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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

O perigo da narrativa em nossas vidas

Passei por uma situação em Gramado-RS onde a narrativa me levou a uma escolha errada

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

25/07/2023 11h29

Parque Olivas de Gramado. Foto: Leonid Streliaev/Divulgação

A psicologia, há anos, estuda a relação do ser com o grupo e vice-versa. Apesar de as duas ultimas colunas terem tudo a ver, o texto de hoje vem do sul do país, mais precisamente de Gramado-RS.

Depois de longos nove anos, me dei o direito a férias. E já no avião, para me distrair um pouco, comecei a ler o livro A Lógica do Cisne Negro, de Nassim Nicholas Taleb. No capitulo 6, ele indaga: “Por que é difícil evitar a interpretação?”

Neste sentido, para nós, psicólogos, é fundamental entender que as funções cerebrais operam fora do escopo de nossa “consciência”, ou seja, interpretamos mais ou menos da mesma forma como executamos outras atividades consideradas automática e fora de nosso controle, como, por exemplo, respirar. Assim, muitas pessoas se aproveitam deste processo para aplicar o ponto-chave do texto de hoje: a narrativa.

Vou dar exemplos de como a narrativa nos afeta de diversas formas no dia a dia e não percebemos. Um de meus passeios feitos ontem (24) foi em um lindo parque chamado Olivas de Gramado, cuja entrada me foi bem cara e regada por uma narrativa de tirar o fôlego. Ao chegar no parque, por volta de 15h30, fui recebido por uma jovem bem diretiva e sem muito papo, repetindo como um robô a mesma ladainha que diz a todos os visitantes (posso até imaginar seu nível de tédio), que tento reproduzir de memória:

— Bem-vindos ao parque Olivas de Gramado! O valor da entrada é de R$ 180. Se um de vocês for morador de Gramado-RS e tiver mais de 60 anos, paga apenas meia-entrada. O parque encerra as atividades às 18h em ponto, e o senhor terá direito a duas atividades gratuitas — para tanto deve se direcionar à recpção.

Ora, considerando o horário e o valor, perguntei:

— Veja, não sou da região, e o parque me foi indicado por amigos. Você acredita que compensa eu entrar agora? Ou seria mais prudente eu voltar amanhã, já que vou ficar mais tempo na cidade?

Ela, então, respondeu:

— Penso que o Sr. vai adorar e aproveitar!

E este foi meu erro. Abri espaço para a narrativa, para que pudéssemos discutir a respeito dos atributos mais gerais de pensamento e raciocínio por trás de nossas superficialidades incapacitantes. Ao contrário do que se pode pensar, tais atributos são debatidos há anos por uma poderosa escola de pensadores e pesquisadores chamada Society for Judgment and Decision Marketing, composta principalmente por psicólogos empíricos e cientistas cognitivos. De acordo com este grupo, atuamos com o que podemos classificar como pensamento duplo, que eles chamam de Sistema 1 (experimental) e Sistema 2 (cogitativo).

O sistema 1, também conhecido como “veloz e sujo”, é experiencial, automático, rápido, não requer esforço de nossa mente e ocorre em um piscar de olhos, ou como diria Malcon Gladwell, “Blink!”.

Ao utilizar do Blink, a atendente da Olivas de Gramado, mesmo de forma “inconsciente”, me fez tomar uma decisão rápida, mas nada vantajosa, tampouco justa. Em outras palavras, a fala da funcionária me induziu a um erro grave. Acabei pagando mais caro e aproveitando menos do que poderia, transformando o que seria uma experiência maravilhosa em algo de baixa complacência, amargo e com diversas regurgitações ao longo da noite. Não me utilizei do Sistema 2, o cogitativo, onde estaria amparado pelo método e poderia ter pensado sem induções na melhor alternativa para todos. O Sistema 2 é sensato, lento, lógico, serial, progressivo e, acima de tudo, autoconsciente. Isso quer dizer que o sujeito que lança mão do Sistema 2 comete menos erros do que aquele que opta pelo 1.

Imagine a cena sem a narrativa: eu seria atendido e, ao perguntar se devido o adiantar das horas, valeria pena entrar, receberia como resposta: “Veja, Senhor, é um passeio maravilhoso, eu mesma já o fiz algumas vezes e não me canso. Entretanto, para que o Sr. possa desfrutar ao máximo do que temos a lhe
oferecer e considerando que ainda vai ficar mais tempo na cidade, eu aconselho a voltarem amanhã, sem contar que, caso comprem o ingresso pelo site, o Sr. terá um bom desconto, o que lhe propiciará maior recurso para poder consumir nossos maravilhosos azeites e demais itens de nosso cardápio.”

De modo geral, os neurobiólogos já fazem uma distinção entre os sistemas 1 e 2 – de acordo com eles, cada sistema atua em partes diferentes do cérebro: a parte cortical é utilizada para pensar (Sistema 2); e o cérebro límbico, de reação rápida, é o centro das emoções (Sistema 1).

Assim, como podem observar, reagir utilizando o Sistema 1 me cegou para a real interpretação dos fatos. O mesmo ocorreu com as pessoas que criticaram meus dois últimos textos. A fala e a crítica delas ignoravam o fato de eu não estar discordando delas. E ainda: da mesma forma que elas reagiram com raiva e ofensa, não tendo elementos para o debate, eu reagi à situação em Gramado-RS, ficando por me sentir ludibriado.

Nossa mente é um terreno muito fértil para as mais diversas interpretações.

Uma forma de fugir das narrativas é, sempre que possível, privilegiar a experimentação ao invés da narrativa, ou seja, preferir a experiência, a história e o conhecimento às meras teorias e não nos deixar levar pela fala do outro, afinal, nem sempre somos capazes de fazer um experimento, mas certamente podemos escolher o que “falar” e no que “acreditar”, criando, assim, a nossa própria narrativa. Ou, apenas, aquela em que se quer acreditar…

Até a próxima!

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