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Brasília

Até quando?: Casos de feminicídio continuam crescendo no DF

Em menos de 6 meses, DF já registrou mais casos de feminicídio que todo o ano de 2022. Especialistas e ativistas defendem que faltam investimentos em políticas públicas

Mayra Dias

03/07/2023 18h20

Atualizada 04/07/2023 8h58

Foto: Reprodução

“Infelizmente, ainda vivemos em uma sociedade extremamente patriarcal e que reforça certos estigmas em relação às mulheres”, afirma a advogada Giovanna Ghersel, do escritório QVQR Advocacia. Somente neste ano, o Distrito Federal já soma 20 casos de feminicídio, ultrapassando o total registrado em 2022. Tais números aumentam a sensação de medo e insegurança entre a população feminina e reforça a ideia de que algo precisa, urgentemente, ser feito.

Neste ano, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP/DF), em menos de seis meses, 20 mulheres foram assassinadas por questões de gênero. Somente nesta semana, duas mulheres perderam a vida, vítimas de feminicídio, na capital do país. Diante desse cenário, especialistas e ativistas contra o feminicídio concordam ao defender que faltam investimentos em políticas públicas no DF, bem como diálogo do governo com movimentos sociais.

De acordo com a advogada Giovanna Ghersel, o Distrito Federal, se comparado com as outras entidades federativas do país, têm delegacias especializadas em violência doméstica e profissionais qualificados para lidar com a demanda. Ela pontua que a Lei Maria da Penha (lei nº 11.340/2006) é uma das normas mais avançadas do mundo sobre o tema, conforme a Organização das Nações Unidas (ONU). Assim, “o maior problema não é falta de legislação, mas conseguir que a lei seja aplicada de forma eficaz”. Um dado que chama atenção, além dos crimes concretizados, são as tentativas de feminicídios. No DF, em todo ano passado, foram 52 ocorrências, e até maio deste ano foram registradas 32 ocorrências. Os dados fazem parte do Painel de Feminicídios da SSP, que ainda aponta as regiões administrativas como Ceilândia, Taguatinga e Planaltina como os principais locais das ocorrências e das tentativas.

Na opinião da advogada, tais números podem ser ainda maiores, haja vista a possibilidade de subnotificação. “Vemos que, infelizmente, ainda há subnotificação de casos de violência doméstica, que podem evoluir para casos de feminicídio. Além disso, crimes como lesão corporal leve ou ameaça não possuem uma pena alta, então são fáceis de prescrever se houver demora no Judiciário”, explica a especialista. Por isso, Giovanna ressalta que tanto a morosidade do Judiciário, quanto a falta de políticas públicas eficientes para conscientização da população e para auxiliar a profissionalização das mulheres, são fatores que impedem que as mulheres sejam efetivamente protegidas no Brasil.

Na avaliação de Clara Wardi, assessora técnica do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), essa “onda de feminicídios” que está acontecendo na capital é decorrente da falta de construção de políticas públicas com base em certos marcadores sociais. “O que acontece é que as políticas de combate à violência contra as mulheres, muitas vezes, não são feitas com base em evidências, não têm um histórico de construção de dados sobre o feminicídio no DF, e nem ações transversais de combate à violência que considerem gênero e raça”, destacou a ativista. “Vale dizer que os feminicídios têm uma concentração muito grande por raça, a maioria de mulheres que morrem são negras e de periferias”, acrescentou Clara.

A assessora relembrou ainda que, há cerca de dois anos atrás, o DF já havia realizado uma pesquisa acerca do tema. “O DF já puxou uma CPI sobre o feminicídio. Esse, portanto, não é um problema novo. Nele foram pontuados uma série de indicativos, ações ao poder público, para combater esses crimes”, ponderou. Na opinião de Clara, outro fator que contribuiu com esse aumento recente no número de casos desse tipo de crime, foi o enfraquecimento das políticas de combate à violência contra a mulher no último governo. “Até o disque denúncia sofreu abalos, bem como a casa da mulher brasileira. Foi um período de abandono das políticas de combate, principalmente na questão orçamentária”, acredita.

