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Brasília

Manejo incorreto do fogo aumenta ocorrências de queimadas no DF

Em um único dia, Corpo de Bombeiros registrou 29 ocorrências de incêndio na capital e mais de 9 mil hectares de áreas atingidas

Mayra Dias

08/09/2021 17h42

Atualizada 09/09/2021 15h31

Fogo. Desde o início do mês, isto tem feito parte da paisagem da capital. Apenas nesta terça-feira (7), até o início da tarde, o Corpo de Bombeiros do Distrito Federal (CBMDF) registrou 29 ocorrências de incêndio no Cerrado. “Observa-se aqui, o resultado do manejo mal feito do fogo como ferramenta, levando em consideração que as baixas umidades relativas do ar e a baixa umidade da biomassa vegetal nesta época são fatores que já propiciam a ocorrência de fogo”, afirma Tamiel Khan Baiocchi, doutor em ecologia.

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE, 2021) mostram que a média de focos registrados para o mês de setembro no Distrito Federal é de 60. Este início de mês, porém, já contou com um total de 83 focos registros. “Portanto é de se esperar que esse número aumente ainda mais”, admite a bióloga e professor da Universidade de Brasília (UnB) Maria Cristina de Oliveira. A profissional ressalta ainda que, devido às mudanças climáticas em curso, com alterações no regime de chuvas e temperatura, esses eventos poderão ser ainda mais frequentes e intensos, principalmente nessa época seca.

De acordo com o CBMDF, o Distrito Federal teve mais de 9 mil hectares de áreas atingidas por incêndios florestais entre 1º de janeiro e 2 de setembro de 2021. “Não considero normal, mas é um acontecimento comum e frequente, pois o normal seria o fogo natural, causado, principalmente, por raios, que é apagado devido às chuvas subsequentes”, avalia Tamiel.

Foto: Agência Brasília

Conforme esclarece o professor da Universidade de Brasília, a ocorrência desse fogo natural do bioma acontecem, normalmente, entre os meses de setembro e maio. “Principalmente devido a grande incidência de raios, a principal fonte de combustão natural no bioma”, explica. “O aumento da frequência de fogos no DF, nesta época do ano, é, principalmente, devido ao uso do fogo por seres humanos, seja para queimada, para “limpar áreas” ou para dar “destinação” ao lixo”, completa o especialista.

O Cerrado, conforme pontua o professor, é considerado um pirobioma, ou seja, o fator fogo natural faz parte da formação histórico-evolutiva do bioma, sendo determinante para a formação dos seus ecossistemas. No entanto, atualmente, tais registros são considerados uma perturbação, devido à época e frequência das ocorrências. “É fogo provocado por atividades humanas. Que encontra uma umidade baixa do ar, com acúmulo de material com baixa umidade. Aí, a ocorrência do fogo é certa, e a propagação para áreas “não alvo” é facilitada pela ocorrência de fortes ventos, característicos desta época no Cerrado”, afirma.

Esta semana, na segunda-feira, 20 militares e 20 brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) atuaram para apagar as chamas que se espalharam por 10 hectares da reserva da Estação Ecológica Águas Emendadas, em Planaltina. Junto com Sobradinho, a Região Administrativa é a que apresenta os maiores números de queimadas. Devido aos baixos valores da umidade relativa do ar na capital (que chegou a 11% na terça-feira), o Inmet emitiu, neste mesmo dia, um alerta de grande perigo de incêndios florestais e à saúde, como doenças pulmonares e dores de cabeça. De acordo com a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), o índice mínimo de umidade deve ficar em 30%.

Alto Paraíso de Goiás (GO) – Voluntários e brigadistas combatem fogo em Chapada dos Veadeiros (Rogerio Verçoza/TV Brasil)

Em todo o país, as regiões que contemplam o Cerrado, até 22 de agosto de 2021, registraram 27.001 focos de incêndio. Em 2020, até o dia 31 deste mesmo mês, foram 24.205, resultando em um aumento de 11,55%, de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). Esse ecossistema, segundo Tamiel Khan, é caracterizado por ter estacionalidade hídrica, ou seja, há duas estações bem definidas: uma fria e seca e uma quente e úmida. “Mais que 95% da precipitação pluviométrica anual ocorre entre outubro e março, nos demais meses, há baixíssima ocorrência de chuvas, que reflete em baixa umidade relativa do ar”, informa. Tal característica, desta forma, facilita o acúmulo de material vegetal com baixa umidade em fitofisionomias mais “abertas”. “Onde há coexistência de vegetação herbácea (mato) e lenhosa (árvores”), fornecendo ótimo combustível”, completou o doutor em ecologia.

Impactos

O cenário, por sua vez, é um problema não só para a saúde da população mas também para o meio ambiente como um todo. A ocorrência frequente de fogo com alta intensidade, altera as relações entre as comunidades de seres vivos, o que muda a composição e estrutura de comunidades vegetais e animais. Dentre os diversos efeitos negativos, o professor cita o favorecimento do banco de sementes de espécies herbáceas (gramíneas), que pode antecipar eventos de floração e frutificação, e, geralmente, tem impactos negativos na produção de flores e frutos viáveis. O selamento superficial do solo, que impede a infiltração hídrica e influencia no ciclo hidrológico, e a morte da fauna. “Além de ser fonte de gases estufa (vapor d’água, gases carbônicos e nitrogenados) e contribuírem para o estabelecimento de espécies invasoras”, acrescenta.

Cenário é evitável

Conforme acredita Tamiel, as frequentes ocorrências de fogo não só poderiam, como ainda podem ser evitadas. A ferramenta para isso, contudo, é a educação e a informação acerca do manejo do fogo. “É necessário orientar e educar a população urbana e rural. Evitando o uso deste para limpeza de áreas e para ‘destinar’ o lixo doméstico urbano e rural”, defende.

No caso de uso, o que ele é enfático ao dizer que não recomenda, este deve ser monitorado para não escapar para áreas vizinhas. “Normalmente, a pessoa coloca fogo e vai embora, deixando o fogo evoluir sem monitoramento”, pontua o especialista. “O melhor é não utilizar fogo para manejo, de forma alguma, nesta época. Outro fator interessante, é a construção de aceiros nas propriedades e unidades de conservação para evitar que o fogo ‘pule’ de uma área para outra”, finaliza.

É justamente na gestão das áreas de focos mais comuns que atua o ICMBio. Como expõe o coordenador de Prevenção e Combate a Incêndios, João Paulo Morita, todos os brigadistas estão, no momento, voltados única e exclusivamente para o trabalho com as queimadas. “Nossos brigadistas ficam nos locais mais críticos, com históricos mais comuns, e eles trabalham na manutenção de equipamentos, na confecção de aceiros para impedir a propagação do fogo, na execução de queimas prescritas para manejar o combustível, e essas ações são feitas anteriormente à época crítica dos eventos”, garante.

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