidas pelo Estado que se apresentava naquele momento, eu tentava, eu tentava segurar. E naquele momento não havia lei de cotas, não havia política de incentivo às minorias. Era muito difícil”, conta Nemézio.

Durante a graduação, Nemézio não teve referências de professores declarados negros no ensino superior, os estudos no jornalismo foram tranquilos e não houve muitos problemas discriminatórios.

Do ponto de vista dele, hoje existe uma necessidade de formação constante de professores, principalmente no jornalismo, em que a profissão atravessa transições tecnológicas, novas habilidades no ambiente de redação e isso requer grande importância no reflexo social. Ele também faz ênfase nos raciais e afirma o “racialismo” como invenção humana.

“O racismo é sim uma invenção humana, o racialismo é sim uma invenção humana, porque o ser humano é muito pródigo na arte de inventar elementos, coisas para discriminar o outro, para pedir o acesso do outro a determinados e bens sociais”, descreveu.

Antes de chegar ao jornalismo, o professor conta que fez bicos de todos os tipos e foi desta forma que alcançou a graduação.

Atualmente, com 32 anos de carreira, Nemézio se dedica ao ensino e sente orgulho ao apresentar seus alunos, bolsistas, em um projeto de pesquisa. “Eles são o futuro. Nessa profissão é preciso organização, é preciso foco, é preciso senso histórico para não ser atropelada por mudanças gerenciais ou tecnológicas”.

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