Desde 2015, quando foi sancionada a Lei do Feminicídio, até 2023, o Distrito Federal soma 165 ocorrências do crime. Ainda de acordo com a advogada Giovanna Ghersel, não existe solução fácil para a violência de gênero, principalmente diante do cenário patriarcal em que ainda vive-se. “É preciso haver não apenas uma maior conscientização da população, mas buscar formas de se aplicar a lei de forma eficiente, aumentando a comunicação entre os órgãos policiais e o Judiciário, ou aumentando o número de delegacias e de servidores para o acolhimento das vítimas”, assinala.

Mais políticas públicas

Para Clara, se tratando do DF, não se pode pensar apenas em medidas punitivistas. “Muitas vezes quando vamos ver o que está sendo tratado no Congresso ou nas Assembleias Legislativas, vemos políticas voltadas à punição dos agressores, o que acaba abandonando a questão de acolhimento à vítima”, ressalta. “Um dos diagnósticos da CPI, inclusive, foi a dificuldade de acesso à serviços especializados por parte das vítimas desse tipo de crime. Esse é um indicativo de que precisamos fortalecer esses serviços especializados”, concluiu, destacando ainda que, para além disso, é preciso construir políticas e ações em direção à prevenção e conscientização sobre os efeitos do racismo e do machismo na sociedade.

Tais ações, na avaliação de Clara, podem ser postas em prática dentro das escolas e de instituições de trabalho, sejam elas públicas ou privadas. “É importante também prestar atenção no fortalecimento dos serviços de denuncia e nas políticas que dão assistência à vítima depois da denúncia”, ponderou, relembrando que, muitas vezes, as vítimas são dependentes economicamente de seus maridos, e quando há separação, o impacto na renda familiar é grande. “É necessário haver políticas que possam permitir, economicamente, que essa mulher, que se encontra em vulnerabilidade social, possa fazer a denúncia e continuar sobrevivendo e cuidando de seus filhos”, acrescentou.

Se tratando de violência, o art. 22 da Lei Maria da Penha enumera que as medidas protetivas existentes são: suspensão da posse ou restrição do porte de armas; afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; proibição de determinadas condutas, entre as quais a aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas e proibição de contato com a ofendida e de frequentar determinados lugares. A jurista Giovanna Ghersel pontua, contudo, que mais medidas deveriam andar juntas para proteção dessas vítimas. “O desrespeito às medidas protetivas é crime e pode ensejar a imediata prisão do agressor, sendo que a própria lei determina que para assegurar a eficácia das medidas, o juiz pode se utilizar de auxílio da força policial. O certo seria uniformizar os entendimentos em relação a esses descumprimentos e pensar em políticas públicas como aumento de abrigos para as vítimas”, destaca.

Governo do DF

Ao ser questionada sobre as políticas públicas de enfrentamento ao feminicídio no DF, a Secretaria da Mulher destacou os programas de enfrentamento, assistência e empreendedorismo feminino. “Ao trazer ao debate público a pauta da violência de gênero, levamos o enfrentamento a todas as esferas da sociedade e discutimos soluções para o combate à violência” afirmou a nota destacando os serviços de atendimento às mulheres vítimas de violência, auxílio jurídico e psicológico”.

A pasta também informou que, ao longo desta gestão, foram adotados programas e projetos visando garantir o enfrentamento à violência, a autonomia econômica e o acesso à saúde integral das mulheres. Dentre elas estão políticas de empreendedorismo feminino desenvolvidas como a articulação Rede Sou + Mulher, o programa Realize e a ação Mulher no Campo.

A SSP, por sua vez, destacou o serviço de proteção à mulher da pasta a partir de um programa de monitoramento de vítimas e agressores, oferecido a partir de medidas protetivas. Segundo eles, em caso de violação, o agressor é imediatamente advertido e as viaturas da área são acionadas prevenindo qualquer ameaça, “independente de acionamento por parte da vítima”, afirmou, em nota.

A secretaria citou também o Programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar e a existência das duas delegacias especiais de atendimento à mulher (Deam), na Asa Sul e Ceilândia. Essas delegacias possibilitam que as vítimas registrem boletim de ocorrência por meio da Maria da Penha Online, além de representar contra o autor da violência, enviar provas com fotos e vídeos, requerer a acolhida, entre outros.

Canais de denúncias

  • Disque 100
  • 197 (opção 0)
  • 190
  • WhatsApp (61) 9.8626-1197
  • Denúncia on-line: https://is.gd/obhveF e [email protected]

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