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Trabalhadora rural no interior do Pará protesta com poesia

Mãe de três filhos, ela permanece na zona rural, lutando pelos seus direitos e sonhando com uma realidade melhor para todos que vivem no campo

João Victor Rodrigues

13/10/2022 18h14

Foto: Agência Brasil

A trabalhadora rural Kennya Silva, moradora da cidade de Xinguara (PA), escreve poesia desde os 12 anos de idade, inspirada na própria história e nas notícias do mundo que chegavam pelo rádio.

Ela diz que sempre escutava o programa Viva Maria, da Rádio Nacional da Amazônia, na rádio de pilha.  A energia elétrica não era uma realidade para ela naquela época. “O programa (apresentado pela jornalista Mara Régia) faz com que você enxergue que o lugar da mulher é onde ela quer estar, independente de ser do campo ou da cidade”.

Mãe de três filhos, ela permanece na zona rural, lutando pelos seus direitos e sonhando com uma realidade melhor para todos que vivem no campo.

O programa que ouvia na rádio motivou Kennya a procurar a Associação de Trabalhadores Rurais. Foi conquistando o seu espaço e conseguiu emprego na prefeitura como secretária. Tinha um grande desejo de ter uma casa de tijolo e energia elétrica e conseguiu realizar todos esses desejos por meio da Associação. Ao conquistar a energia elétrica, a trabalhadora rural foi até a cidade realizar mais um sonho, comprar uma TV e um aparelho de DVD.

Logo depois, foi até a locadora, escolheu três filmes e quando estava fazendo o cadastro não conseguiu levar os filmes para casa por ser uma moradora rural “Só passou pela minha cabeça que os anos se passaram, eu consegui ter mais voz, conquistei minha casa e minha luz elétrica, mas ainda não tenho os mesmos direitos de uma mulher da cidade”.

Maria Quarqué

Esse episódio motivou Kennya a terminar uma poesia antiga, a “Maria Quarqué”. Gostou muito do resultado e queria compartilhar com mais pessoas, decidiu enviar para o programa da Mara Régia. A poesia foi um sucesso, e a trabalhadora rural foi procurada pela apresentadora. “Olha, Maria Quarqué, se estiver me ouvindo, e quiser falar mais sobre sua história, entre em contato novamente com a gente”.

A poetisa entrou em contato com o programa e disse que fez a entrevista no meio da roça, com vaca berrando, cachorro latindo e criança chorando “Fiquei constrangida, pedindo desculpas várias vezes”, explica Kennya. Depois dessa entrevista a vida dela nunca mais foi a mesma, a escritora tem mais de 500 poesias escritas, com vários temas, mas destaca principalmente a luta dos moradores rurais.

Olhar Político

Kennya vê com tristeza o cenário político atual, por não ter um número representativo de mulheres nos cargos importantes. “Nossa sociedade evoluiu de fato, mas para a mulher ser uma representante política é difícil, teria que enfrentar várias discriminações da sociedade, na maioria das vezes discriminações até das próprias mulheres”.

Ela conta que não trabalharia no meio político. “Se eu entrasse para a política, desmoralizaria toda a minha arte e todo o meu trabalho de todos esses anos, com minha arte posso ter uma voz mais ativa e fazer com que as pessoas enxerguem de outra forma os trabalhadores rurais, mudando assim a realidade deles”.

Confira poesia de Kennya

Depoimento de uma sem terra

Sem rumo, farta trabaio, farta dinhêro, a vida num ta bunita, fartô tudo, inté cumida, sem trabaiadô, sem teto, sem trabaio e sem valô. Semo maginalizado, inté di cangacêro semo chamado. In nosso corpo sintimo o cansaço, pru caso da lida, qui nus obriga, os verdadêro sinhô do cangaço, qui são os nosso gunvernadô, qui tira o nosso valô. Sêmo tratado qui nem bicho bruto, pru quê vivemo assim, brigando pelo pedaço de terra, pru quê queremo mermo e coiê nosso fruto.

Si o quverno nus dé o nosso intero abita nois vai fazer o que nós sabe, qui é todo dia trabaiá. O guverno pra querer ser bom, ispaiò, pra todo mundo, qui deu uma terra pra mim. eu posso inté ser chamado de burro, mas inda num aprendi a cume capim.

Pru mode quê eu num quero uma terra formada di paxto quero é mata pra prantá e coiê o arroz do meu gaxto. Quando nóis faz um protexto que nois se acampa na frente do congresso, o guverno promete mudança, mas só faz mêrmo é mudar suas leis e seus valoris, pra render o fundo de suas popança.

O sinhô tem carro importado, vivi no ar condicionado. Nois? Com as coxta no sol ou pela chuva moiado trabaino nas terra aléia, pra garanti nosso bucado. O meu fio, num come estrogonofre, nem brinca de enchê um cofre e quando ele fica duente, temo qui infrentà uma fila na porta dum hospitá quentando inté humilhação pra dispôs sai di lá com uma receita na mão.

Pru mode quê qui num tem remédio nem dinhêro pra cumprar, inté mandei a muié fazer de receita um chá, pra vê si serve pru minino sará. Isso parece inté piada, mas pru sinhô, isso num é nada. Quando agente perde a paciença, qui parte pra apelação, o Sinhô manda prendê a gente chamano de ladrão, inda diz qui fumo pêgo cuma arma na mão.

O Sinhô nem tem coragi di falar com um di nois, assim di frente a frente pra oiá nus nosso zoi, pra vê a marca do sofrimento, pra oiá quanto é qui dói.O Sinhô aparece na televisão mandano nóis açoçia dispôs manda um secretaro, pra com nóis vim cunversá, nóis fica lá longe, oiano ele chegano, si um di nóis mais perto chegá, vai si arrenpeder da graça, pruque no mei da praça, inda vai apanhá.

Vão dizer qui pra ele algum má nois ia fasê por isso inda vai preso sem direito di si defender… inquanto ele discussa umas palavra, qui nois nem sabe o qui é nem consegue dicifrá. Fala di um tá cinemaneto de industra, i coisa i tá, a dispois nóis bate parma, achano qui tudo vai mudá, passa um ano, passa dois ano, itudo fica no qui tá.

Ai vem a inleição, tá na hora di votá, ai sim nois vira distaqui, ai todo mundo vê nois, tem pra nois a solução. Nois inté aparece na televisão. nois ganha umas sexta, um tapinha nas coxta, uma carona, tudo pra ganha o voto do besta.

O Sinhô si lembra du eldorado dos carajá, morreu um bucado di nois lá até hoje num acharo o curpado, tão dizeno qui foro os sordado, os sordado dis qui foi o coroné, o coroné diz que ele é qui num é.

Mais eu sei quem é curpado, os curpado semo nóis qui inda criditamo, in suas mintira, qui inda temo esperança di sai dessa juquira. Si eu fosse falá di tudo qui nus oprimi si eu iscrevese metadi do qui nóis senti eu ia gaxta muito papé, i ofendê muita gente, purisso vô pará puraqui, pidino pra ocê qui podi faze arguma coisa por nóis.Qui num cale num consinta, num omita a sua voz entre nessa luta abraci nossa bandeira pru quê sêmo apenas um grupo dessa raça brasilêra. Qui inquanto os partido armenta ô diminui as suas coligação, nois continua aqui. Sem terra, sem-teto, sem apoio e sem pão”.

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