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Política & Poder

Quem paga o pacto?

Bolsonaro sentiu-se legitimado pelas manifestações de domingo, que foram menores que os atos do dia 15 de maio pelos cortes na educação. Temos, portanto, uma população dividida

Lindauro Gomes

30/05/2019 11h42

Rudolfo Lago
[email protected]

Não tem nada mais velho nessa ideia de “nova política” do que essa história de pacto nacional pelo país. Por isso, com o perdão dos leitores, vai aí acima um título que também é velho e já foi usado bem mais de uma vez em algum veículo nestes últimos mais de 30 anos desde a redemocratização.

Bem lá atrás, no começo dessa história, José Sarney propôs o primeiro pacto. Herdava de forma trágica e inesperada a Presidência com a doença e morte de Tancredo Neves. Tinha a correta convicção de que não estava legitimado pela sociedade. Morria de medo de um retrocesso pelas mãos e botas ainda muito poderosas dos militares. Propôs, então, o que se chamou de “pacto social”. Para reforçar o pacto, adotou como slogan o “Tudo pelo social”. Ao qual o jornal humorístico Planeta Diário rapidamente acrescentou: “E nós pela entrada de serviço…”

O pacto durou enquanto Sarney foi popular com o Plano Cruzado. Degringolou quando a população percebeu que o Cruzado era uma farsa sustentada por um artificial congelamento de preços. Por conta da farsa, o PMDB, partido de Sarney, elegeu todos os governadores do país, com exceção de Sergipe, onde foi eleito João Alves, do PDS. Logo em seguida, os preços foram descongelados e dispararam rapidamente. A população revoltou-se. Em Brasília, quebrou tudo na Rodoviária no episódio que ficou conhecido como “Badernaço”. E lá se foi o pacto… Sarney enfrentou uma CPI da Corrupção, perdeu um ano de mandato na Constituinte, inventou o Centrão que até hoje nos visita para negociar rádios e outras benesses para evitar outras perdas, levou o país a uma hiperinflação sem precedentes. Terminou o mandato como um dos presidentes mais impopulares da história.

Itamar Franco também propôs seu pacto. O então líder do governo, Pedro Simon, batizou-o de “condomínio da governabilidade”. Talvez tenha sido o que mais sucesso obteve com esse entendimento. Havia uma compreensão tácita entre os partidos políticos de que tinham responsabilidade grande em fazer com que o governo Itamar desse certo. Afinal, tinham derrubado num processo de impeachment logo o primeiro presidente eleito democraticamente por voto direto depois da ditadura militar. Precisavam mostrar que tinham tão somente se valido de um instrumento constitucional para dar solução política a uma crise. O “condomínio” uniu-se a Itamar. Mesmo o PT – que ajudou a derrubar Collor, mas preferiu ficar oficialmente de fora – fazia uma oposição branda.

Mas as urgências da disputa política também desmontaram o pacto. Inicialmente, Itamar cogitou lançar à Presidência na sua sucessão seu ministro da Previdência, o jornalista Antônio Britto, ex-porta-voz de Tancredo Neves. O hoje senador Tasso Jereissati (CE) costurava com o hoje presidiário Luiz Inácio Lula da Silva uma aliança entre o PSDB e o PT. Mas houve o Plano Real, e a sorte eleitoral e política mudou de lado. Lula, que então liderava todas as pesquisas para presidente, resolveu ficar contra o Real. O plano deu certo. Nunca mais houve hiperinflação no país. O país voltou a poder planejar sua vida financeira. O ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que vinha de perder uma eleição para Jânio Quadros para prefeito de São Paulo e tivera dificuldades para se eleger senador, virou pule de dez na disputa presidencial e desbancou Lula. Iniciou-se aí a tola divisão entre coxinhas e petralhas que dominou o debate político e resultou na derrota de ambos com a vitória de Jair Bolsonaro.

Certamente, agora, Bolsonaro sentiu-se legitimado pelas manifestações de domingo. Que foram, sim, expressivas. Mas menores que os atos de protesto do dia 15 de maio pelos cortes na educação. Temos, portanto, uma população dividida. Mais, talvez, do que temer reações da sociedade quanto à manutenção dos velhos instrumentos da barganha ou outras palavras de ordem do tipo, o que pode ter movido os presidentes da Câmara, do Senado e do STF a aceitarem o tal pacto proposto foi o vislumbre de fogo alto no circo se os grupos organizados de um lado e de outro continuarem marchando nas ruas, num estranho e perigoso revesamento, um em reação ao outro.

O que parece ter se acertado, portanto, é um pacto de não agressão. Bolsonaro para de criticar Rodrigo Maia. Que para de atiçar o Centrão para que coloque entraves ao governo nas votações no Congresso. José Antônio Dias Toffoli para, por sua vez, de colocar Alexandre de Moraes para perseguir inimigos e tentar censurar a imprensa. E segue-se, assim, o barco.

Aí, voltamos ao título surrado lá de cima, que já perguntava há mais de 30 anos quem perde quando se fazem esses entendimentos. Porque alguém sempre tem que ceder num pacto. E geralmente quem entra de candidato a ceder geralmente é a sociedade, que não participou dele. Quem entra, quem fica de fora na reforma da Previdência e outras reformas estruturantes que vierem a ser acertadas? O pacto suspende, arrefece ou ameniza as investigações de combate à corrupção? É “com o Supremo, com tudo”? Inclui, por exemplo, tirar o Coaf do Ministério da Justiça? O Coaf que investigou Fabrício Queiroz, o ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente?

Será algo à la João Gilberto? Será que a “voz do pacto” é “mesmo um desacato”?

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