Menu
Brasília

Porteiros: como cuidam de si mesmos aqueles que devem zelar pelos condomínios

Paraibano, negro e torcedor do Vasco da Gama, também é morador de um prédio da quadra 103 do bairro Asa Sul em Brasília

Redação Jornal de Brasília

01/03/2023 20h55

Atualizada 02/03/2023 6h02

Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Marco Feitoza
(Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB)

“Abre a porta, seu negro imundo!” O zelador Tião tem dificuldade de se esquecer dessa violência sofrida por ele. Ele ouviu (e viu) o insulto de uma moradora do bloco onde trabalha. A mulher teria obrigado o zelador a abrir a porta para ela, Tião explica que o que mais o entristeceu não foi o xingamento em si, mas a omissão do condomínio quando ele fez a denúncia. Segundo ele, os moradores alegaram que ela tinha depressão. O caso foi abafado. Ele não gosta de falar do assunto porque essa agressora já morreu.

De acordo com os dados da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), no último levantamento feito em 2021, foram registrados 562 casos de injúrias raciais na capital federal.

Tião é o apelido do zelador Sebastião Gomes, de 51 anos. Paraibano, negro e torcedor do Vasco da Gama, também é morador de um prédio da quadra 103 do bairro Asa Sul em Brasília.

Original do município de Sousa na Paraíba, ele chegou a Brasília nos anos 1990. Logo começou a trabalhar em outro prédio da quadra cobrindo as férias do porteiro “Seu João”, que até hoje trabalha no local. Em 1997, ele se firmou como zelador do prédio onde mora até hoje.

Sebastião conversou comigo em frente à porta de sua casa no térreo. Ele recorda que, ao chegar a Brasília, enfrentou dificuldades. Na capital, foi morar em Samambaia, mas, na época, a cidade não tinha esgoto nem água encanada, conforme lembra. Ele morava em um barraco de madeira.

Tião, como é chamado por todos, nunca sofreu abuso no trabalho como cargas horárias excessivas, mas exerce qualquer função que pedem para ele: limpar, lavar, pintar, consertar, ser porteiro, entre outras. Segundo ele, todas as vezes que pediram para ele fazer um trabalho extra, foi remunerado de forma adequada.

No Brasil, em 2020, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência, existiam cerca de 874,05 mil porteiros e zeladores trabalhando de carteira assinada. Destes, 606.786 mil são porteiros e 273,2 mil zeladores.

Direitos

Segundo o advogado trabalhista Luiz Antônio Calháo, os porteiros e zeladores têm os mesmos direitos trabalhistas que quaisquer outras profissões. “Em regra, os direitos efetivos desses profissionais são os mesmos direitos que qualquer profissional tem, 13º salário, férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).”

Ainda de acordo com o advogado, o profissional que trabalha nesses condomínios, principalmente os que moram onde trabalham, precisam ter cuidado para não ultrapassar a jornada de trabalho máxima estabelecida pela legislação trabalhista, que é de 12 horas com descanso de 36 horas após a jornada.

“A obrigação do síndico é controlar o cumprimento dessa jornada, ele é responsável por todas as contratações do condomínio e pelo fiel comprimento dos contratos de trabalho”, afirma o advogado.

Enquanto conversa com a reportagem, Tião corta um peito de frango para a filha de 10 meses almoçar. Ele conta que, nos tempos de escola em Sousa, chegando até a escola certo dia, observou a seguinte frase na faixada, “Sai daqui seus negros imundos e nojentos”, em referência a ele e seus amigos.

Tião deixou a escola antes de completar o ensino fundamental. Ele se arrepende de não ter concluído os estudos. Apesar de entender que poderia ter melhores oportunidades com o ensino básico completo, ele indaga “ Como eu vou voltar a estudar com 51 anos?”.

Com a rotina de trabalho de 12 por 36 horas, eu perguntei qual é o seu lazer. Tião conta que é “pouco” por causa da rotina. Ele diz que gosta de correr e se exercitar no Parque da Cidade.

