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Brasília

Ela já teve que esconder a surdez para estudar. Hoje coloca os cabelos sobre o ouvido para evitar preconceitos

Aos quatro anos, Daniela Francescutti foi diagnosticada com perda neurossensorial profunda bilateral progressiva

Redação Jornal de Brasília

27/04/2023 16h37

Foto: Arquivo pessoal

Danyelle Carvalho
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB

“As escolas não queriam me aceitar por conta da minha surdez. Olha que eu tinha a orientação médica e fonoaudiológica de que estava apta em continuar os estudos em escolas regulares.” Esse relato é da arquivista Daniela Francescutti Martins Hott, que, aos seis anos, para estudar teve que esconder sua deficiência. Hoje ela tem 53 anos de idade.

Quando ela tinha 2 anos, o pai foi fazer doutorado e mestrado em uma universidade dos Estados Unidos, por conta da oportunidade eles se mudaram para fora do país.

Aos quatro anos, uma descoberta deixou sua família sensibilizada. Daniela Francescutti foi diagnosticada com perda neurossensorial profunda bilateral progressiva.

“Foi um choque, meus pais estavam sozinhos em um país estrangeiro e meu irmão estava a caminho, era tudo novidade pois eu fui o primeiro caso. Creio que, por ter professores na família, facilitou muito a minha interação social”.

Em 1976, a família Francescutti retornou para o Brasil. Daniela Francescutti estava com 6 anos de idade na época, e, como toda criança, ela precisava frequentar a escola.

Ao tentar se matricular na escola pública regular, não permitiram que fosse feita por conta da sua deficiência. O meio que Daniela encontrou de frequentar a escola regular foi ocultar sobre sua deficiência.

“Para garantir minha matrícula, o jeito foi esconder os aparelhos auditivos. Eu escondi a vida toda com cabelo, não tive dificuldades em esconder. Muitos colegas meus só vieram saber que sou surda agora ”.

Ela comenta com humor que seus colegas a conheciam como a gringa da escola, por ser ruiva e ter sotaque. “Como sou ruiva, branquela e com sotaque, facilmente passei a ser conhecida como a gringa da escola”.

Para conseguir acompanhar sua turma, ela teve que criar mecanismos; sentava ao lado dos colegas para copiar de seus cadernos e pedia para os professores ficarem em sua frente para compreender melhor. “Aos meus professores pedia que ficassem de frente para mim e sempre sentei do lado de algum colega nerd que copiava tudo que o professor falava até o espirro”.

Libras

A língua brasileira de sinais é a comunicação usada e direcionada para pessoas surdas. Os deficientes auditivos se comunicam com os olhos através dos sinais.

Para Bia Cruz, deficiente auditiva oralizada e estudante de cinema da Universidade de Brasília (UnB), a libras é limitada pela falta de acessibilidade. “Tem pessoas surdas que precisam de Libras, outras de legendas, e raramente os dois recursos estão disponíveis.”

Ela observou que raramente tem libras ou legendas descritivas nos canais de televisão, e quando tem são em horários específicos. “Isso interfere na visão de mundo da comunidade surda, ela só pode participar daquilo que tem acesso”, critica.

Contrapondo, Daniela Francescutti teve contato pela primeira vez com a Libras somente em 2015, para ela Libras é como outro idioma. “Para mim é só mais uma língua de tantas que aprendi nesses últimos 50 anos”. Ela complementa dizendo que não se identifica com a libras mas que é favorável à oralização e ao uso de tecnologias auditivas.

“Eu realmente não me identifico com Libras, mas as uso para me comunicar com os surdoatletas sinalizantes. Sou super favorável a oralização e ao uso de tecnologias auditivas e convivência com os ouvintes, pois nossa sociedade é muito maior que uma comunidade”.

Daniela, optou pela oralização mas em sua opinião cada um faz a escolha que achar mais confortável. Ela defende que o principal é o direito de ser alfabetizado na Língua Portuguesa.

“ O ser alfabetizado, saber ler, escrever, compreender, interpretar e contextualizar o texto escrito faz muita diferença a todas pessoas sejam elas surdas ou não. A alfabetização abre portas para todos”.

Mudanças

Estudante de cinema, Bia Cruz vê que os ambientes culturais tem muito foco no lucro e não na empatia humana. Ela estima que a solução para isso é introduzir mais pessoas PCD’s no mercado de trabalho, principalmente em ambientes culturais.

“Eu sempre digo que o primeiro passo para incluir pessoas com deficiência em um ambiente, é contratar pessoas com deficiência. Elas vão saber estratégias e maneiras de ter mais pessoas como ela naquele espaço”.
Além disso, a inclusão da língua brasileira de sinais no currículo escolar seria muito importante, veriam a diferença nas crianças e quando se tornassem adultos não teriam dificuldade em se comunicar com deficientes auditivos.

“Tem várias pesquisas sobre um futuro ensino bilíngue em que crianças ouvintes e surdas aprendem Libras e português junto. Acho que talvez essa seria uma boa solução para crianças que já crescerem com essa percepção de incluir não só na escola, mas quando se tornarem profissionais e tiverem algum cliente, funcionário, colega ou chefe surdo”.

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