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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

A estética sentimental e original do estilista Vittor Sinistra

Os primeiros traços e inspirações vieram por meio dos pais, que sempre carregaram habilidades de desenho

Thaty Nardelli

15/01/2024 12h34

Vittor Sinistra Casa de Criadores #53 SP, 08/12/2023Foto: Danilo Grimaldi/ @agfotosite

Nascido e criado em Ceilândia, o hoje estilista Vittor Sinistra já passou por vários momentos até se encontrar no mundo da moda. A avó e a mãe são suas grandes inspirações para que, desde aquela época, ele fosse comprometido em tudo que fazia na vida. “O compromisso delas me ensinou a ser aplicado em tudo que eu fosse fazer. Era bastante estudioso, criativo e terno”, relembra.

Ser de periferia também o fez desenvolver tecnologias para enfrentar as desigualdades de oportunidade e a resiliência para continuar tentando, saber lidar com as frustrações pelo caminho: “Conto essas coisas sem conferir um tom romântico, pois não acredito na cultura do mérito. Nesse caminho, tive muitos prejuízos psicológicos que uma pessoa de classe média, por exemplo, não teria”.

Após sua primeira graduação em Letras pela Universidade de Brasília (UnB), Vittor, que hoje tem seus 34 anos, se jogou no mundo das artes, iniciando sua segunda faculdade. Desta vez, o curso era de Artes Visuais. No entanto, por diversos desafios, acabou não concluindo. “Em determinado momento, o curso perdeu o sentido para mim, não conseguia me encaixar”, revelou Sinistra.

Os primeiros traços e inspirações vieram por meio dos pais, que sempre carregaram habilidades de desenho. “Eu admirava muito e isso me levou a me jogar no universo das ilustrações, acumulando pastas e mais pastas de desenhos que passaram por várias fases” relembra Sinistra. “Uma das minhas atividades favoritas era vasculhar as revistas de famosos para copiar os looks. Era o que mais me enchia os olhos”, completa.

Moda como protesto

A moda começou realmente a fazer parte de sua vida a partir de um momento em que sentiu necessidade em se comunicar por meio de uma mudança de postura. “Por ser uma criança muito sensível e afeminada, sofria muito bullying na escola. Era uma sensação horrível ter tantas outras crianças e até mesmo adultos te hostilizando diariamente pelo tom da sua voz, por suas preferências, pelo seu comportamento”, conta ele.

Vittor, então, encontrou no meio do estilo rock n’roll uma forma de combater o preconceito. “Cortei minhas calças, pintei meus tênis, comecei a usar correntes e acessórios com caveiras e muitas camisetas de bandas de rock. Eu queria gritar, impactar, meter medo. Mas, na verdade, eu estava tentando me proteger”.

Vestir-se, para ele, não é uma ação aleatória, pelo contrário. Vittor acredita que constantemente estamos coordenando itens, cores, texturas, formatos, comprimentos, materiais, “sempre pensando no que vamos comunicar, se estamos expressando a nossa subjetividade”.

Após um período traumático no cristianismo, em que muitas vezes precisou renunciar a si mesmo para tentar caber em um local, Vittor passou por um período de autoconhecimento e começou a viver suas próprias verdades. “São incontáveis as situações de constrangimento, ultraje e manipulação que a igreja e seus membros me submeteram. Quando finalmente consegui me desvencilhar dessas organizações, comecei a descobrir e experimentar de verdade quem eu era”, explica o estilista.

Liberto e expressivo

Hoje, Vittor mora em São Paulo e já apresentou quatro coleções na Casa de Criadores, nas principais semanas de moda autoral do Brasil, que reúne grandes nomes da moda nacional. Em uma de suas primeiras coleções, o estilista decidiu levar um dos momentos traumáticos que viveu dentro da religião, mostrando que a moda é uma ferramenta poderosa de expressão, e vestir-se é falar da vida, das pessoas, da sociedade e de um traumas também.

“‘Juízo’ foi o nome de uma de minhas primeiras coleções desfiladas na Casa de Criadores em SP, inspirada em um episódio grotesco onde fui levado a um tribunal religioso para ser questionado sobre minha sexualidade e, após forçadamente me assumir perante um grupo de estranhos, fui retirado das funções que exercia no grupo religioso”, conta o estilista.

 

A cada criação ou nova coleção, Vittor está sempre tentando falar de algo que seja relevante para a sociedade, solto das críticas ácidas e usando a arte como arma de provocação. “Não é à toa que meu trabalho é reconhecido pelos volumes pontiagudos, tais como espinhos”, pontua.

Os trabalhos cheios de fundamento e criatividade de Vittor começaram a chamar atenção também de celebridades. “Além de desfilar pela CDC, trabalho desenvolvendo projetos especiais para artistas de vários ramos, especialmente da música”, revela ele, que já assinou looks para grandes nomes, como Gaby Amarantos, Johnny Hooker, Duda Beat, Lia Clark e outros.

Além de artistas do mundo da música, Sinistra também passou a vestir muitas artistas do mundo drag, criando looks exclusivos para suas apresentações e performances Brasil afora. “Recentemente, tive o prazer de colaborar com alguns nomes que fazem parte da franquia RuPaul’s Drag Race, o maior reality de drag queens do mundo”, completa o estilista. Inclusive, foi daí que surgiu seu projeto favorito: um look que desenvolveu para Jimbo (foto), drag que foi campeã da temporada Race: All Stars.

Novidades para 2024

Vittor conta que São Paulo foi um polo magnético, em que foi atraído como um imã, que faz seu processo criativo desabrochar cada dia mais. Para 2024, o estilista já se revela animado e antecipa alguns de seus planos.

“Participarei de novas colaborações, projetos audaciosos e tudo mais que surgir. Pra este ano, do que posso contar, já tenho agendas com programas nacionais e internacionais, colaborações com artistas incríveis e também o calendário oficial da Casa de Criadores”, comemora Sinistra.

Além disso, como artista que lutou para viver daquilo que acredita, ele promete se desafiar e estar ainda mais presente na cena. “Quero poder viver tranquilamente da minha arte, ter e oferecer conforto para os meus. É muito desafiador ser um artista independente, sonho com o dia que essa independência seja sinônimo de algo positivo, uma independência plena”, explica. “Outro grande sonho é desenvolver algo com grande impacto social, de preferência no campo da Saúde mental. Minha arte está a serviço da transformação”, completa o estilista.

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