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Brasil

30 anos do Massacre do Carandiru; entenda por que ninguém está preso até agora

Em paralelo, a Câmara dos Deputados recebeu um Projeto de Lei (PL) para anistiar os policiais envolvidos no massacre

Redação Jornal de Brasília

30/09/2022 17h29

O massacre do Carandiru completa 30 anos no próximo domingo, 2, sem que os 74 policiais militares denunciados pelo assassinato de 111 presos após uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, na zona norte da cidade, tenham começado a cumprir suas sentenças. Eles foram condenados a penas que chegam a 624 anos de prisão, mas o desfecho do processo tem sido atrasado por sucessivos recursos na Justiça.

Durante uma década, o processo ficou travado aguardando uma decisão definitiva sobre quem deveria julgar os policiais: a Justiça militar ou a Justiça comum. Eles só foram a júri popular entre 2013 e 2014. Os julgamentos precisaram ser fatiados por causa do número de réus.

A condenação pelo Tribunal do Júri não significou, no entanto, a prisão dos PMs. Eles receberam autorização para aguardar a conclusão do processo em liberdade. Desde então, o caso tem sido marcado por reviravoltas judiciais. O Tribunal de Justiça de São Paulo chegou a anular as condenações e a determinar novos julgamentos por considerar que a acusação não conseguiu apontar exatamente qual a culpa de cada policial.

“Pela lei, quando há mais de uma pessoa agindo conjuntamente, todos respondem pela mesma infração penal. É o que diz o nosso Código Penal. Foi isso que o Ministério Público levou adiante: a individualização possível”, explica o promotor de Justiça Márcio Friggi, que assumiu o caso em 2013. “Pouco importa se o policial A matou a vítima B ou se foi o C que matou a vítima D.”

Em um novo capítulo do processo, que soma mais de 100 mil páginas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) restabeleceram a decisão dos jurados. A discussão agora é sobre a dosimetria das penas, que a defesa considera excessivas. As sentenças só devem começar a ser cumpridas quando o caso transitar em julgado (quando não há mais margem para recurso).

“A condenação não se discute mais: eles estão condenados pelo júri”, afirma Friggi. “Agora o caso volta para o Tribunal de São Paulo, que vai apreciar os pedidos relacionados à pena. Infelizmente, isso vai gerar uma nova decisão e deste acórdão podem ser interpostos novos recursos, tanto especial para o STJ quanto extraordinário para o Supremo. Para transitar em julgado mesmo, vai levar um tempo.”

Há ainda a chance do caso prescrever, o que significa que o Estado perde o direito de punir os responsáveis pelo massacre. A condenação reinicia a contagem da prescrição, mas o risco é maior para réus com mais de 70 anos. Isso porque o prazo prescricional, que para os crimes de homicídio é de 20 anos, cai pela metade.

Na avaliação do sociólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP Gustavo Higa, o massacre do Carandiru “é um labirinto jurídico”. “Nunca foi esclarecido publicamente quem deu a ordem para a invasão que resultou no massacre”, afirma. Ele reforça que os avanços também foram lentos em relação às indenizações.

Levantamento atualizado neste mês pelo Núcleo de Estudos sobre o Crime e a Pena (NECP) da FGV encontrou 75 processos de indenização movidos por 154 familiares de vítimas, principalmente mães. Ao todo, 69 ações foram julgadas procedentes e em 25 delas, um terço dos pedidos, os familiares receberam o valor total homologado judicialmente. Nas ações individuais, os valores variam de R$ 5 mil a R$ 105 mil. Nas com mais de um autor, há pagamentos de até R$ 755 mil.

O atraso também chama atenção no caso das indenizações. Grande parte dos precatórios foram concedidos mais de duas décadas após o massacre do Carandiru. O tempo médio, do início até o arquivamento do processo, é de 22 anos e 6 meses – ao menos 16 familiares, entre pais e mães das vítimas, faleceram enquanto esperavam o pagamento da indenização, o que habilitou novos herdeiros.

“O Estado não só não ofereceu uma comissão, como as vítimas entraram no processo judicial como qualquer pessoa”, disse a pesquisadora da FGV Direito SP Marta Machado, uma das organizadoras do livro Carandiru não é coisa do passado. “Alguns familiares, mães e pais, morreram sem ter uma decisão da Justiça dizendo ‘seu filho foi morto em uma ação indevida do Estado’.”

Anistia

Em paralelo, a Câmara dos Deputados recebeu um Projeto de Lei (PL) para anistiar os policiais envolvidos no massacre. O texto de autoria do deputado bolsonarista Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala, foi aprovado no mês passado pela Comissão de Segurança Pública e deve passar agora pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), última etapa antes da votação no plenário. O PL diz que “não é justo” condenar policiais que “tiveram a dura missão de arriscar suas próprias vidas em defesa da sociedade ao agirem com os meios necessários para a contenção de uma violenta rebelião”.

Embora, historicamente, o instrumento da anistia tenha sido usado no Brasil para perdoar crimes de natureza política, não há regra na Constituição que proíba o perdão de crimes contra a vida. O presidente Jair Bolsonaro (PL) já defendeu o indulto aos PMs. “Se o comandante do Carandiru [coronel Ubiratan Guimarães] estivesse vivo, eu daria”, comentou o presidente em 2019.

O coronel Ubiratan Guimarães, então comandante da Polícia Militar de São Paulo, foi assassinado em 2006. Ele foi a única autoridade condenada pela ação no Carandiru, mas não chegou a cumprir pena porque o Tribunal de Justiça do Estado anulou o júri. Os desembargadores entenderam que o coronel não poderia ter sido responsabilizado pelas mortes porque os jurados aceitaram a tese de que ele agiu no estrito cumprimento do dever legal. Durante o processo, Guimarães foi eleito deputado estadual pelo PTB com 56 mil votos em 2002. O número na urna foi o “111”.

Quando ainda era deputado, Bolsonaro também foi o único a defender publicamente o então governador de São Paulo, Antônio Fleury Filho (MDB), após o massacre.

Estadão Conteúdo

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