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Brasil

Enem: 29 coordenadores do Inep pedem exoneração coletiva

O ato é um agravamento da crise que se instaurou no Inep desde o início do governo de Jair Bolsonaro

Redação Jornal de Brasília

08/11/2021 16h09

Foto: Divulgação

Vinte e nove coordenadores do órgão do Ministério da Educação (MEC) responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) pediram nesta segunda-feira, 8, exoneração e dispensa coletiva. Faltam 13 dias para a prova, marcada para os dias 21 e 28, com 3 milhões de estudantes. Os servidores desempenham funções cruciais para a realização do exame.

O ato é um agravamento da crise que se instaurou no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) desde o início do governo de Jair Bolsonaro. O atual presidente Danilo Dupas – o quarto em três anos – é acusado pelos funcionários de desmonte do órgão mais importante do MEC, assédio e desconsideração de aspectos técnicos na tomada de decisões.

A carta de demissão, à qual o Estadão teve acesso, diz que eles entregaram os cargos por causa da “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep”. Afirmam, no entanto, que pretendem continuar a disposição do Inep pelo “compromisso com a sociedade e o empenho com as atividades relacionadas às metas de 2021”. Todos são servidores antigos e experientes, que já passaram por várias provas do Enem. Por volta do meio dia, quando o Estadão revelou o pedido de demissão coletiva, eram inicialmente 13 nomes, mas mais funcionários decidiram a assinar a carta ao longo do dia.

O número atual de pedidos de demissão representa 58% dos coordenadores do Inep, que são cargos de liderança. Muitos substitutos dos coordenadores estão saindo. O Inep tem atualmente 164 servidores ocupantes de cargos. Até agora, quase 20% deles deixaram seus cargos entre sexta-feira e esta segunda.

Nos últimos meses diversos servidores do órgão passaram a pedir exoneração. Na sexta-feira, dois coordenadores pediram para deixar áreas cruciais do Enem – a montagem da prova e a logística. Segundo o Estadão apurou, integrantes da Cesgranrio, consórcio contratado para aplicar o Enem, temem o que possa acontecer com a prova sem a interlocução e a experiência dos técnicos que têm deixado seus cargos.

Nesta segunda-feira, pediram exoneração de seus cargos e funções os servidores Adelino Nunes de Lima , Alani Coelho de Souza Miguel, Andréia Santos Gonçalves, Camilla Leite Carnevale Freire, Claudia Maria Ribeiro Gonçalves Barbosa Marques, Clediston Rodrigues Freire, Danusa Fernandes Rufino Gomes, Denys Cristiano de Oliveira Machado, Douglas Estevão Morais de Souza, Edivan Moreira Aredes, Elysio Soares Santos Junior, Francisco Edilson de Carvalho Silva, Gizane Pereira da Silva, Helciclever Barros da Silva Sales, Helio Pereira Feitosa, Hélida Maria Alves Campos Feitosa, Karla Christina Ferreira Costa, Leonardo Ferreira da Silva, Marcela Guimarães Côrtes, Natalia Fernandes Camargo, Nathalia Bueno Póvoa, Patricia da Silva Onório Pereira, Rita Laís Carvalho Sena Santos, Rosária Duarte Melo, Samuel Silva Souza, Saulo Teixeira dos Santos, Silvana Maria Lacerda Gonçalves, Vanderlei dos Reis Silva e Victor Rezende Teles.

Alguns deles haviam sido designados para acompanhar e fiscalizar o cumprimento do contrato com a Fundação Cesgranrio, empresa responsável para aplicação da prova. Danusa Fernandes Rufino Gomes era a gestora do contrato.

Denys Cristiano de Oliveira Machado, por exemplo, foi nomeado, em setembro deste ano para cuidar da fiscalização da base de dados do ensalamento do Enem, conforme portaria interna do Inep. E Alani Coelho seria a responsável por fiscalizar atividades de capacitação do exame, segundo mostra a mesma portaria.

Vanderlei dos Reis Silva e Samuel Silva Souza integram a Coordenação-Geral de Logística da Aplicação, que acompanha a aplicação em tempo real e enviam informações ao Inep sobre como está a prova. Há ainda Andréia Santos Gonçalves, que faz toda a supervisão das atividades de monitoramento.

“Está saindo todo mundo do sistema de monitoramento de incidentes, que é o radar do Inep para solucionar os problemas da aplicação do Enem”, disse um servidor que pediu para não ter seu nome publicado. “O Enem vai ser realizado num voo às cegas.”

