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Sob rejeição e críticas, Tóquio quer que abertura inspire batalha contra Covid

Sem muito clima para festa, a abertura de Tóquio-2020 não terá como escapar da grave crise sanitária pela qual passa o mundo

Marcus Eduardo Pereira

22/07/2021 0h28

Foto: Kim Kyung-Hoon/REUTERS

LEANDRO COLON
FOLHAPRESS

Na véspera da cerimônia de abertura da Olimpíada de Tóquio, as ruas da cidade escutam com frequência o som das sirenes de ambulâncias e o barulho do trânsito infernal, mas parecem surdas aos apelos das autoridades para que os japoneses recebam os Jogos de braços abertos.

Com a chancela do imperador Naruhito e diante de poucos chefes de Estado, a festa que dará início oficial ao evento pretende passar a mensagem de que o esporte pode inspirar e ajudar o mundo a enfrentar a pandemia de Covid-19 em meio a críticas internas e externas em torno de sua realização.

Às 8h (horário de Brasília) desta sexta (23), o Estádio Nacional, na região de Shinjuku, assistirá ao começo formal de uma Olimpíada sem precedentes: trata-se da primeira edição adiada da história (de 2020 para 2021) e, provavelmente, a única em que a maioria da população local teme e rejeita as competições.

O comitê organizador tem dado poucas indicações do roteiro da cerimônia. Sem muito clima para festa, a abertura de Tóquio-2020 não terá como escapar da grave crise sanitária pela qual passa o mundo. Das mais de 4 milhões de mortes provocadas pela Covid-19, 15 mil ocorreram no Japão.

O que se sabe até agora é que a abertura, cuja duração prevista é de três horas, deve lembrar que a pandemia, ainda pujante em diversas partes do mundo, teve impacto no cotidiano das pessoas e mudou as relações entre elas. Assim, o slogan escolhido para o evento foi “unidos pela emoção”, e a expectativa é a de que a cerimônia explore a ideia de que Tóquio-2020 pode levar coragem e esperança num momento difícil, algo que o comitê local tem chamado de “o poder do esporte”.

A missão de agradar não é fácil. Tóquio abre a Olimpíada de 2020 no mesmo palco da inauguração dos Jogos de 1964, mas desta vez sob estado de emergência, medida imposta desde o dia 12, e com registros de mais de 1.000 casos de Covid por dia, patamar considerado delicado no contexto local.

Nesta quarta, foram registradas 1.832 novas infecções, na primeira vez em seis meses que esse índice superou o patamar de 1.800 contaminações em um único dia. De acordo com dados oficiais, até agora 75 casos da doença estão relacionados à competição, cinco dos quais na Vila Olímpica.

Em 1964, os japoneses celebraram sua reabertura ao mundo após a Segunda Guerra. Agora, em 2021, 70% da população duvida que os Jogos serão realizados com segurança, segundo o jornal Asahi Shimbun.

As arquibancadas do estádio palco da festa, com capacidade para 68 mil pessoas, estarão vazias devido à decisão que vetou a presença de público nos espaços das competições. Antes, os organizadores chegaram a estimar que até 10 mil pessoas estariam na cerimônia desta sexta. A expectativa, porém, tem sido reduzida dia a dia –as últimas previsões citam no máximo mil presentes.

Poucos chefes de Estado devem prestigiar o evento. Espera-se a presença de no máximo 30 líderes, cifra inferior aos cerca de 40 que estiveram no Rio em 2016, que, por sua vez, recebeu metade do número de Londres-2012. A grande estrela anunciada é a primeira-dama dos EUA, Jill Biden. O presidente francês, Emmanuel Macron, também confirmou presença, muito mais por uma razão diplomática: Paris será a sede da Olimpíada de 2024. Ambos receberão tratamento especial do premiê japonês, Yoshihide Suga.

O governo brasileiro enviou como representante do presidente Jair Bolsonaro o ministro da Cidadania, João Roma, a quem a secretaria especial de Esporte é vinculada. Já o imperador Naruhito deve comparecer sozinho ao Estádio Nacional para declarar a abertura dos Jogos, sem a companhia de nenhum membro da família imperial, segundo a emissora japonesa NHK. A mídia local também aponta que ele deve evitar o uso do verbo “celebrar”, como forma de respeitar o momento de pandemia.

