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Preconceito: Matrizes africanas são vítimas de 71% dos crimes de intolerância religiosa no DF

Segundo a PCDF, das 55 ocorrências classificadas como intolerância religiosa desde 2018, 39 foram contra seguidores de religiões de matrizes africanas

Redação Jornal de Brasília

11/10/2022 17h23

Foto: Gabriel de Sousa/Jornal de Brasília

Gabriel de Sousa
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No Distrito Federal, as maiores vítimas de intolerância religiosa são os seguidores de religiões de matrizes africanas. Segundo a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF), de 2018 para cá foram registradas 55 ocorrências criminais, sendo que, em 39 destas, as vítimas eram pertencentes a crenças afro-brasileiras, que lidaram com opressões físicas e psicológicas apenas por cultuarem uma fé diferente dos seus agressores.

O número indica que 70,9% dos casos de intolerância são contra os integrantes de matrizes africanas. Neste ano de 2022, um crime de preconceito aos ritos africanos foi notificado, enquanto que no ano passado foram sete. Em 2020 foram 12, já o ano de 2019 foi o que mais teve boletins de ocorrência: 16. Em 2018, houveram três casos de preconceito contra as religiões afro-brasileiras no DF.

No ranking disponibilizado pela PCDF, o espiritismo é a segunda religião que mais sofreu com a intolerância religiosa nos últimos quatro anos, com seis ocorrências. Três foram registradas em 2022, o que equivale a 60% de todos os casos registrados neste ano.

De 2018 para cá, quatro boletins de ocorrências de intolerância religiosa foram feitos por evangélicos, e dois por católicos. Outras quatro vítimas não tiveram a sua religião informada. Os dados da PCDF em 2022 contabilizam ocorrências registradas até o dia 25 de abril.

Os casos de preconceitos religiosos ocorridos no DF são investigados pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), que acredita que os casos ainda são subnotificados, entre outros motivos, por conta da convicção que algumas vítimas possuem na impunidade dos agressores.

Para atendimentos presenciais, a delegacia mais próxima deve ser procurada pela vítima. A sede da Decrin funciona nos dias de semana, das 12h às 19h, e está localizada no Complexo da PCDF, no Parque da Cidade. As denúncias também podem ser feitas virtualmente, por meio da ocorrência eletrônica. Outra forma é por meio do telefone 197.

Terreiro atacado em março reclama de impunidade

Neste ano de 2022, o único caso de intolerância religiosa contra religiões afro-brasileiras registrado nas ocorrências da Polícia Civil do DF aconteceu na zona rural de Planaltina, no Ilê Axé Xaxará de Prata. O crime, informado em primeira mão pelo Jornal de Brasília, aconteceu em 23 de março, quando um homem, visivelmente alterado, invadiu o terreiro e desferiu machadadas contra imagens de orixás, danificando os itens sagrados dos ritos africanos.

A mãe de santo Sueli Gama de Omulú é a responsável pelo Ilê, e relembra dos momentos de medo que passou quando o homem armado invadiu o local. Enquanto destruía os patrimônios sagrados, o agressor proclamava ofensas repletas de discurso de ódio contra as matrizes africanas. “Nesse dia que aconteceu, infelizmente todos os homens da casa que poderiam, naquele momento, ter alguma ação, não estavam em casa. Nós só tínhamos mulheres, um deficiente visual e um idoso”, relembra.

O autor foi preso em flagrante após os ataques ao terreiro. Após ser autuado, foi constatado pelos investigadores que o criminoso possuía deficiências mentais. O agressor ficou internado em uma clínica psiquiátrica, sendo liberado no mês passado. Para a mãe de santo, a soltura do homem revela a impunidade dos agressores, além de reforçar o temor sentido pelos seguidores de ritos africanos.

“Ele ser solto é uma resposta de que a lei não está funcionando. Criou-se a Decrin para poder discutir crimes religiosos, criou-se leis para que pudessem sanar esse tipo de violência, mas isso não está resolvendo. Até onde está hoje não basta e não faz um diferencial na nossa vida”, afirma.

Para Sueli, o combate contra o preconceito religioso deve ser reavaliado, tendo em vista que, apesar dos avanços criados, os seguidores ainda temem pela sua integridade física e psicológica devido a sua crença. Depois do ataque de março, o Ilê Xaxará de Prata, que além de rituais religiosos também produz ações voltadas para a comunidade local, está reconstruindo o seu patrimônio sagrado que foi danificado por meio de arrecadações. A lembrança dos momentos de medo permanecerá eterna na mente dos frequentadores do terreiro.

“Qual é o preço da vida de uma comunidade de terreiro para o poder legislativo? Eu me pergunto. Qual é o preço da minha carne? Qual é o preço do meu ser? Da minha cor? Da minha identidade? Da minha comunidade?”, indaga a mãe de santo.

De cabeça erguida, Sueli Gama explica que, apesar do preconceito, o medo e o temor não deve fazer com que os seguidores de matrizes africanas se sintam acuados. A melhor forma de enfrentamento, segundo ela, é o incentivo à criação de novos espaços religiosos: “Quanto mais terreiros se abrirem, melhor. Nós temos que se multiplicar e mostrar a nossa identidade, quem somos e aonde nós estamos”.

“O medo e o temor, a gente vai ter sempre. Mas nós somos uma religião de resistência, tanto é que nós estamos reconstruindo tudo aquilo que ele destruiu. A gente não pode deixar que esse ato se torne repetitivo, que se torne o suficiente para poder fechar os terreiros, calar os tambores e calar a nossa voz”, conclui a mãe de santo de Planaltina.

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