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Como o Brasil poderia usar princípio da extraterritorialidade no caso Vinicius Junior?

O crime de racismo praticado contra o atacante Vinicius Junior, do Real Madrid, está previsto no artigo 7º do Código Penal Brasileiro.

FolhaPress

23/05/2023 15h50

Foto: Reprodução/Instagram

Fernanda Mena

O princípio da extraterritorialidade, evocado pelo ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), como um “remédio extremo” que poderia ser usado pelo Brasil caso autoridades espanholas não adotassem medidas contra o crime de racismo praticado contra o atacante Vinicius Junior, do Real Madrid, está previsto no artigo 7º do Código Penal Brasileiro.

O texto define os crimes que “ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro” e os divide em duas categorias:

1) crimes incondicionados, em que a aplicação do princípio independente de qualquer condição, como crime de genocídio e aqueles cometidos contra a vida do presidente da República, por exemplo;

2) crimes condicionados, entre os quais estão aqueles que o Brasil se comprometeu, por tratado ou convenção, a reprimir, e em que a aplicação do princípio depende de algumas condições.

“Esse é o caso do crime de racismo”, explica o professor de direito internacional da USP Geraldo Miniuci, citando a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância promulgada pelo Brasil em janeiro de 2022.

A convenção obriga os Estados a prevenir, eliminar, proibir e punir com suas normas constitucionais todos os atos e manifestações de racismo, discriminação racial e formas correlatas de intolerância. O Brasil também ratificou, em 1968, a Convenção sobre a Eliminação de todas das formas de Discriminação Racial da ONU.

RACISTA PRECISA VIR AO BRASIL

Segundo Miniuci, a aplicação extraterritorial da lei brasileira depende de uma série de condições, que precisam ser todas cumpridas. Entre elas está o crime ter sido cometido contra brasileiro e ser punivel tambem no pais onde foi praticado.

Além disso, o criminoso precisa entrar no território do Brasil sem que tenha sido previamente preso ou absolvido por aquele crime em seu país de origem. Ou seja, o caso precisa estar impune.

“A lógica da extraterritorialidade nesses casos é que a lei brasileira só será aplicada em um crime cometido em outro país quando as autoridades daquele país não aplicarem as suas próprias leis a quem cometeu o crime”, explica Gustavo Badaró, professor de processo penal da USP.

Se todas as exigências forem observadas, cabe ao Ministério da Justiça fazer a requisição.

“Em tese, portanto, sim, é possível a aplicação extraterritorial da lei penal brasileira, mas, na prática, essa hipótese depende do acúmulo de condições, dentre elas, a de que os responsáveis entrem no território brasileiro, talvez a mais difícil de ser cumprida”, resume Miniuci.

VALE A DECISÃO DA JUSTIÇA ESPANHOLA

O advogado e professor de direito penal da USP Pierpaolo Cruz Bottini destaca que, no caso de crimes condicionados, “a Justiça brasileira é subsidiária e só é exercida quando não houve julgamento no país de origem”. “Se houve julgamento, e o agente do crime foi absolvido ou condenado e cumpriu pena, não vale a jurisdição brasileira”, explica ele.

Em todo caso, o princípio só pode ser aplicado, quando há um ou mais agentes do crime identificados, o que não havia ocorrido até as declarações do ministro da Justiça sobre o recurso ao princípio da extraterritorialidade.

Nesta terça-feira (23), a polícia da Espanha prendeu sete suspeitos de racismo contra Vinicius Junior. Entre os presos estão três torcedores que teriam feito ofensas ao atleta durante a partida contra o Valencia, neste domingo (21), pela LaLiga -o Campeonato Espanhol.

“Como a Justiça espanhola já deu andamento a procedimentos penais, inclusive com a detenção de pessoas, não há razão para instauração desses procedimentos no Brasil”, aponta o advogado Pedro Dallari, professor do Instituto de Relações Internacionais da USP. “O que deverá ocorrer neste caso é uma forte pressão diplomática brasileira, que fará movimentar a Justiça espanhola.”

Badaró aponta que, se o criminoso estiver sendo processado na Espanha, mas não tiver sido absolvido nem condenado, e ingressar no Brasil, ainda que para passar férias, ele pode ser processado pelo crime de acordo com a lei brasileira.

Ele cita o caso de Margarida Bonetti, herdeira que vive em uma mansão abandonada em Higienópolis acusada de manter uma empregada em condições análogas à escravidão durante 20 anos nos EUA, como exemplo de tentativa de aplicação do princípio da extraterritorialidade.

Bonetti, que foi personagem central do podcast da Folha A Mulher da Casa Abandonada, apresentado por Chico Felitti, deixou os EUA quando estava sendo investigada pelo crime, com isso, deixou de ser processada por lá. Pelo princípio da extraterritorialidade, Bonetti poderia ter sido processada no Brasil pelo crime, que prescreveu, no entanto, antes que as autoridades a conseguissem localizar. “Já o crime de racismo é imprescritível”, destaca Badaró.

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