Questionado pela reportagem, o comitê local de Tóquio-2020 se negou a responder sobre a quantidade de pessoas previstas na cerimônia, entre autoridades, atletas, convidados, patrocinadores e jornalistas –limitou-se a informar que o número de atletas será menor do que em edições anteriores.

A justificativa do órgão é que a confirmação da participação dos atletas na festa ocorre no momento em que eles chegam ao país. “Como esse procedimento ocorre até um dia antes do evento, não temos como estimar o número de participantes”, afirmou o comitê. A organização disse ainda que, devido às restrições impostas na Vila Olímpica, muitos competidores chegarão a Tóquio somente depois do dia 23.

Duas presenças, porém, já estão garantidas. A delegação brasileira terá pela primeira vez uma dupla de porta-bandeiras: a judoca Ketleyn Quadros, que ganhou o bronze em Pequim-2008, e o levantador Bruninho, ouro na Rio-2016 e prata em Pequim e Londres-2012. Segundo o COB (Comitê Olímpico do Brasil), o número de atletas na cerimônia deve ser definido em cima da hora –uma reunião ocorrerá nesta quinta (22) e outra na manhã de sexta, horas antes do desfile, para definir os detalhes logísticos.

É em meio a esse cenário de apreensão e protocolos que o comitê local, dirigido desde fevereiro por Seiko Hashimoto, quer convencer japoneses e estrangeiros que a Olimpíada é viável e, por que não, necessária.

A ex-atleta assumiu o comando do órgão após a queda de Yoshiro Mori, acusado de dar declarações sexistas “”ele afirmou que mulheres se prolongam demais em reuniões e que, por isso, era preciso limitar o tempo de fala delas. O episódio só fez sacudir ainda mais um evento em turbulência constante desde o adiamento no ano passado, decisão que levou o gasto com os Jogos a US$ 15,4 bilhões, um aumento de 22%, devido à renegociação de contratos e de medidas anti-Covid.

Hashimoto, 56, participou de três Olimpíadas como ciclista e de quatro Jogos de Inverno como patinadora. Até assumir a chefia de Tóquio-2020, assessorava o premiê japonês, um dos entusiastas da Olimpíada.

A chegada dela também reforçou a pretensão de Tóquio de usar as competições para promover e exaltar a igualdade de gênero, sobretudo depois da crise que derrubou Mori. Para o rito do juramento, a organização escolheu seis pessoas –três homens e três mulheres–, sendo dois atletas, dois juízes e dois treinadores.

O comitê só não esperava mais confusão na véspera. Na segunda-feira, a Toyota, uma das principais patrocinadoras dos Jogos, informou que, além de deixar de circular anúncios publicitários na abertura, o presidente da empresa, Akio Toyoda, não pretende comparecer ao estádio. Segundo a mídia local, outros apoiadores, como Panasonic e Procter & Gamble, também não enviarão representantes.

No mesmo dia do anúncio da montadora, um dos compositores da cerimônia desistiu de participar do evento. Conhecido pelo nome artístico Cornelius, Keigo Oyamada, 52, viu sua presença ser bombardeada devido a declarações nos anos 1990, em que confessou ter praticado bullying com crianças deficientes.

Oyamada deixou o posto e o abacaxi no colo do comando dos Jogos. Na terça-feira (20), a reportagem acompanhou uma entrevista coletiva de Hashimoto e do diretor-geral do comitê, Toshiro Muto, na qual a mídia local fez uma enxurrada de questionamentos sobre a escolha do compositor. Sem disfarçar o constrangimento com o episódio, a dupla que dirige Tóquio-2020 repetia pedidos de desculpas a cada pergunta.

“Deveríamos ter feito uma escolha com rigor e não fomos capazes. O pilar desses Jogos é a diversidade e a harmonia em todos os níveis. Fomos preparados para esse ideal”, lamentou Hashimoto.

CERIMÔNIA DE ABERTURA
Local: Estádio Nacional, em Tóquio (JAP)
Horário: 8h (de Brasília) desta sexta-feira (23)
Transmissão: Globo, SporTV e BandSports

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