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Cinema

O cinema invertido do português João Canijo no Festival de Berlim

Ganhador do prêmio da crítica em San Sebastián em 2011 com “Sangue do meu sangue”, Canijo reconhece que não é nada otimista quando aborda as relações familiares

Redação Jornal de Brasília

23/02/2023 19h26

Foto: AFP

O diretor português João Canijo está na competição pelo Urso de Ouro na 73ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale) com “Mal viver”. O filme acompanha sua outra versão “invertida”, “Viver mal”, que concorre em outra categoria da mesma premiação, um acontecimento inusitado.

“Mal viver” conta a história de três mulheres — avó, filha e neta — que cuidam de um hotel no norte de Portugal e vivem mergulhadas em ressentimentos e segredos familiares nunca resolvidos.

A filha da fundadora do hotel está à beira do suicídio e a incompreensão de sua mãe parece ser transmitida à sua filha. Os diálogos se cruzam com fragmentos de conversas dos hóspedes do hotel, que sofrem suas próprias misérias.

A segunda parte, “Viver mal”, retoma com precisão as histórias secundárias, colocando-as em primeiro plano. Os hóspedes viram protagonistas e, como pano de fundo, como um cenário conhecido e ao mesmo tempo intrigante, estão essas três mulheres, presas por sua relação tóxica.

Nada otimista

Ganhador do prêmio da crítica em San Sebastián em 2011 com “Sangue do meu sangue”, Canijo reconhece que não é nada otimista quando aborda as relações familiares.

“Não acho que tenha esperança. Não acredito em famílias funcionais. Não conheço nenhuma”, disse o diretor em entrevista à AFP, antes da estreia na noite desta quinta-feira (23), em Berlim.

Para Canijo, “as avós estragam a vida de suas filhas e depois essas mães vão arruinar, em seu momento, a vida de suas filhas. É assim, um ciclo que não acaba nunca”.

Ele considera sua dupla indicação na Berlinale “extraordinária”. Das duas, sua preferida é a que disputa o Urso de Ouro. “Obviamente”, afirma.

“Cada uma delas, na competição oficial e na sessão Encounters, tem seu lugar”, diz, com um sorriso orgulhoso.

Para a segunda parte, Canijo se inspirou em três obras de teatro do sueco August Strindberg (1849-1912).

Uma mãe pressiona a filha a se casar para poder continuar dormindo com o genro, um casal que vive entre amor e ódio, e duas jovens lésbicas que não conseguem se livrar da sombra da mãe de uma delas.

Em termos de toxicidade, “acho que, hoje, os casais homossexuais são tão normais quanto os heterossexuais, não acho que tenha uma grande diferença”, opina.

Poucos antecedentes

Outro diretor está na disputa em duas sessões diferentes nesta edição do Festival de Berlim.

O iraniano Mehran Tamadon concorre com “Mon pire ennemi” (Meu pior inimigo, em tradução livre), na sessão Encounters, e com “Jaii keh khoda nist”, na sessão Forum. Trata-se, no entanto, de histórias diferentes, rodadas em lugares distintos.

“Viver mal” e “Mal viver” foram filmados simultaneamente, durante 12 semanas, no mesmo hotel.

“Quando estávamos gravando, sabíamos exatamente o que estava dentro de um filme e o que estava dentro de outro”, garante Canijo, acrescentando que foi um autêntico trabalho de “joia cronológica”.

Há poucos exemplos de dinâmicas similares na história do cinema.

Clint Eastwood filmou “Cartas de Iwo Jima” e “A conquista da honra”, com o ponto de vista japonês e americano, respectivamente, sobre a Batalha de Iwo Jima, entre 2005 e 2006. Já “Dois lados do amor” (2014), de Ned Benson, mostra os dois pontos de vistas sobre a relação de um casal, a perspectiva dela (Jessica Chastain) e a dele (James McAvoy).

Agence France-Presse

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