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Torcida

Torcedor do Palmeiras morto com tiro iria estrear em bateria de escola samba

Seguindo a agremiação, Oliveira participou de um curso na escolinha de bateria e estava pronto para estrear

FolhaPress

15/02/2022 21h29

Foto: Reprodução/Redes sociais

Fábio Pescarini
São Paulo, SP

O motoboy Dante Luiz Oliveira, 40, saiu cedo de sua casa em Caieiras, na Grande São Paulo, na manhã do último dia 8.

Com outras centenas de torcedores, ele iria assistir à estreia do Palmeiras na semifinal do Mundial de Clubes nas imediações da arena Allianz Parque, na Pompeia, zona oeste da capital paulista –o Alviverde venceu o Al Ahly, do Egito, em Abu Dhabi. Mas antes passou em uma loja de instrumentos musicais para comprar uma cuíca nova.

Oliveira, morto com um tiro no último sábado (12), após derrota do Palmeiras para o inglês Chelsea, na final do torneio, iria fazer sua estreia na bateria da escola de samba Mancha Verde neste Carnaval, que, por causa da pandemia do novo coronavírus, foi transferido para o mês de abril.

Seguindo a agremiação, Oliveira participou de um curso na escolinha de bateria e estava pronto para estrear.

“Ele comprou a cuíca nova para o desfile e a antiga ficaria apenas para ensaiar”, afirma o lutador de jiu-jitsu Vinícius Santana da Silva, 22, amigo do motoboy. Igualmente palmeirense, ele mora em Laranjeiras, bairro considerado mais populoso de Caieiras e onde a vítima da violência morava com três de seus cinco filhos.

“Agora quem está com a responsa sou eu”, diz Dante Gomes Oliveira Rosa, 20, o Dantinho, filho mais velho do motoboy, que trabalha em uma fábrica de catalisadores de carros e que diz ter ficado à frente da casa do pai, vizinha da de sua avó, onde vivem também dois irmãos de 18 e 12 anos. Outras duas meninas menores, sendo uma de apenas dois anos, moram com a mãe e com madrasta deles, respectivamente.

“Meu pai era um cara sem palavras, sempre fez o corre para nós e nunca deixou faltar nada em casa”, afirma o filho.
Silva, Dantinho e Oliveira foram juntos assistir à final do Mundial na rua Caraíbas, uma das esquinas em frente à arena do Palmeiras, reduto de torcedores organizados do clube alviverde. Como se imaginasse que uma tragédia estaria por vir, Dantinho conta ter passado mal, por causa da aglomeração e do calor, e voltou para a casa no intervalo do jogo.

Não testemunhou o pai ser atingido por um tiro no tórax.

“Eu vi o infeliz com a arma e o Dante vindo meio mole e desnorteado”, afirma Silva, sobre o disparo. O agente penitenciário José Ribeiro Apóstolo Júnior, 42, que estava armado e foi preso em flagrante, é suspeito de ter feito o disparo.

O filho mais velho do motoboy soube da morte do pai já em casa, quando uma amiga que estava com ele recebeu a notícia por telefone. “Fui para o hospital [das Clínicas, no centro de São Paulo], mas a rua aqui ficou cheia de gente.”

Oliveira era uma espécie de líder comunitário. Sua última ação, diz o amigo Silva, foi arrecadar doações de roupas e alimentos que os dois levaram para vítimas das chuvas do fim de janeiro, que mataram 18 pessoas na vizinha Franco da Rocha.

Também foi há 17 anos fundador do Sodabeb Futebol Clube, time que disputa o futebol de várzea de Caieiras e outros torneios regionais na Grande São Paulo. O atual presidente, Carlos Henrique Ferreira de Souza, 37, reconheceu o patrono pelas imagens da violência na televisão, durante a festa de aniversário de uma prima.

Segundo Souza, a agremiação já mandou fazer camisetas em homenagem ao patrono e um bandeirão, que deverá ser esticado quando a temporada do campeonato da cidade começar a ser disputada, provavelmente em março.

“Ele era uma referência aqui”, diz Souza, lembrando que o fundador do time também era o mestre da bateria do Sodabeb.

Na porta do velório do motoboy em Caieiras, domingo (13), integrantes da bateria do time de várzea e da Mancha Verde ignoraram os protocolos de luto e tocaram o hino do Palmeiras.

Era principalmente a paixão pelo clube alviverde que movia o entorno da vida do motoboy. O filho Dantinho lembra que foi ao antigo estádio Palestra Itália com ele pela primeira vez quando tinha apenas oito anos. Depois de ver o Palmeiras golear o Mogi Mirim por 5 a 1, na estreia do Campeonato Paulista de 2010 (jogo que teve o atacante Diego Souza, autor de dois gols, como destaque), não parou mais de frequentar as arquibancadas. Quatro anos depois, assim como o pai, integrava a torcida uniformizada Mancha Verde.

Oliveira foi lembrado pelo ex-volante Marcos Assunção, cobrador de faltas que se tornou ídolo da história recente do Palmeiras. Nascido em Laranjeiras, o ex-jogador publicou uma homenagem em suas redes sociais.

“Sei o quanto o futebol mexe com as pessoas, mas o que sempre me emocionou foi ver pai e o filho se abraçando na hora do gol, ver o casal se beijando e comemorando, e ver pessoas chorando porque seu time ganhou um título, essa é a magia do futebol”, escreveu.

“Morador de Laranjeiras, onde cresci, quando o Dante chegou no bairro fui um dos primeiros amigos dele. Tínhamos apenas 3 anos de diferença, jogamos videogame juntos, andávamos de carrinho de rolimã, jogávamos futebol e tive o prazer de conhecer a família dele. Seu pai, seu Dirceu, era muito amigo do meu pai, e pude ver de perto o Dante crescer e ter uma família, mas infelizmente, ontem um filho perdeu um pai.”

Goleiro nas peladas, no fim do ano passado Oliveira realizou o sonho de ficar embaixo da mesma trave de Weverton, arqueiro do Palmeiras e da seleção brasileira, em um amistoso que envolveu torcedores na arena Allianz Parque.

O motoboy, que tinha uma foto de quando era jovem no estádio do Maracanã em uma rede social, desativada após sua morte, acabou vítima dos confrontos entre torcidas de futebol, mesmo envolvendo um time só. No sábado à tarde, o entorno da arena na Pompeia teve enfrentamentos de palmeirenses entre si e com a Polícia Militar.

O subcomandante do 4º Batalhão da PM, major Fábio Teodoro, afirmou sábado que a briga entre torcedores e o tiro deram início a um tumulto no local.

Além de Oliveira, um outro torcedor foi baleado na tarde de sábado no entorno da arena palmeirense. Um homem, segundo a polícia, acabou atingido com um tiro na mão. Em depoimento, a testemunha afirmou que ele e Dante correram junto com outros palmeirenses atrás do suposto atirador quando ouviram gritos de “pega ladrão”.

Em São José do Rio Preto (a 443 km de SP), um síndico acabou preso por ser suspeito de ter dado um soco que matou um advogado palmeirense durante o jogo com o Chelsea, na frente do prédio onde moravam.

“Ele estava com uma luz, estava diferente, estava ansioso”, afirma Silva, que diz ter conhecido o motoboy em uma academia de artes marciais onde Oliveira era professor de muay thai, e que se tornaram amigos inseparáveis nas arquibancadas do próprio Allianz Parque, em novembro de 2016, quando o Palmeiras ganhou o Campeonato Brasileiro ao vencer a Chapecoense.

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