Com um sorriso no rosto, ele conta que seu sonho é voltar a estudar e manter o que conseguiu construir ao longo dos anos, “Quem sabe quando eu me aposentar, morar no Cruzeiro, mas tá muito caro morar lá”. O aluguel de um apartamento no Cruzeiro Velho, em novembro de 2022, variava entre R$ 1 mil e R$ 2,4 mil segundo o site Wimoveis. Seu outro sonho foi realizado agora há pouco, ser pai, aos 50 anos, de uma menina de 10 meses.

Mesmo com todas as mágoas e arrependimentos, Tião é grato aos moradores do prédio onde trabalha que, mesmo com uma exceção, sempre o trataram com respeito e afeto. Sua festa de casamento, há 12 anos atrás, foi paga por eles.

Há 10 anos, a tia de Matheus Souza vive no prédio onde Tião trabalha. Segundo ele, sempre visita a sua tia por ser perto de casa e conta que tem muito apreço pelo zelador.“Tião é extremamente comprometido com o trabalho, discreto, solícito, carismático e de extrema consciência, um amigo”.

“Animais não te xingam ou te fazem mal, por isso gosto da fazenda”.

Quem falou essa frase foi o porteiro Seu João, que trabalha há 32 anos em um prédio na quadra 103 do bairro Asa Sul em Brasília. O regime de trabalho é de 12 horas de turnos em 3 ou 4 vezes por semana.

Na capital federal, de acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência, em 2020, havia 19.801 mil porteiros e zeladores com carteira assinada, 14.105 mil porteiros e 5.696 mil zeladores.

Loiro com olhos azuis, Seu João, na verdade, se chama Domecir Noimec. Filho de imigrantes alemães, ele se identifica como palmeirense. O trabalhador nasceu no município de Santa Teresa no Espírito Santo e passou 27 anos cuidando de animais na fazenda de sua família. Com a mudança para Brasília em 1989, ele começou a trabalhar em um edifício comercial. Seu João afirma que nunca gostou de “ficar acomodado”.

A origem do apelido “Seu João” vem dos irmãos e primos que não gostavam do nome Domecir e preferiam chamá-lo de João. Com o tempo, o apelido pegou.

Os pais, Florêncio Noimec e Ruth Schultz, tiveram outros oito filhos: Antônio, Jonacir, Joyce, Maria da Glória, Lucinéia, Dair, Clair e um que morreu com poucos meses e ele não soube o nome. A mãe morreu há 35 anos por infarto. O pai, de trombose devido ao alcoolismo. O irmão Antônio trabalhou com Domecir e era querido pelos moradores. Suas gargalhadas eram ouvidas por toda a quadra. Antônio também era alcoólatra. Morreu de câncer no pâncreas em 2016 aos 57 anos de idade.

Jonacir, que tinha muitas semelhanças físicas com Antônio, herdou o mal da família alemã. Certo dia, bebeu muito, tropeçou no meio fio e bateu a cabeça, sofreu traumatismo craniano e morreu aos 47 anos em 2020. Ele também era porteiro em um bloco da Asa Norte.

Domecir mora com a irmã Joyce em Valparaíso de Goiás (GO), a 34 km de onde o porteiro trabalha. Sua irmã é atendente em uma barbearia. Ele garante que ela nunca bebeu nem fumou.

Seu João casou em 1982, mas se separou 16 anos depois. Teve quatro filhos. O mais novo morreu baleado. Ele evita tocar no assunto. Outra dor é o envolvimento dos filhos com o tráfico de drogas. Após ameaças e discussões, o pai diz ter sido expulso de casa.

Amor pelo trabalho

Seu João se emociona quando fala do lugar onde trabalha. Segundo ele, foi lá onde ele conquistou o sustento de seus filhos. “Eu gosto muito das pessoas daqui da quadra. Se pudesse, eu pegava um apartamento por aqui”, afirma desejando melhores condições de vida.

A moradora Mônica Cristina, que reside no edifício há 59 anos, lembra de Domecir quando chegou no prédio. “Desde novo, ele é muito educado e prestativo”. Além de sempre ajudar os moradores mais idosos com outros serviços, ela afirma que Seu João viu seus filhos crescerem e sempre ficava de olho neles, cuidando.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado