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Coluna Informação #027 – O caso mais grave de covid é no Alvorada

O resultado do terceiro teste feito por Jair Bolsonaro que verificou que ele continua contaminado pela covid-19 fará com que o presidente complete o mês de julho em quarentena

Rudolfo Lago

24/07/2020 5h00

O resultado do terceiro teste feito por Jair Bolsonaro que verificou que ele continua contaminado pela covid-19 fará com que o presidente complete o mês de julho em quarentena. O tipo de trabalho realizado por um presidente da República lhe permite atuar na maior parte do tempo em home office. Ele segue fazendo duas reuniões, segue tomando suas decisões, ainda que, de alguma forma, a doença o tenha obrigado a reduzir sua agenda.

Digamos, porém, que Bolsonaro fosse um tipo de trabalhar que a pandemia tornou absolutamente fundamental. Digamos que ele fosse um motoboy. Se Bolsonaro fosse um entregador, ele estaria impossibilitado por um mês de exercer o seu ofício. E há diversas outras atividades que são impossíveis em home office: pedreiro, motorista, trocador de ônibus…

A compreensão sobre o que acontece em uma pandemia só pode se dar a partir de raciocínios e visualizações pandêmicas. É necessária uma compreensão global do que acontece. Querer transferir para o mundo a experiência individual de cada um com relação à pandemia é o caminho mais rápido para o fracasso. No caso brasileiro, tem sido o nosso maior erro. E é por isso que o caso mais grave de covid-19 existente no Brasil é, sem dúvida, o de Jair Bolsonaro.

Não importa se o organismo de Bolsonaro administra bem os sintomas da doença. Se ele consegue passear no jardim do Alvorada e levar bicadas das emas. A compreensão que precisa surgir do isolamento no palácio é que a doença – bem longe do que ocorre com uma simples “gripezinha” – obriga isolamentos. E em muitos casos isolamentos inviabilizam atividades. Que se tornam fatais para aqueles que as exercem ou que as empregam. Provocando imensa crise. Crise que só poderá ser contida se contra ela houver uma estratégia. Sem esse raciocínio, não há cloroquina que resolva o problema.

A constatação feita pelo Tribunal de Contas da União e divulgada na quarta-feira (22) escancara que não houve nada disso em nenhum momento. O governo federal usou apenas 29% dos recursos que tinha disponíveis para combater a pandemia. A distribuição desses recursos não parece ter seguido nenhuma lógica identificável. Cai por terra o discurso de que o governo federal fez sua parte e o problema está na decisão do Supremo Tribunal Federal que transferiu a decisão para os estados e os municípios. O que já se percebia fica claro pelos números: não houve comando central no combate à pandemia.

Na verdade, ao preferir negar a gravidade da doença, o governo ignorou todos os sinais. No início, se imaginava que a doença talvez não fosse tão letal. Mas já se sabia que era altamente contagiosa. Assim, ainda que fosse grave para um percentual pequeno de pessoas, numa escala pandêmica, esse percentual se transformaria em um grande número que o sistema de saúde não teria condições de atender. Estava posto um grande problema de saúde pública para o qual o país precisaria se organizar.

Quando, porém, o vírus chegou à Europa, ele sofreu mutações e se tornou mais letal e resistente. O problema de saúde pública tornou-se bem mais complexo. Por aqui, o comando central preferiu ignorar as imagens de caminhões carregados de corpos passando por estradas da Itália e da Espanha. Iríamos ter 800 mortos, dizia o presidente e seus seguidores. Temos 80 mil mortos.

Mais tarde, apostamos que o vírus não resistiria tão bem ao calor dos trópicos. Não só resistiu como a América Latina – e o Brasil dentro dela – tornou-se agora o epicentro da doença. Se tivéssemos ficado atentos aos sinais, talvez o quadro por aqui hoje fosse outro.

Por manter somente a sua visão individual, Bolsonaro não compreendeu a doença quando não estava contaminado por ela. Quando foi contaminado, parece ter mantido ainda sua visão individual, a partir de seus próprios sintomas e reações, quando as pessoas relatam sintomas e reações absolutamente diversas. Se Bolsonaro achar que seu problema com a covid acabará no dia em que estiver curado e puder retornar ao Palácio do Planalto, seguirá errando feio ao não considerar os efeitos pandêmicos da covid-19.

Porque a constatação de que milhares de pessoas tiveram que passar um mês confinadas em casa provocará um impacto na vida e na economia do país que ainda vai perdurar por anos depois do fim da doença. Nós não nos organizamos para o momento da chegada da covid-19. Não nos organizamos para enfrentá-la quando chegou. Se não nos organizarmos também para ministrar seus efeitos posteriores, seguiremos provocando essa tragédia. E não haverá mesmo cloroquina que resolva…

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