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Quinto Ato
Quinto Ato

Nos tempos de Vitória

Theófilo Silva

14/12/2023 5h00

Atualizada 13/12/2023 16h17

Foto: Christopher Furlong/Getty Images

Durante o século XIX, proliferou na Inglaterra um modelo de grupo de homens, chamados de “gentlemans”, cavalheiros, reunidos em associações chamadas de clube, cujo objetivo era discutir um tema de interesse comum a todos: música, literatura, caçadas, cavalgadas, charutos e outros… era uma forma sofisticada de interagir socialmente. Um homem era conhecido, entre outras coisas, pelo clube ao qual pertencia: o Pall Mall, do Garrick, Author’s Club.

Esses clubes viriam a servir de modelo para futuras agremiações que iriam se multiplicar pelo mundo, não necessariamente com o mesmo objetivo.

Esses grupos, na verdade, nasceram bem antes. Surgiram junto com os teatros na chamada Era Elisabetana, o governo da rainha Elizabeth I, na segunda metade do século XVI, período em que brilhou o gênio de Shakespeare. Mas não se consolidaram em virtude da proibição pelos puritanos de Oliver Cromwell, em 1653, sendo fechados junto com os teatros. Em 1689, as coisas voltaram ao normal, e em 1750, os apaixonados por cavalos – todos os ingleses são loucos por cavalos – criaram o primeiro Jockey Club. Era em Pall Mall, uma Rua em Westminster, Londres, no início do século XIX, que os clubes se localizavam e se multiplicavam. Em 1880, existiam na Inglaterra mais de 400 desses clubes, onde se discutia de tudo, inclusive política. Como os clubes eram de homens da classe alta, os operários se uniram e criaram seus clubes também, mas, de outra natureza: os clubes esportivos. É quando se consolida a prática de esportes na Inglaterra, sendo o principal deles o futebol.

Em 1857, surge o primeiro clube de futebol, o Sheffield – Pelé foi convidado de honra nos 150 anos do time em 2007. A presença inglesa em todos os continentes, principalmente na construção de ferrovias, permitiu que os clubes chegassem a outros países. Não foi por acaso, que um filho de ingleses, Charles Miller, introduziu o futebol no Brasil. Isso ocorreu em 1884.

No início do século XX, nasce nos Estados Unidos mais um modelo de associação, o Rotary Club e o Lions Club, de conteúdo benemérito. Em 1908, Machado de Assis criou a Academia Brasileira de Letras – não necessariamente composta por escritores – seguindo o modelo da Academia Francesa. Em seguida cada estado brasileiro constituiu sua própria academia. Logo surgem as associações de profissionais: médicos, engenheiros, advogados, arquitetos e outras. Clubes de veteranos de campanhas militares, pilotos de avião, paraquedistas, associações de automobilismo, ciclistas, natação. O mundo vira um imenso clube.

A época dos clubes passou. Ficaram apenas os clubes sociais, cada vez menos frequentados, e os clubes esportivos. Hoje, as redes sociais na internet, a comunicação virtual são os clubes da Rua Pall Mall da modernidade. Com a diferença de que, em Pall Mall, as pessoas se encontravam, se abraçavam e conversavam. Hoje, tudo ocorre à distância, na solidão de um quarto em frente a um computador, aparelho celular – e a milhares de quilômetros um do outro. A maioria não se conhece pessoalmente.

Por isso resolvi contar a história do nascimento dos clubes. É curioso que, quando as pessoas não dispunham de meios rápidos de locomoção, elas se deslocavam para encontrarem-se umas com as outras, e agora que dispõem de veículos velocíssimos para se locomover, elas preferem comunicar-se a distância. Essa mania de clubes nasceu numa era de grande conservadorismo, estigmatizada, chamada de Vitoriana, por causa de Vitória, rainha da Inglaterra durante 63 anos, morta em 1901.

Que inveja dos vitorianos!

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