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Lulu no Quadrado
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Uma reflexão para esta quarta – parte 1

Brasília está, de fato, construindo um mercado gastronômico ou apenas um mercado?

Lulu Peters

17/08/2022 5h00

Atualizada 16/08/2022 16h54

Foto: Luis Robayo/AFP

GastroNOMIA. Esse sufixo carrega em si uma mensagem importante, já que etimologicamente, “gastronomia” vem do grego “gaster”, significando estômago ou ventre, e “nómos” significa “leis que governam ou regras”.

Se não estamos falando do mero estudo das comidas, e sim de suas leis, devemos lembrar que a lei deve orientar e servir àqueles submetidos a elas.

Assim, quem exerce gastronomia hoje, em quaisquer das dezenas de funções que esta acolhe, estamos falando de um compromisso com a revisão de tais leis, de regras que têm impacto direto não somente na alimentação, mas também na sustentabilidade, no mercado, no meio ambiente e nas pessoas.

Sim, é muito mais que apenas a responsabilidade de cozinhar para os outros. A defesa contra as patentes insanas sobre nossos insumos naturais, como a baunilha do Cerrado ou o açaí (ambos já sofreram tentativas de patenteamento por instituições privadas e até estrangeiras); a consciência sobre a procedência e a qualidade dos ingredientes servidos; a responsabilidade sobre o que é oferecido, de fato, ao cliente e não apenas a busca incessante por elogios na internet.

Eu me pergunto se realmente fazemos gastronomia por aqui. Não se enganem. Eu acredito que a maioria dos empreendedores e profissionais da área quer oferecer o seu melhor, mas há uma teia de serviços envolvidos, sem contar o compromisso que “fazer as leis” deve (ou, pelo menos, deveria) ter com o “gerar”, o “crescer”, que não podem se limitar só ao lucro ou ao status de comer fora.

Quem abre um restaurante está impactando na cidade, positiva ou negativamente.

Gastronomia requer cuidado com as equipes, treinamento e qualificação destas. Requer incentivar novos profissionais que já sentem a vocação, mas não têm sequer como vislumbrar seu próprio negócio um dia.

Sim, a gastronomia é um ramo de privilegiados, quando falamos de proprietários e chefs que saem em fotos produzidas. Eles trabalham muito, mas dependem também dos anônimos que cortam, picam, grelham, assam, lavam, limpam, servem, atendem e apresentam, construindo nos solitários bastidores tanto quanto — ou muito mais que — as renomadas estrelas que assinam cardápios, dão entrevistas e expandem seus negócios, justamente porque puderam estudar, viajar, aprender e financiar seus sonhos.

Quantos jornalistas apaixonados pela escrita e pela gastronomia são deixados de lado, enquanto digital influencers, que vendem suas imagens irreais nas mídias sociais, são vistos como mais “efetivos” na divulgação dos restaurantes?

Quantas casas decidem não contratar assessorias de imprensa locais, consultores talentosos, nutricionistas dedicados, para investir apenas em postagem patrocinada ou pagar uma agência de São Paulo que sequer conhece o mercado local?

Quantos veículos não viram seus anunciantes abandonarem suas publicações porque jornal “não se move rápido ou não atrai clique o suficiente”?

Quantos jovens cozinheiros não têm mentoria e apadrinhamento por aqueles que um dia “começaram de baixo”, mas hoje só pensam no seu próprio nome, no seu próprio status e, claro, no seu próprio dinheiro?

É óbvio que lucro é, sim, um dos objetivos finais, já que saúde financeira significa melhoria de produto e serviço. Mas será que estamos vendo isso? Será que todo o dinheiro injetado nesse mercado retorna aos clientes e aos anônimos que apoiam o crescimento das casas tanto na cozinha, quanto no salão, quanto na divulgação? O cliente tem se sentido acolhido, sentido que aquela gastronomia valeu seu suado dinheiro?

Claro que essa reflexão ainda não tem resposta. Mas, confesso, que às vezes me pergunto se Brasília está, de fato, construindo um mercado gastronômico ou apenas um mercado.

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