Menu
Pragmática
Pragmática

Filhos não vêm com manual de instrução

Essa frase, apesar de clichê, descreve precisamente as dificuldades dos pais nos cuidados e na educação de seus filhos

Pragmática Psicoterapia e Cursos

18/06/2021 11h52

Filhos não vêm com manual de instrução

Por Patrícia Demoly e Carlos Augusto de Medeiros

Sempre que compramos um aparelho, ele vem com um manual de instruções em forma de regras, com diversas informações técnicas que nos ajudam a aprendermos a operá-los. O que é uma bula senão um manual de instruções sobre como consumir o remédio?

Existem regras para tudo. Como se vestir, como se portar, o que é apropriado de se fazer ou não em determinados contextos, etc. Em um cinema, por exemplo, não podemos conversar. Usar biquíni para ir a um clube é comum, mas não para ir a um baile de formatura. Ao assistir uma banca de conclusão de curso de mestrado, geralmente a audiência não pode se pronunciar. Ao nos depararmos com um sinal de trânsito, sabemos que o verde é para seguir e que o vermelho indica pare.

Em uma sociedade com tantas regras, nascem os filhos, sem manual de instrução e sem um preparo prévio dos pais para lidarem com eles; tão ingênuos, inseguros e necessitando tanto de ajuda e cuidados. O único curso que os pais participam enfoca cuidados com alimentação, saúde e higiene. Criar um filho envolve muito mais do que cuidar de sua saúde física (dar banho e alimentação), mas também um cuidado emocional, afetivo, ensino de valores e de como se portar na sociedade.

Uma das formas mais comuns de se educar filhos é reproduzir os modelos dos pais advindos da própria criação. Para tal, tendemos a reproduzir práticas que consideramos apropriadas e a eliminar as que consideramos inapropriadas. Repetir modelos de criação dos pais/avós é a estratégia mais comum, e muitos pais acabam reproduzindo, até sem perceber, atitudes que desaprovavam de seus pais, mas que acaba sendo a única forma que sabem lidar para resolver problemas.

Diante de dificuldades de conter comportamentos ditos inadequados de seus filhos, os pais acabam utilizando ameaças que muitas vezes não cumprem e punição física. A punição física pode até suprimir o comportamento momentaneamente, mas não o resolve de modo definitivo. Ainda, o uso da punição produz sérios efeitos sobre os comportamentos da criança, como o uso de mentiras ou omissões para evitar broncas, surras ou castigos. Outro efeito comum é o filho passar a ter medo dos pais ao invés de respeito. O medo faz com que a relação entre pais e filhos fique distante. Afinal, tendemos a evitar o convívio com aquilo que nos ameaça.

Os filhos aprendem que muitas das ameaças não serão cumpridas e passam a não acreditar mais na palavra dos pais. Essa perda de credibilidade não só reduz a eficácia da ameaça como forma de controle do comportamento, como reduz a confiança dos filhos naquilo que os pais dizem. A perda de credibilidade pode ser particularmente prejudicial, uma vez que os conselhos dos pais costumam conflitar com os conselhos de outras pessoas, como dos amigos, por exemplo.

Outra forma de aprender a criar filhos é observando outros pais, pedindo ajuda a pessoas mais experientes. Outro modo comum de instruir-se é a leitura de livros sobre a criação dos filhos. Dentre os vários modismos, a bola da vez é a disciplina positiva. Todavia, raramente é fácil colocar em prática as recomendações dos outros ou dos manuais, uma vez que implicam mudanças em padrões comportamentais bem estabelecidos. Ademais, muitas vezes, as recomendações não se adequam à realidade da família (filhos criados apenas pela mãe ou com forte presença dos avós, por exemplo). É importante lembrar que não necessariamente o que serve para uma pessoa valerá para a outra e, nesse caso, não necessariamente uma mesma prática parental será eficaz em famílias de diferentes contextos.

É claro que a melhor ajuda, nesse caso, é a profissional, como a de um(a) psicólogo(a) que trabalhe com orientação a pais. Talvez esse serviço nem seja tão conhecido. Geralmente, os pais procuram mais a psicoterapia infantil, para que os comportamentos dos filhos se adequem às demandas dos pais. Muitos pais têm a esperança de que, como mágica, tudo será resolvido. Poucos pais têm a verdadeira percepção de que para mudar o comportamento dos filhos, em grande parte dos casos, é preciso realmente mudar os seus próprios comportamentos. Perceber isso não é fácil e mudar o próprio comportamento é realmente uma árdua tarefa. Afinal, responsabilizar a escola, o(a)s professore(a)s e o(a)s psicólogo(a)s é muito mais cômodo. Porém, observar a mudança no comportamento dos filhos a partir da mudança no próprio comportamento é particularmente gratificante.

Muitos pais justificam sua inatividade com frase do tipo “Meu filho é igual ao pai, não vai mudar”. Rótulos como déficits de atenção e transtorno opositor/desafiador também servem para responsabilizar a criança ou a sua doença pelos comportamentos socialmente inadequados. Esse tipo de explicação é pouco útil para a mudança do comportamento. O papel de psicólogo(a)s que orientam pais ou terapeutas infantis é identificar aspectos do ambiente que estabelecem e mantém os comportamentos socialmente inadequados para posterior intervenção sobre eles.

Embora não exista um manual de instruções sobre como criar filhos e como lidar com comportamentos que os pais julgam inadequados, há a possibilidade de uma ajuda profissional qualificada que pode contribuir muito nesse processo. Afinal, o quanto as famílias seriam mais felizes com pais atuando como protagonistas no desenvolvimento emocional e afetivo de seus filhos? Os pais geralmente fazem o melhor que podem, mas podem fazer melhor ainda com ajuda profissional e se saírem da zona de conforto!

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado