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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

As revoluções de Victor Hugo Soulivier

Hoje com 25 anos de idade e atuando na cena cultural de Brasília há oito, Soulivier mistura seu ser aflorado e poético à sua arte – fotografia, pintura, intervenção/performance, desenho, gravura e design

Thaty Nardelli

24/02/2023 5h00

Soulivier

Foto: Mel Mendes

Victor Hugo Soulivier, artista visual, nasceu em Taguatinga, mais exatamente na região da CNF, algo que ele faz questão de ressaltar. Filho de mãe paraense e pai mineiro, é a “rapa do tacho”, como diz a mãe. Hoje com 25 anos de idade e atuando na cena cultural de Brasília há dez, ele mistura seu ser aflorado e poético à sua arte – fotografia, pintura, intervenção/performance, desenho, gravura e design. Recentemente, teve seu nome ainda mais reconhecido, ao assinar, juntamente com Juliana Gomes da Silva, pelo coletivo Tela Ambulante, o conjunto de calça e blazer de alfaiataria que o influenciador digital PCD Ivan Baron usou para subir a rampa na posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com palavras e frases de ordem, como “Parem de nos excluir” e “Anticapacitismo”.

Este é apenas um dos grandes feitos do artista brasiliense, que em sua pesquisa dialoga com um cotidiano, onde linhas e formas se concentram em uma cartografia afetiva na busca do entendimento sobre espaço e tempo, além de englobar, politicamente, performance de gênero, cultura negra, cultura LGBTQIA+ e Street art.  

Influenciador Ivan Baron com peça assinada por Soulivier. Foto: Divulgação

A “Além do Quadradinho” apresenta, hoje, a história de Victor Hugo Soulivier, esse taguatinguense que ainda tem muito a mostrar para o Brasil.

Quem é o Victor Hugo Soulivier fora da arte? Onde nasceu? Como foi criado e como está se criando?
Nasci em Taguatinga Norte, na CNF, em específico. Na CNF, porque é um polo cultural que eu amo! Fui criado pela minha mãe, paraense que viveu por muito tempo no Maranhão, onde teve minhas irmãs. Chegou no Distrito Federal com as meninas e depois me teve. Ela costuma dizer que sou a “rapa do tacho”. Sempre tive a cultura nordestina muito forte, enraizada, né?! Na culinária, nas músicas… Inclusive, as músicas regionais. Minha mãe sempre foi costureira, costura há mais de 25 anos e assim será para sempre.

Imagino que isso te influenciou muito, né?!
Sim, bastante! Ela tem um ateliê, que fica em Taguatinga, local onde eu cresci. Isso reflete muito no meu trabalho, algo muito afetivo, quase uma questão poética. Já meu pai é mineiro. Ele foi um dos primeiros músicos na Escola de Música de São Paulo e sempre estudou Teatro. Desde os meus oito anos eu já tive um contato muito forte com as artes cênicas, a costura e a moda.

Então, você nasceu em um celeiro artístico, praticamente…
Tive, sim, uma base familiar muito artística. Então, sempre cantei, atuei, dancei… Pela humildade que carrego, gosto de quebrar essa questão de hierarquia nas minhas relações. Um anarquista em meio a todas essas concepções capitalistas.  

Quando você se percebeu como artista?
Se reconhecer artista é uma tarefa muito difícil, especialmente hoje, pelo nosso cenário brasileiro e pela cultura que é gerada. Existe o estigma do que é ser artista. Primeiro, porque vem dentro de uma concepção da Igreja Católica, depois se torna algo que é um dom de Deus, e só depois a gente vem se descobrindo e se desfazendo de certas amarras sociais e históricas que não nos pertence.

Mas isso é um conflito para você?
Hoje em dia, a gente tem esse pensamento do “o que é o ser artista” e “o que é a arte propriamente dita”. Me percebi artista depois de muitas amarras, muitas conversas familiares, choros, brigas, enfim… Eu percebi que ser artista era quem fazia e tirava as ideias da cabeça e botava para o campo da experimentação, da materialização. Então, pra mim, um artista é aquele que vai e faz. A obra tem que existir e tem muito esse sentido onde, por sorte, sempre tive essa base. Mas, mesmo com meu pai no teatro e minha mãe na costura, passei por vários preconceitos…

A arte te incorpora para você poder realizar a sua obra, então?
Nas artes, afinal, nem os do meio acadêmico conseguem afirmar de fato que somos artistas. Não é um pedaço de papel que fala que eu sou artista, não é porque eu me formei e tenho um diploma. Ser artista é viver a arte. Atualmente, inclusive, uma arte, na comercialização, é ela ser vendida pelo seu íntimo. Então, o artista é essa persona, que vende o seu interior, que se coloca no campo da experimentação. Me percebi dessa forma a partir do momento em que eu migrei para a faculdade, onde cursei fotografia, com o que eu já me identificava desde os 15 anos e que, aliás, foi como recebi meu primeiro cachê. Comecei a produzir e experimentar e, a partir daí, tive todo esse desenvolvimento.

O que o quadradinho (Brasília + DF) influencia na sua arte?
Ah, Brasília é linda demais! Falar sobre a grande arquitetura da nossa cidade organizada é o que mais me motiva dentro do nosso quadrado, com senso político, claro. Querendo ou não, é uma cidade que emana uma energia de poder, onde se concentra poder e, claramente, na verdade, é onde a gente também encontra revolta, né!? Tem muita coisa escondida a ser denunciada. Então, o quadrado me influencia em toda essa cosmologia de vivência política. A gente tem que ir ao confronto, mostrar nossa agressividade.  

