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Quinto Ato
Quinto Ato

George Orwell e os hackers

Quase todos que participam ou circulam pelos bastidores do podere ocupam cargos de importância têm seus telefones grampeados e suas vidas mapeadas, não pelo Estado, mas por sujeitos apelidados de ‘arapongas’, que vivem no submundo trabalhando para grupos, disfarçados de jornalistas, policiais e outras profissões

Theófilo Silva

10/08/2023 5h00

Atualizada 17/08/2023 11h45

Falar do livro ‘1984’, de George Orwell, escrito em 1949, o famoso libelo em favor da liberdade, e dizer alguma novidade, é algo quase impossível, tal a quantidade de análises que já foram escritas sobre essa pequena obra-prima. No entanto, como os clássicos são sempre atuais, precisamos revisitá-los.

Vivendo na época do terror de regimes totalitários como fascismo, comunismo, e nazismo, com suas estrelas sombrias, Stálin, Mussolini e Hitler, Orwell previu em seu livro que, no ano de 1984, viveríamos num mundo controlado por um ditador, o Grande Irmão, em que tudo seria vigiado por câmeras, e o Estado controlaria tudo, até mesmo o pensamento. Orwell errou suas previsões em alguns anos. Mas também errou ao dizer que a prática ocorreria nas ditaduras: na verdade está ocorrendo também nas democracias.

O cidadão comum não sabe o que se passa nos bastidores do poder, seja em âmbito privado, seja na esfera pública. A prática de que estou falando é mundial, mas vou deter-me em analisar apenas o que acontece em nosso país hoje. Talvez a sociedade até suspeite, haja vista o enorme poder que os chamados aparelhos celulares detêm, com suas múltiplas capacidades: câmeras, gravadores, transmissores…

Quero dizer que tudo o que importa no mundo está sob vigilância. Quase todos que participam ou circulam pelos bastidores do podere ocupam cargos de importância têm seus telefones grampeados e suas vidas mapeadas, não pelo Estado, mas por sujeitos apelidados de ‘arapongas’, que vivem no submundo trabalhando para grupos, disfarçados de jornalistas, policiais e outras profissões.

Trata-se de uma prática criminosa, com um poder de destruição das estruturas do alardeado Estado Democrático de Direito, maior do que podemos imaginar. Os bandidos estão infiltrados em todas as instituições da sociedade organizada, em várias nações, gravando telefonemas, filmando reuniões, controlando encontros, enfim… quebrando o que a democracia tem de mais sagrado, que é o direito à privacidade. O material colhido é usado para intimidar e achacar os atingidos. Quando não atendidos em seus pleitos, os meliantes vendem ou distribuem as informações – muitas vezes distorcidas, alteradas, falsificadas – para blogs, redes sociais e veículos de comunicação.

Vigiar pessoas não é coisa nova. Meu mestre Shakespeare fala de Francis Walsinghan, o homem que chefiava o serviço secreto da rainha Elizabeth I. Napoleão refinou o método de espionar amigos e inimigos com grande eficácia. J. Edgard Hoover fez isso durante 40 anos quando comandava o poderoso FBI americano. Esses exemplos são práticas de Estado.

Hoje, graças à avançadíssima tecnologia digital, bandidos têm acesso aos mais sofisticados sistemas de espionagem, capazes de invadir sistemas de segurança. Homens públicos estão assustados, tal o poder destruidor desses criminosos. Com a revolução digital, cada vez mais célere e incontrolável, e o poder desses artefatos, a coisa tomou proporções assombrosas. O Big Brother, grande irmão, que Orwell se referia em 1984, multiplicou-se.

As pessoas de bem estão tendo suas vidas devassadas. Sim, alguém pode dizer que esse trabalho de arapongagem serve para desmascarar figuras públicas envolvidas em falcatruas! Ledo engano. Não podemos concordar com isso, nem misturar as coisas, sob o risco de cairmos no autoritarismo, no gangsterismo explícito. Só a Justiça pode isso, e, mais uma vez, só punições exemplares podem dar resultados. Alguns querem ver essas invasões como liberdade de expressão, o que é inaceitável. Nada é mais sagrado numa democracia do que a liberdade individual.

No momento, aqui no Brasil, temos o caso do hacker Walter Delgatti e da deputada Carla Zambelli. Delgatti invadiu o sistema de dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e emitiu sentenças judiciais, além de também ter sido contratado para tentar fraudar as urnas eletrônicas. Ele se encontra preso, e a deputada sofreu mandado de busca e apreensão em casa e em seu gabinete parlamentar. Espero que as punições sejam exemplares, rigorosas, e que Carla Zambelli tenha o mandato cassado pela Câmara dos Deputados.

Orwell estava certo, estamos todos vigiados!

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