Menu
Quinto Ato
Quinto Ato

Toda poderosa, a música

Dos palcos aos corações, a música é a expressão mais genuína da alma que nos une em um fluxo atemporal de emoções e vivências.

Theófilo Silva

22/02/2024 8h30

Atualizada 21/02/2024 16h21

Sedate double exposure profile of happy beautiful girl enjoying music in headphone concept with cityscape graphic design with dusk or dawn sunlight in horizon. Music lover lifestyle by Generative AI.

“Verbis defectis musica incipit”: “A música nos leva onde as palavras não podem”. Confesso que essa sentença provocou em mim um profundo impacto, levando-me a uma torrente de reflexões que jorram já há alguns dias e não me deixam parar de pensar nela. Não sei exatamente de quando é o ditado nem quem é o autor, mas o certo é que se trata de uma sentença seminal, de extrema sabedoria, que diz tudo sobre o poder avassalador da música sobre a existência humana. Quando se diz que “a música nos leva…”, que nos transporta para dimensões que as palavras não podem descrever, que é apenas sentir, sonhar, viajar na imaginação, temos de aceitar, e é assim que que é, e dizer que ela tem o poder de nos colocar numa espécie de círculo mágico, de encantamento.

A música carece de uma definição, já que seu caráter é efêmero, quase único, e pleiteia uma harmonia e comunhão do homem com a natureza, o cosmo, com Deus! Portanto, seu caráter é sublime. Também, até aí nenhuma novidade. Cantamos quando estamos felizes. Na tristeza, a música nos consola “ou embala a nossa dor”, como diz o Bardo. Uma boa notícia é sempre recebida e comemorada com um cantarolar, um tra lá, lá, uma esticada até um bar, ou outro lugar para brindarmos ouvindo uma bela música. Cantar é estar de bem com a vida. Todas as civilizações, culturas, das mais selvagens às sofisticadas, produzem algum tipo de música. E sua criação e audição são sempre um ponto alto dessas sociedades.

Aqueles que cantam e tocam – com excelência – parecem ter recebido uma espécie de toque divino, são iluminados, tratados como deuses, objeto de cultos. Chamados de estrelas, tornam-se ídolos de pessoas de todas as idades, etnias e crenças. As mulheres viram divas. Eis aí o fenômeno Taylor Swift para provar isso. Ninguém é mais festejado, incensado, endeusado que uma pessoa que canta e cuja voz atinge um alto nível de excelência.

As fotos e imagens desses “deuses” ganham lugar de destaque nos murais e quartos de seus fãs, ou até viram estátuas em jardins de suas casas, e seguem admirados por uma vida inteira. E essas pessoas, esses artistas, reúnem mil, dez mil, e mesmo centenas de milhares de pessoas para vê-las cantar e tocar. Os espaços, praças, estádios e arenas se transformam em lugares de celebração em que multidões cantam em comunhão liberando uma energia que ecoa por todo o mundo por intermédio dos veículos de comunicação, podendo atingir bilhões de pessoas. Apenas atores e atrizes – também chamados de astros e que vivem num ambiente permeado por música – ou jogadores de futebol – que não têm, nem de longe, a harmonia provocada pelos sons da doce música -, gozam do mesmo prestígio. Lembrando que todo clube esportivo tem seu hino e sua banda de música.

A quantidade de gêneros musicais é quase infinita. Vai desde uma batida de tambor, um mero apito, passando pelo silêncio absoluto, o som da guitarra elétrica, a tristeza de um violino, a elegância de um piano, ao arrebatamento de um saxofone, à força de uma ópera, à voz de uma diva, de um barítono ou de um tenor italiano. Da sofisticação da Ópera de Paris ou dos teatros de Viena, dos estádios e arenas, até a mais humilde aldeia africana, a música está presente para sacudir, elevar nossa existência.

