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Cinema

‘A Crônica Francesa’ é Wes Anderson em uma paródia fria de si mesmo

FolhaPress

17/11/2021 18h09

Foto|Divulgação

“Faça parecer que você escreveu isso de propósito”, diz o personagem de Bill Murray, o editor da fictícia publicação literária que intitula “A Crônica Francesa”, para cada um dos seus jornalistas. A ordem sintetiza as pretensões do novo filme do diretor de “O Grande Hotel Budapeste” e “Os Excêntricos Tenenbaums”, Wes Anderson, no pior e no melhor que ele tem a oferecer.
No melhor, ao deixar muito claro o amor que o realizador sente por um tipo específico de jornalismo impresso -a publicação dentro do filme não passa de um avatar “andersoniano” para a americana New Yorker-, e no pior ao sintetizar como o excesso de esmero estético cada vez mais esteriliza os seus filmes.
A Crônica Francesa é uma revista literária de uma pequena cidade. Sua redação é composta por brilhantes jornalistas americanos expatriados e seu editor, Arthur Howitzer Jr., que acaba de morrer, vítima de um infarto. Respeitando seu testamento, a revista deixará de ser publicada e sua última edição deve circular contendo três celebrados artigos publicados anteriormente juntamente do seu obituário.
O que se segue é uma história contada através de episódios, cada um deles referenciando uma das peças de jornalismo literário presente na última edição. Conforme assistimos ao filme, lemos a revista. Temos a história do genial artista encarcerado apaixonado pela sua carcereira; temos a sátira sobre a revolução cultural juvenil nos moldes de Maio de 68, e temos o thriller envolvendo o sequestro do filho do comissário de polícia local durante um dos seus famosos jantares.
As matérias são narradas pelos respectivos jornalistas que as conceberam em momentos diferentes do tempo -uma jornalista escreve um diário, a outra dá uma palestra, enquanto o terceiro está na televisão concedendo uma entrevista.
O filme deixa claro que é sobre o ato narrativo, sobre personagens atrás de histórias, atrás da melhor forma de contá-las e, sobretudo, sobre o efeito que a busca e manuseio de tremendo ativo causa naqueles que o perseguem. Mas a redundância de perspectivas garante muito pouco além da superfície dramática. O mal que assombra a maior parte dos filmes de antologia faz mais uma vítima aqui -em favor de ideias, se suprime o humano.
Esse desconforto se adensa conforme notamos que estamos diante de um filme excessivamente inchado. Ele é empanturrado de verborragia, referências literárias e uso diverso da linguagem cinematográfica -animação, tela dividida, passagens em cor e preto e branco, miniaturas e computação gráfica. Na mesma sequência podemos ver empregados o uso de todas essas técnicas em um espaço de minutos ou sentenças.
Mas o esmero visual dificilmente encontra contrapartida na construção e relação entre personagens. Eles estão ali atrás de contato, amor, pertencimento e afeto, mas essas tensões parecem notas sendo tocadas de forma artificial e mecânica no fundo de uma melodia.
O cartunesco não precisa ser necessariamente caricato. O próprio diretor já provou isso antes.
Os filmes da primeira metade da sua filmografia pareciam emular máquinas de Goldberg, o mecanismo que executa uma tarefa simples através de uma reação em cadeia complicadíssima e exagerada. Eles tiravam proveito da cadência espalhafatosa com que o seu sistema estético evoluía, acumulando detalhes e idiossincrasias, mas, invariavelmente, chegavam a um ponto simples de ternura e humanidade. “Três é Demais”, de 1998, e “A Vida Marinha com Steve Zissou”, de 2005, mostram muito bem isso.
Hoje, seus filmes se assemelham mais a displays animatrônicos, meticulosamente concebidos e friamente dispostos. Conforme seus anseios visuais foram lapidados, parte da inocência e da ternura se perdeu.
É comum escutar que a cada novo filme, Wes Anderson faz o seu filme mais “andersoniano”, mas parece que ele há muito ultrapassou a linha onde essa máxima começou a descrever uma paródia -e não a evolução de um projeto.

A CRÔNICA FRANCESA
Avaliação Regular
Quando Estreia nesta quinta (18)
Onde Nos cinemas
Classificação 14 anos
Elenco Timothée Chalamet, Bill Murray, Tilda Swinton
Produção Reino Unido/França/Alemanha, 2021
Direção Wes Anderson

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