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Saúde

Enfermeira de Brasília compartilha as experiências de vida que a pandemia trouxe

Jornal de Brasília

11/05/2021 17h42

COVID-19 mudou completamente a vida da maioria das pessoas em todo o mundo. Usar máscara, álcool em gel e distanciamento físico se tornou algo do nosso dia a dia por serem as ferramentas mais importantes na luta contra a pandemia, porém mais coisas foram adicionados a essa balança, o medo de perder o emprego, preocupar-se com a doença e os entes queridos,  as aulas e encontros se tornaram online, e acostumar se com a solidão e a impossibilidade de ver e conviver com familiares e amigos, e para nós brasileiros é pior pois temos a necessidade de abraçar, de tocar, somos pessoas sociáveis. Sendo uma estudante morando nos Estados Unidos foi difícil viver todo esse evento longe da minha família, quando o primeiro caso oficial surgiu no país, o então presidente Donald Trump afirmou que tudo estava sob controle, porém depois de alguns dias, paulatinamente o governo foi tomando diretrizes e medidas restritivas assim que os o número de mortos crescia.

A escalada da doença foi rápida e os governadores passaram a anunciar medidas que restringiam a circulação, passou a recomendar que idosos ficassem em casa, e por fim lockdown. Confesso que inicialmente fiquei animada com a ideia do lockdown, e para mim que sou caseira, quão difícil poderia ser ficar em casa?  Inicialmente foi fácil, eu estava aproveitando o dia todo, jogando com as crianças, assistindo filmes, cozinhando (que amo) e atualizando leituras.  Mas após um tempo, essa alegria de estar em casa passou e comecei a me sufocar com a novidade, lentamente o lockdown não era mais legal. Assumir o papel de professor dos meus filhos em matérias que já passei por elas há mais de vinte e cinco anos, e pior de tudo, em inglês, foi uma das dificuldades que tivemos que enfrentar. Quando nós mudamos, estávamos pensando nos nossos dois filhos pequenos, hoje com 8 e 10 anos. Queria que eles vivessem a experiência de estar em um país de primeiro mundo, ter acesso a uma nova cultura e no futuro boas oportunidades.

Porém, viver em outro país gera algumas “incertezas” e “inseguranças”, o que se intensificou com o surto da Covid19, pois como enfermeira sabia que não era uma simples doença e foram justamente as crianças que mais nos preocupava, se eu adoecesse nós não teríamos ninguém para cuidar dos meus filhos. Além do mais não era só medo de pegar a doença, mas também de ser tratado, ter que ir para o hospital e gerar uma conta altíssima, pois os Estados Unidos não têm um sistema público de saúde como o SUS no Brasil, os hospitais são privados, e com custos altíssimos, o que causa ainda mais receio de se contaminar- Lembro que minha filha quando chegamos teve suspeita de Flu pagamos $5.000 cinco mil dólares para o hospital.

É verdade que o governo daqui dá um seguro de saúde para quem é cidadão, e nós não temos direito a esse seguro porque somos imigrantes documentados, porém sem seguro social, que é como um CPF no Brasil, e nesse período nós estávamos impossibilitados de receber qualquer auxílio tanto do governo brasileiro quanto do americano, graças a Deus nós não precisamos de ajuda comunitária, como aconteceu com muitos amigos brasileiros aqui. Muita gente passou grande dificuldade, foi despejado, foi morar na rua. O aluguel é uma das dívidas que mais preocupa, pois aqui não é como no Brasil, não conseguiu pagar o aluguel, tem ordem de despejo e em poucos dias os oficiais vêm na sua casa pede para que se retire e simplesmente lacra as portas. Deixando claro que durante 2 meses no auge do Covid o estado proibiu de despejar os moradores que não pagaram seus aluguéis, carros ou outros financiamentos. Porém, após 2 meses aqueles que mantiveram em atraso foram despejados ou perderam seus veículos. Tenho um amigo que passou a morar em seu carro porque não tinha mais condição de arcar com a moradia, pois a maioria dos imigrantes além de tudo ajudam suas famílias em seu país de origem, e nesse tempo a maioria dos imigrantes estavam com dificuldades para sobreviver nos Estados Unidos e manter a família no Brasil, e por isso muitas famílias não tinham condições de fazer uma reserva. muitos amigos desistiram, e voltaram após perderem tudo em pouco tempo de pandemia. É muito triste ver os sonhos e planos de uma vida inteira se desfazer.

Após algum tempo de frustrações e vendo e vivendo situações difíceis, descobri que existem maneiras efetivas de lidar com essa pressão.  Claro que em comunidade há uma enorme perda de empregos, economia e mais importante de tudo, vidas. Porém existem sim algumas coisas boas que aprendemos com tudo isso. A família pode usar esse momento pra usufruir de um tempo de qualidade, e construir forte relações, infelizmente não percebemos o quanto sentimos falta de alguém até imaginar que podemos perdê-los, e isso me fez ver a importância de meu esposo e filhos no meu papel de bom ser humano. Outra coisa, aprendi a economizar, não só dinheiro, mas meu tempo.  Antigamente eu gastava horas de qualidade para fazer compras e ir ao mercado, agora uso o sistema de compras on-line e gasto essas horas com meus filhos, ou produzindo, eu entendo como isso deve ser difícil, não importa o quão assustado, preso ou sozinho você se sinta, as coisas só podem melhorar.  Reserve um tempo para revisitar as coisas que você ama e lembre-se de que tudo isso acabará. 

Texto de: Tatiane Pimentel, enfermeira com registro profissional no COREN-DF 505.509. Formada no UNICEUB em Brasília e pós-graduada em urgência e emergência.

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