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Literatura

Saiba como a gravadora Forma lançou os mais belos discos da história da MPB

É a trajetória quixotesca desse empreendimento que o jornalista Renato Vieira conta no livro “Tempo Feliz – A História da Gravadora Forma”, publicado pela editora Kuarup

FolhaPress

17/10/2022 16h40

Foto: Divulgação

LEONARDO LICHOTE

Quer ser meu sócio?” Foram essas as primeiras palavras que o produtor Roberto Quartin dirigiu ao arquiteto Wadi Gebara, apresentado a ele pelo pianista Luiz Carlos Vinhas. A resposta, um surpreso “vamos conversar”, abriu caminho para a consolidação da sociedade em questão, um selo dedicado à mais requintada música popular brasileira produzida na década de 1960 -o que inclui os discos “Os Afro Sambas”, de Baden Powell e Vinicius de Moraes, e “Coisas”, de Moacir Santos.

É a trajetória quixotesca desse empreendimento que o jornalista Renato Vieira conta no livro “Tempo Feliz – A História da Gravadora Forma”, publicado pela editora Kuarup.

“O livro conta a história de dois jovens que simplesmente gostavam de música e decidiram fazer uma gravadora. Um tipo de iniciativa que duas pessoas só fazem quando têm 20 e poucos anos, como era o caso deles”, afirma o autor.

“Encontrei uma entrevista do Quartin de 1964, no lançamento da Forma, dizendo que eles sabiam que a gravadora não ia dar lucro, mas não se importavam com isso, o que era uma ingenuidade. Ao mesmo tempo, é um tipo de utopia brasileira que é inspiradora no sentido de fazer a coisa acontecer.”

A ingenuidade levou a gravadora a durar apenas dois anos -de seu primeiro disco, em 1964, ao último, em 1966. O impulso utópico dos empresários, porém, permitiu que nesse breve tempo eles inscrevessem seu nome na história, com seus 22 álbuns. “Não se pode pensar a música brasileira hoje sem mencionar alguns dos discos lançados pela Forma”, afirma Vieira.

A marca da diferença da Forma era a maneira como elevava o disco ao status de obra de arte, da capa ao conteúdo -mesmo comparada à Elenco, gravadora cultuada que se tornou símbolo da bossa nova.

“As capas eram pinturas de Patricia Tattersfield, namorada de Quartin. E as contracapas traziam textos de nomes como Tom Jobim, Manuel Bandeira, Millôr Fernandes, Cacá Diegues, Glauber Rocha… A nata da nata da intelectualidade da época”, diz o autor.

“Era um padrão que não existia no Brasil. Ponho no livro uma tabela de preços, mostrando isso: os discos de Roberto Carlos, por exemplo, custavam Cr$ 8.000, enquanto os da Forma, de artistas bem menos populares, eram 11 mil”, afirma o jornalista, apontando um dos motivos da falência do selo.

Os textos de contracapa e as informações da ficha técnica de todos os discos da gravadora estão reproduzidos no livro, desde a estreia em 1964 com “Inútil Paisagem – As Maiores Composições de Antonio Carlos Jobim”, com arranjos de Eumir Deodato, na época com 21 anos, até a despedida com “Vinicius: Poesia e Canção”, lançado em dois volumes no fim de 1966.

“Na era do streaming, com o objeto disco sendo deixado de lado, achei importante resgatar esses textos e fichas técnicas”, diz o jornalista. “É até um respeito ao conceito original dos discos da Forma, que passava até mesmo pelas escolhas dos autores que escreviam as contracapas.”

Alguns textos refletem o contexto tenso da política nacional. Millôr escreve em “Chico Fim de Noite Apresenta Chico Feitosa” que o compositor “quis fazer um disco propositadamente alienado numa época de extrema politização”, tratando o álbum como “uma tomada de posição em favor do outsider”.

O próprio Quartin, na contracapa de “Coisas”, afirma: “Não sei até hoje se Moacir Santos é de extrema direita ou de extrema esquerda, mas sei que ele é de extrema musicalidade”.

O livro começou a nascer em 2014, quando Vieira conheceu Wadi, apresentado pelo pesquisador Marcelo Fróes. O sócio da Forma queria contar sua história com a gravadora, associada quase sempre à figura de Quartin, o responsável artístico. Não era à toa: carismático, Quartin cultivava uma boa relação com a imprensa e era o principal produtor dos rumores sobre os planos da gravadora, alguns verdadeiros, outros puro marketing.

Wadi -o lado mais discreto da sociedade, além de o responsável pelo capital- deixou à disposição de Vieira todos os documentos que guardava da Forma, além de sua memória preciosa. O jornalista propôs a ele que o foco fosse ampliado. Entrevistou então artistas e produtores que testemunharam a saga da Forma, além de pesquisar jornais da época. “Wadi infelizmente morreu em 2019 e não viu o livro pronto, mas ele está presente ali como minha principal fonte.”

Tão representativos da essência da gravadora quanto os discos lançados por ela são os álbuns não lançados. O autor dedica um capítulo a eles, afinal, atestam o faro e a ambição da Forma.

Estão lá os convites feitos a Elis Regina, recém-chegada ao Rio, e a Chico Buarque -chegou a sair nos jornais que a Forma negociava com o jovem compositor o lançamento de seu álbum de estreia. Mas o que chegou mais perto de acontecer foi “Stan Getz Meets Baden Powell”, que foi parcialmente gravado em 1965. Há uma foto da dupla em estúdio, ao lado de Quartin.

O encontro de Baden e Getz não foi concretizado em disco, mas o legado da Forma inclui álbuns de nomes como Quarteto em Cy, Quinteto Villa-Lobos, Tamba Trio e Sérgio Ricardo. “Wadi e Quartin foram muito corajosos de entrar num mercado que desconheciam”, avalia Vieira . “E graças à coragem e ao sonho deles, podemos ter esses discos”

TEMPO FELIZ – A HISTÓRIA DA GRAVADORA FORMA
Preço R$ 69 (282 págs.)
Autor Renato Vieira
Editora Kuarup

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