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Brasília

A bruxa além dos contos de fadas

Mostra em homenagem ao mês da mulher desconstrói imagem cinematográfica das bruxas criada ao longo da história

Mayra Dias

08/03/2022 6h00

Seja nos contos de fada ou como símbolo do movimento de afirmação feminina, a imagem da bruxa sempre desperta curiosidade, seja pela sua complexidade ou pela carga mística que carrega. É justamente pelo poder em atiçar tal interesse, que o inspirou a criação da mostra “Mulheres Mágicas – Reinvenções da bruxa no cinema”, que irá se aprofundar na figura que, ao longo dos anos, foi concebida por diferentes realizadores cinematográficos. “Essa mulher é, quase sempre, retratada de uma forma equivocada. Eu acho que hoje estamos em um momento em que devemos nos permitir uma reinvenção das formas e critérios fechados tematicamente”, declara a curadora e pesquisadora Carla Italiano.

Serão exibidos, entre os dias 9 e 20 de março, 25 filmes (13 longas e 12 curtas- metragens) de vários países e gêneros. O destaque, como explica Carla e Tati Mitre, coordenadora do evento, dá destaque para obras de realizadoras mulheres, e acontecerá no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília, através de 23 sessões. “Essa mostra surge como um ponto de partida para entender essa imagem. É uma investigação a respeito não apenas de como ela é retratada, mas também das linguagens e políticas que a sustentam”, argumenta a responsável. Para aprofundar tal reflexão, será realizado, ainda, um ciclo de debates online com convidados(as) nacionais, internacionais e uma masterclass com a célebre feminista italiana Silvia Federici.

Uma visão feminista

A escolha do mês de março, desta forma, não foi feita de forma aleatória. No mês da mulher, as organizadoras da mostra encontraram um terreno propício para debater a questão que, como a própria pesquisadora diz, chega em um momento de urgência na história. “Não só brasileiro como mundial. Estão cada vez mais acirrados os questionamentos acerca do lugar e do papel da mulher, assim como as posições de autoria que elas ocupam como autoras e diretoras no cinema”, argumentam. Ao longo desses 11 dias de programação, serão exibidos filmes de várias épocas, gêneros (ficção, documentário, experimental e performance) e de muitos países, como Islândia, Nigéria, Dinamarca, República Tcheca, Síria, Zâmbia, França, Itália, EUA e América Latina.

Os títulos, como elas explicam, serão agrupados em dois eixos temáticos. De um lado, os principais estereótipos que formam o arquétipo da bruxa no cinema, contendo obras clássicas de mestres do cinema e, do outro, os contrapontos de reinvenção dessa figura por cineastas mulheres e perspectivas não ocidentais, apresentando uma visão “decolonial”, que pensa as intersecções de gênero, raça e classe social que incidem sobre essas representações. “Temos que pensar que essas mulheres, bruxas, vão muito além de um simples arquétipo infantil e moralista. Essas senhoras malvadas de narizes pontudos, ou as mais jovens que transbordam sensualidade”, enfatiza a curadora. “São aquelas mulheres anciãs, detentoras do poder de cura, que não aceitaram a submissão do patriarcalismo, que tem autonomia com seus corpos e afetos”, completou Carla.

Partindo do livro “Calibã e a bruxa”, da pensadora Silvia Federici, a mostra investiga como esses diferentes corpos e heranças femininas foram elaborados pelo cinema. “É super importante trazer esse questionamento, pois significa lidar com uma nova perspectiva feminista. Esse livro vem como inspiração, pois apresenta uma leitura instigante e diferente do que foi a caça às bruxas medieval, como um processo de domesticação dos corpos”, defende. Personagem popular, que integra o imaginário humano, a bruxa é vista, nesse evento, em toda sua multiplicidade, nem positiva nem negativa, mas como uma potente via de investigação sobre as representações dos corpos e saberes femininos em imagem.

Conforme esclarece a responsável, a proposta da amostra segue diferentes vertentes. “Um deles é questionar justamente o fato da mulher bruxa ter sido abordada de uma forma muito iconográfica todos esses anos. A bruxa má. A bruxa dos contos de fadas”, pontua. “Ao mesmo tempo a gente traz um contraponto, pois são filmes que retratam essa mulher de uma forma mais cuidadosa e até mais realista”, acrescentou.

A curadoria também se divide em dois eixos. O primeiro, de acordo com a dupla, irá revisitar a iconografia clássica das bruxas no cinema ocidental, os contos de fadas, as releituras históricas da caça às bruxas medieval, as mulheres monstruosas do cinema de horror e a hiper sensualidade. Este eixo contará com filmes como “O Mágico de Oz” (1939), e produções de diretores renomados como o dinamarquês Carl Theodor Dreyer, o italiano Dario Argento e o estadunidense George A. Romero. “A gente gostaria muito de aproximar telespectadores e campos de estudos holísticos, como cinema, literatura, entre outros. Queremos que a mostra alcance o máximo de público possível, não somente mulheres, mas também que os homens se interessem e tenham curiosidade em perceber tudo que queremos trazer”, convoca Carla Italiano.

O segundo eixo irá apresentar contrapontos de reinvenção dessa personagem, com destaque para uma perspectiva abrangente, rompendo com a visão colonialista. Deste segmento fazem parte os contos de “bruxas”, em releituras dos contos de fada tradicionais, as mulheres que se autodeclaram feiticeiras contemporâneas, e obras marcadas por sensibilidades negras afrodiaspóricas ou que trazem saberes de tradição indígena. Aqui, estão produções assinadas por grandes diretoras do cinema mundial como a ucraniana Maya Deren, as estadunidenses Julie Dash e Kasi Lemmons, a francesa Camille Ducellier e a diretora do Zâmbia Rungano Nyoni. “Desejamos incentivar um pensamento crítico, desmistificando o preconceito histórico e difundindo ideias de mundo de viés anti racista e anti misógino”, avalia Italiano.

Atividades online

Para tornar ainda mais ampla a reflexão sobre o tema, as exibições presenciais serão acrescidas de uma programação on-line, totalmente gratuita, com debates temáticos. Elas irão reunir convidados de relevância nacional, no canal YouTube da mostra, e disponibilização de títulos para visualização on-line no site da mostra. O ciclo completo de atividades on-line terá oito debates, entre março e abril de 2022, além de dois eventos internacionais: a Masterclass on-line com a escritora ítalo-americana Silvia Federici, em abril de 2022, e a Conferência com a pesquisadora portuguesa Teresa Castro, em março de 2022.

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