O deputado federal Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, pediu que Dupas seja convocado para dar explicações na Comissão de Educação nesta quarta-feira. “A preocupação é imensa, as provas estão prestes a ser realizadas e o Enem está, sim, sob grave ameação neste momento”, disse o deputado.

Os servidores que pediram exoneração de seus cargos nesta segunda-feira têm experiência na aplicação da prova e quase todos participaram da equipe para gestão de incidentes no ano passado, que cuida de eventuais problemas no dia do exame. Com as saídas agora, não está claro quem fará parte desse comitê de crise. Uma servidora que pediu exoneração nesta segunda-feira e que participaria da aplicação disse que, com as saídas, será “impossível” criar esse grupo com técnicos para resolver incidentes.

“Todos os servidores que cuidam da logística de aplicação do exame entregaram os cargos e o órgão fica meio acéfalo sobre quem toma a decisão neste momento”, disse ela, que pediu para não ser identificada. “Quem tomaria é a alta gestão da casa, que não está se envolvendo tecnicamente no exame e, por isso, houve a entrega dos cargos “, completou. A realização do exame, segundo ela, está em risco.

Os pedidos de exoneração se somam às saídas de Eduardo Carvalho Sousa e Hélio Junio Rocha Morais, fiscais do plano logístico do Enem, anunciadas na semana passada. Segundo apurou o Estadão, os servidores desempenham atividades às vésperas da prova que são cruciais para o bom andamento do exame. Por exemplo, cuidam do remanejamento de locais de prova em casos de problemas climáticos. E, na hora da prova, resolvem incidentes como a demora para a abertura de portões. As decisões têm de ser técnicas e rápidas, para prejudicar minimamente os estudantes e garantir a isonomia da prova.

Na quinta-feira, uma manifestação da Associação de Servidores do Inep (Assinep) denunciou assédio moral do presidente do Inep e avisou que o Enem estava “em risco” pelo clima de medo instaurado no órgão. “Só restou aos servidores tomarem essa atitude para que consigam ser ouvidos e para que o Ministério da Educação tome as providênicias necessárias para que voltemos a ter condições de realizar nosso trabalho com harmonia e segurança”, disse presidente da Assinep, Alexandre Retamal.

Diante do aumento da crise, ex-presidentes do Inep tentaram interceder na sexta-feira, pedindo que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, conversasse com Dupas para tentar barrar a debandada e não prejudicar o Enem. Segundo o Estadão apurou, no entanto, ao ser indagado sobre problemas no órgão, Dupas teria dito que tudo estava sob controle e que não precisava de ajuda. A resposta do presidente de Inep deixou mais descontentes ainda os servidores e serviu de estopim para o pedido de exoneração de hoje.

Na manifestação, a Assinep também divulgou uma carta de cinco páginas dizendo que o Enem e outros exames feitos pelo Inep estão “em risco”. O texto relatava ainda que “o clima organizacional é de desconfiança, intimidação, assédio, perseguição e insegurança psicológica”. Afirma ainda que o “trabalho dos servidores e gestores é desvalorizado” e que Dupas “não ouve sequer os ocupantes de cargos comissionados”.

Servidores temem ainda que o Dupas esteja preocupado em não ser responsabilizado juridicamente por eventuais falhas que possam ocorrer no Enem, já que teria pedido para deixar seu nome de fora do grupo que é acionado para resolver incidentes na prova, historicamente comandado pelo presidente do Inep.

“Todas as suas ações (de Danilo Dupas) demonstram que, na verdade, sua prioridade é resguardar o seu ‘CPF’, a ponto de se recusar a fazer parte dos próximos trabalhos das Equipes de Incidentes e Resposta (Etir)”, afirma o documento da Assinep.

Ainda de acordo com a associação, há “níveis excessivos de ingerência” que impossibilitam o cumprimento das tarefas e “resultaram em diversos pedidos de exoneração de cargos e funções comissionadas”. Cargos estão ociosos por causa da rejeição de servidores em ocupar posições na alta gestão e até mesmo funções comissionadas de nível intermediário.

A edição passada do Enem, realizada em janeiro, em meio ao recrusdescimento da pandemia no Brasil, teve problemas como superlotação de salas e estudantes barrados nos locais do exame. Neste ano, houve falhas no processo de inscrições. Entidades estudantis criticaram a cobrança de taxa de estudantes que faltaram na prova anterior. O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que determinou a abertura do prazo de inscrições.

Estadão Conteúdo

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