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Luto sem despedida: cantora faz músicas para a mãe e avó, vítimas da covid

Em setembro do ano passado, a avó, Adelina, morreu poucos dias após gravar um vídeo de feliz aniversário para a neta

Redação Jornal de Brasília

01/12/2021 17h22

Foto: Arquivo pessoal

Arthur Ribeiro
(Jornal de Brasília / Agência de Notícias UniCEUB)

A dor como inspiração. O inconformismo transformado em homenagem. “(A covid-19) é uma doença muito solitária. A gente não pôde estar com ela no final. Não pôde chegar perto. Não pôde se despedir. Isso é tão injusto, tão triste”.  As lembranças para a musicista Mirian Marques, de 39 anos, estão presentes por todos os lados. 

Em setembro do ano passado, a avó, Adelina, morreu poucos dias após gravar um vídeo de feliz aniversário para a neta instantes antes de ser entubada.

Em março deste ano, Mirian perdeu também a mãe, Walkyria. Tudo ocorreu de maneira rápida, em apenas três semanas que separaram a infecção da morte.

Assim como as outras diversas famílias e amigos que pesaram as mais de 600 mil mortes oriundas da pandemia no Brasil, Mirian disse ter se preenchido de luto e tristeza após a perda das mulheres de sua vida. Entretanto, ela transformou esse sentimento em arte, como uma homenagem especial para poder se despedir daquelas que se foram: um álbum musical.

O novo projeto da artista, o EP Mother, “Mãe” em inglês, consiste em cinco faixas dedicadas para a mãe e avó. A artista entende que, quando ela faz uma música para alguém, o trabalho pertence à pessoa inspiradora, e não à artista. Conforme ela recorda o que foi dito por sua produtora, Sara Loyola, o álbum é uma conversa com suas antepassadas, contando o que sente para elas. 

Homenagem

Contudo, Mirian reforça que o trabalho também é para todos aqueles que tiveram suas vidas tiradas por essa doença injusta, que impossibilitou o tempo para uns e a despedida para outros, que lhes privou o direito à vida. “Não se trata de uma homenagem somente para minha mãe e minha avó, é para todas as pessoas que se foram e os que perderam alguém na pandemia”.

O caminho para a finalização do trabalho foi longo, com seu início sendo justamente no momento de luto profundo, onde a musicista disse que achava que não teria mais criatividade. Para sair do fundo do poço, ela entende que os  amigos foram decisivos.

 Ela compartilha que um colega a chamou para ir na Chapada dos Veadeiros pouco após a perda de sua mãe, mas mal sabia ele que lá era o local onde Mirian havia perdido seu pai. Mesmo assim, ela foi e diz ter sido um momento fundamental para ressignificar, algo que não é fácil de se fazer sozinho, por isso a importância dos amigos, que inclusive fizeram uma vaquinha para pagar pelo velório de Walkyria.

“O sentimento era de impotência, de inércia, estava parada vendo as coisas acontecerem, estava parada vendo as pessoas morrerem. É muito importante as pessoas que temos à nossa volta, nesse momento me senti acolhida, mesmo em meio ao luto e a tristeza”, disse.

Músicas

Assim, após buscar ressignificar o ocorrido, Mirian buscou transformar seu luto em sorrisos, especialidade de sua mãe, mulher alegre, sorridente, que não reclamava de nada, e deu nome às faixas do EP com suas falas tradicionais, como “Bonita Igual uma Cabrita” e “Meio de Cada Lado”. “Mother”, “Tenho Dó Mas Não Ando em Redor” e “Até Breve, Dilina” completam o projeto.

Desta forma, a artista passou dos sentimentos ruins para os bons. “É por isso que as músicas são alegres, elas têm esse tom transcendente que rompe com a tristeza. O luto é eterno, ele vai durar por toda minha vida, mas dá para romper com a tristeza, que é inerente ao luto”, explicou.

Entre as cinco faixas que Mirian canta e conversa com sua mãe e avó, Mother é a que mais lhe toca, com suas castanholas e ritmo flamenco que, mesmo sem “ter nada a ver” com Walkyria, é a cara dela. Cara que teve influência em toda a trajetória musical da artista, que começou desde jovem na igreja e evoluiu de acordo com as músicas que sua mãe gostava, como Caetano Veloso e Rita Lee.

“Gosto muito de te ver, leãozinho, caminhando sob o sol”, como dizia Caetano, mas também Walkyria, que cantava para a filha e seus belos cabelos. Assim, a musicista foi crescendo na música e chega agora para o lançamento de seu segundo trabalho, que dedica para aquelas que a inspiraram a chegar até lá.

Mirian acredita que a dupla foi recebida em “um outro plano” por seus entes queridos, um lugar melhor, de onde irá prestigiá-la em seu álbum. Além delas, ela torce também para que as demais pessoas demonstrem um interesse pela música do cenário independente, como é seu caso, para que atinja o maior público possível, e que eles, por sua vez, se emocionem junto nesse trabalho. “A morte pega a gente de surpresa e de jeito, mas podemos ressignificar”.

Foto: Arquivo pessoal

Mother já está disponível nas plataformas digitais e conta com diversos nomes nos bastidores. Daniel Baker no piano, Edson Arcanjo no violão e na guitarra, Hamilton Pinheiro no baixo, produção e diretor musical, Pedrinho Almeida na bateria, Marcos Pagani na técnica, com apoio de Rafael de Souza e Cleiton Rodrigues, além de, claro, Walkyria e Adelina, que certamente estão “dançando, morrendo de rir e orgulhosas”, como diz Mirian, tão orgulhosa quanto pelo legado que as duas a deixaram.

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