A capital demanda essa vontade de expressão não só cultural, mas política também, né? Tudo misturado…
Sim… Que a gente se bote em um estágio de ação perante uma sociedade. Isso me influencia demais e, fora que toda arte que é produzida aqui, por artistas amigos e muitas pessoas que trabalham com a contracultura.  É muito interessante o cenário underground de Brasília, que também influencia demais as noites, os technos, a ferveção e os corpos, os afetos. Isso tudo de Brasília compõe muito dentro da minha produção.

Recentemente seu nome ficou ainda mais em ascensão com a criação do traje usado por Ivan Baron na posse do presidente Lula. Qual o significado disso para você?
Ter o meu trabalho sendo divulgado para o mundo inteiro dessa forma foi inusitado. Eu não esperava de nenhuma maneira que isso acontecesse. Eu não sabia que ele ia subir a rampa, então foi uma surpresa pra mim, para todo o coletivo Tela Ambulante, para minha família. Significou muito, porque eu tinha dois sonhos na minha vida. Um, que era fazer história, né!? Posso dizer que consegui… Além desse grande feito, fui reconhecido pelo meu trabalho em 2019, quando recebi o prêmio LGBTQIA+ pela Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Isso me enche muito de orgulho e me dá mais forças para continuar. Mas, claro, tenho muito mais sonhos para realizar. Fazer ainda mais história com a minha arte!  

Deve ser fascinante poder ser reconhecido pela sua arte…
Eu acho que esse é um anseio que a própria sociedade tem, né?! De fazer história, de ser eterno, de ser lembrado por um grande feito.  Então, poder assimilar isso tudo e perceber que eu vou poder ver a minha obra em um livro de história daqui a alguns anos fortalece ainda mais minha potência. Poder falar que eu estava ali, naquele momento histórico de alguma forma, além de toda essa repercussão. Que, de fato, traz esse reconhecimento, que traz força para a gente continuar e ver que a gente pode chegar lá!

Quais trabalhos você destacaria na sua carreira?
Já fiz exposições individuais e coletivas. Cada trabalho, com certeza, tem o seu valor. Coletiva, eu fiz uma exposição na Casa da Cultura da América Latina, a “Atentxs e Fortes”, com Curadoria Clauder Rocha.  Realizei, ainda, a exposição solo “O muro”, na Galeria Karla Osório, em 2020. Tenho obras em grandes acervos de colecionadores de Brasília e do Brasil. Fui um dos 50 ganhadores do prêmio LGBTQIA+ de Brasília, em 2021. E, também, um artista convidado para fazer a abertura de lançamento da coleção da Gift, em Brasília, a convite da galerista Karla Osório.

E aposto que tem muito mais, né?
Tenho exposições individuais na Exilio Art, em São Paulo, e tem muitas coisas assinadas por mim e pelo meu coletivo, o Tela Ambulante, para a marca de roupa Dane-se, para o mês LGBTQIA+, tudo feito à mão. Agora, vamos participar da ADW Design Weekend, que é a semana de design de São Paulo, onde vamos realizar uma instalação na Rua Augusta, em um edifício… Vai ser muito incrível.

Como você, enquanto artista, espera que a sua arte mude o mundo?
É muito louco isso. Eu já cheguei a chorar muito no colo da minha mãe. Nessa angústia do que fazia da vida e como poder fazer isso de uma forma adequada, além de ter que sobreviver financeiramente, né? Tem tanto medo em ser artista. Nesses momentos, eu falava que gostaria que a minha arte pudesse ajudar as outras pessoas e, de fato, mudar a vida delas. Algo que pudesse impactar também a sociedade.  Dentro desse grande caos que é a vida, queria realizar o meu dever cívico. De poder ser um cidadão, de poder ajudar a minha sociedade a retribuir tudo que ela me fornece.

Tudo isso deve ter causado vários desejos dentro de você…
Hoje eu uso da minha arte pra fazer denúncia, falar o que eu sinto para aqueles que sentem, mas não podem falar. É, então, uma arte que realmente expõe a nossa realidade, o que a gente tá passando, pensando, vivendo. E eu espero que ela seja revolucionária. A arte está aqui pra fazer revolução, e eu vim fazer revolução.

Dentro de todo esse universo, quais são suas referências na vida e nas artes?
A minha referência é o meu cotidiano, são as ideias que brotam na minha cabeça, a vivência que eu tenho com os meus amigos nas noites de Brasília, nos afetos que eu tenho nos diálogos e nas brigas, nos meus devaneios, nos meus entendimentos. Busco inspiração na própria vida, no próprio diálogo que eu tenho com essa cosmologia do sentir o tempo e sentir o espaço. Conforme a gente é individualmente e permanece dentro de um coletivo. E eu tenho muito uma referência de Jean Basquiat. E tem artistas daqui de Brasília e de fora que, com certeza, me inspiram muito, como J Teste, a Vicenta Peruta, o Alexandre dos Anjos e a Luísa Gunter. Não posso deixar de citar Fernanda Ferrugem, que é a  madrinha do nosso coletivo, o Tela Ambulante, que é nossa inspiração total.

Para quem está começando, qual recado você deixaria?
Recomendo muito network. Somos artistas, mas precisamos desenvolver outras funções, sempre estar proativo, ter um olhar questionador, mas nunca desistir do próprio potencial. Porque a população, infelizmente, não tem uma estrutura educacional artística para que ela acredite e dê valor a nossa arte. Como artista e educador, consigo enxergar esse déficit na educação brasileira. Isso pra gente é muito prejudicial. É preciso pensar em todas as marcas sociais que a gente tem que superar. Seja forte, resiliente, concentre as suas energias para que as coisas fluam. Acredite em você e no que você faz, na sua potência.

Acompanhe o trabalho de Victor Hugo Soulivier no Instagram

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