Friedrich Nietzsche diz que “Sem música a vida seria um erro”. Seria mesmo! Em uma outra sentença, ele faz uma brilhante observação sobre o poder de encantamento das canções: “Aqueles que dançavam foram tidos como loucos por aqueles que não conseguiam ouvir a música”. Sim, é dessa forma que podemos enxergar de longe o poder que a melodia exerce sobre as pessoas. Quando dançam, é como se elas estivessem sob o poder de uma força misteriosa. Quando cantam, celebram a vida!

Arte alguma tem a liberdade da música. Pessoas se espantam com crianças virtuosas – mas não deveriam fazê-lo – que, aos cinco, seis anos de idade, tocam piano como um músico adulto, ou cantam como Maria Callas. Temos de lembrar que Mozart compôs seu primeiro Minueto quando tinha três anos e seis meses. Como música é matemática, espaço e tempo, isso é totalmente possível. O mesmo não acontece com outras formas de arte. Criança alguma é capaz de escrever um belo texto aos quatro anos de idade. Simplesmente, porque, para escrever, ela precisa conhecer o alfabeto, consoantes e vogais. A música é capaz de existir graças a sua capacidade de evocar emoções e expressar ideias sem depender de formas visuais ou narrativas prévias.

Cada indivíduo tem seu gênero musical preferido, independentemente da época, embora as músicas que ouvimos durante nossas primeiras duas décadas tenham um impacto duradouro. As melodias que moldaram nossa juventude permanecem conosco ao longo da vida, evocando uma nostalgia palpável sempre que as revisitamos. Cada canção nos transporta de volta aos momentos vividos, sejam eles de dor, alegria ou êxtase, deixando-nos imersos em lembranças vívidas.

Minha juventude foi profundamente influenciada pelo surgimento do Rock and Roll, um gênero que tem dominado o ocidente e partes do oriente desde os anos sessenta até os dias atuais. O norte-americano Elvis Presley e os ingleses The Beatles tornaram-se ícones que cativaram o mundo, impulsionando uma onda de seguidores apaixonados, graças à nova tecnologia de gravação e ao poder massivo da televisão. Enquanto alguns consideram o Pop Rock um empobrecimento da música, para outros, apenas o Rock’n Roll é digno de nota. Para os entusiastas do rock, qualquer outro gênero é simplesmente música antiquada.

Olhando para trás, afirmo que a melhor música já criada foi aquela produzida na Europa nos séculos XVIII e XIX. Não consigo encontrar uma expressão musical que capte a alma humana com tanta profundidade quanto as composições de Bach, Mozart, Verdi, Beethoven, Mendelssohn e outros mestres clássicos. Suas sonatas, sinfonias e óperas nos transportam para um mundo distante do caos moderno. Quando um crítico declarou que “Deus criou o mundo para que Beethoven pudesse compor a Nona Sinfonia”, parece que ele não estava exagerando. Risos… Toda vez que ouço a Nona, sinto-me transportado para outro plano, embora não saiba dizer qual.

Ao mesmo tempo que exalto a música, também reconheço a necessidade de criticar aquela desprovida de qualidade e harmonia. Uma voz desagradável ou uma nota dissonante podem ferir os ouvidos mais sensíveis. Infelizmente, muitos acreditam erroneamente que podem tocar e cantar bem, alimentando o desejo de serem lembrados eternamente. Devemos perdoar aqueles que, desajeitadamente, seguram um violão e o dedilham enquanto entoam músicas, pensando estar agradando, assim como aqueles que formam bandas, adotam nomes estranhos e convidam amigos e familiares para ouvi-los. Deus os perdoa, e nós também! Compreendo o sofrimento deles!

Como disse Shakespeare em uma de suas obras, pela boca do rei Ricardo II, a doce música se torna desagradável quando os tempos não são bem contados e o compasso não é observado. O mesmo acontece na música da vida humana: ela exige compasso! Os astros da música, embora brilhantes como estrelas, muitas vezes encontram um fim trágico, como personagens de uma tragédia grega, levando consigo o fogo de Prometeu. Mas isso é tema para outro ensaio. Por enquanto, fiquemos com estas palavras que, embora não possuam o mesmo impacto de uma bela canção, servem para expressar seu caráter sublime.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado