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Lulu no Quadrado
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Uma reflexão para esta quarta – parte 2

As equipes de salão, particularmente, são a ponta mais criticada e problemática da cidade. Vamos falar sobre?

Lulu Peters

24/08/2022 5h00

Atualizada 23/08/2022 14h12

Foto: Pixabay

Semana passada levantei uma reflexão sobre proprietários e chefs e questionei se, em Brasília, estariam realmente contribuindo com a proposição de avanços e inovações; treinando e motivando equipes; apoiando novos talentos locais; enfim, se teriam a cidade e o mercado local como real preocupação ou se a ideia é só fazer dinheiro servido comida pura e simplesmente.

Como sou parcial à assertividade, agora vou dar uma de advogada do diabo e questionar aqueles que, em tese, são pagos, não apenas para dar suporte e executar a ideia dos chefs, empresários e proprietários, mas para servirem de cartão de visita da casa. As equipes de salão, particularmente, são a ponta mais criticada e problemática da cidade.

De um lado, temos uma cultura de que atender o público é um “bico”, não uma profissão. Por outro lado, temos garçons “profissionais” que estão há 30 anos no mesmo lugar e atendem mal pra caramba mesmo assim.

Um time diz que o proprietário não treina, não ensina, não recicla. A equipe adversária alega que muitos não levam os ensinamentos e treinamentos a sério e, quando levam, carregam em seguida o investimento para outro restaurante por 300 reais de diferença salarial.

O embate continua. Quem paga mais imposto? Quem merece 10%? Quem tem mais responsabilidade? E culpa? E meios de mudar?

E nessa guerra, uma ponta é mais prejudicada: o cliente. Porque, no fim das contas, ele é o usuário final do serviço gastronômico e cujo dinheiro é o que torna possível o serviço existir. Mas essa será a terceira parte dessa reflexão, na semana que vem.

A questão é a seguinte: sabemos que o Brasil é um país difícil, e Brasília, uma cidade complicada, cara, sem transporte público, com bolhas imobiliárias que quase inviabilizam investimentos em salas de descanso, vestiário ou quaisquer outros fatores que possam trazer mais conforto às equipes. Aqui, os insumos são muito caros, então fica difícil dar à equipe os pratos do cardápio para que possam experimentar e aprender (mas uma vez no mês tinha que rolar). Sabemos, também, que o salário, de maneira geral, é baixo para uma atividade que requer horas em pé, concentração, memória, mexer em sistemas, servir, etc.

Mas aí é que tá. Quem nunca foi super mal atendido por um funcionário de órgão público, que está lá para isso, e que ganha muito mais que um garçom? Então. O salário não pode ser eterna justificativa, pois, ao contrário do que muitos pensam, tem muito garçom tirando R$ 2,5 mil a R$ 3 mil, o que não é muito, mas que alguns profissionais com nível superior e mestrado não estão conseguindo tirar como pessoa física ou jurídica em grandes empresas.

Então, se você está precisando de trabalho e é chamado para um restaurante, eu sinto muito, mas terá que entender que a premissa deste emprego é SERVIR. A pessoa que está indo ser servida não está pedindo um favor. Ela está pagando por isso e também está com expectativas em relação a isso. Senão ela cozinhava em casa ou só pedia delivery.

Quando você, atendente, – que, sim, é um ser humano e está mais que perdoado por ter um ou outro dia ruim – descarrega suas dores em alguém que acabou de te ver pela primeira vez e só foi tomar um sorvete, você não só não melhora o seu dia, mas estraga o sorvete e o dia do outro.

Quem alega sempre que é difícil atender quando se tem problemas ou mau humor, também teria que aguentar um cliente que, além de descarregar a própria frustração no outro, ainda por cima vai pagar por isso, se achando, então, no direito de fazê-lo.

A desculpa do ‘eu não ganho o suficiente’ pode ser eterna. É só ver o tanto de reclamação que se ouve de gente que ganha R$ 24 mil por mês. Para reclamar, sequer é necessário ter motivos. E o brasileiro gosta de jogar a culpa em todo mundo.

Quem vai trabalhar atendendo pessoas, levando bandejas, orientando sobre o cardápio, indicando bebidas, lembrando dos pedidos, falando com a cozinha, etc, tem que aceitar que ou gosta disso e tem vocação, ou precisa muito do trabalho e vai aguentar. Porque não tem sensação pior do que sair de casa, querendo um ‘afago’ (pelo qual você irá pagar) e sentir que quem te atendeu não é diferente de um namorado tóxico que te trata mal e ainda faz gaslighting (faz parecer que a louca e injusta é você).

É pior do que quando a comida não é boa. Sério. As pessoas voltam depois de uma carne no ponto errado, mas elas não voltam depois de um atendimento que as fez sentir que pagaram para serem maltratadas.

Se hoje falamos do “atendimento padrão Brasília”, o que inclui desde sentir-se pedindo favores, passando por ser completamente ignorado, até sentir-se explicitamente agredido pela má vontade da equipe do salão, é porque o cenário ainda está confuso e muito pouco discutido.

Atender e servir é um trabalho nobre. A meu ver, requer muita vocação. E, sim, há coisas a serem melhoradas nas vidas desses profissionais, é claro! Mas, até lá, não dá para se propor a atender o público e só faltar jogar o prato na cara da pessoa.

Aliás, eu acho que seria uma boa atendente e estou querendo fazer o teste. Eu conto para vocês se eu conseguir.

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