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Saúde

Discussão de rol da ANS foi superficial, diz presidente de associação de planos

O presidente da Abramge, Renato Freire, vê com preocupação os critérios para a cobertura de tratamentos e procedimentos fora do rol da ANS

FolhaPress

31/08/2022 11h12

Foto: Divulgação

STEFHANIE PIOVEZAN
SÃO PAULO, SP

O presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), Renato Freire Casarotti, vê com preocupação os critérios para a cobertura de tratamentos e procedimentos fora do rol da ANS (Agência Nacional de Saúde) estabelecidos no projeto de lei aprovado na segunda-feira (29) no Senado. Segundo ele, a entidade estuda levar a discussão ao STF (Supremo Tribunal Federal).

“Ficou sempre na discussão do taxativo versus exemplificativo, nessa discussão superficial, nunca entrou no detalhe de quais são os critérios dessas exceções”, afirma. “Não somos frontalmente contrários às exceções, mas os critérios ficaram muito abertos.”

O projeto de lei afirma que a operadora deve oferecer tratamento desde que “exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico” ou que “existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais”.

PERGUNTA – Qual a avaliação da Abramge sobre a decisão do Senado?
RENATO FREIRE CASAROTTI – O ponto que mais nos preocupa são os critérios de cobertura. Se fossem os dois juntos, estaríamos bem menos preocupados, mas eles não são cumulativos, e entendemos que o primeiro inciso do artigo tem duas falhas: ele fala só “eficácia”, e qualquer avaliação para incorporação de uma terapia ou medicamento tem de avaliar eficácia, se ele funciona, custo-efetividade, se dentre as alternativas existentes é a mais eficiente; e a mais importante de todas, que foi completamente ignorada, segurança.

P. – A segurança é avaliada nas fases iniciais da pesquisa clínica.
RFC – Nada disso está descrito no inciso. E não está implícito, tanto que os três critérios são analisados separadamente. Por que não está escrito? Qual a necessidade de deixar implícito se não há nenhum tipo de resistência à inclusão da segurança como critério? Essa resposta nunca veio.
E há também o fato de não trazer isso junto com já ter sido incorporado em pelo menos um país. Por que temos que ser laboratório? Por que tem que ser primeiro incorporado no Brasil?
Ninguém sentou para debater os critérios de exceção. Ficou a falsa dicotomia da saúde contra a economia. A saúde dos consumidores versus o resultado financeiro das operadoras. O que tinha de ser discutido no detalhe não foi.
Vamos ter uma discussão extremamente fragmentada, cabendo a cada juiz decidir o que é comprovação de eficácia por evidência científica. Vai ter uma variabilidade enorme de decisões e isso é prejudicial.

P. – A regulamentação não seria suficiente para fechar essa lacuna?
RFC – Acho difícil. A regulamentação não pode criar um critério que não existe na lei. Concordo que é possível uma regulamentação indicando o que são padrões mínimos de evidência científica, e seria muito bem-vinda, mas não sei se ela pode ir além do que é eficaz. Isso que eu tentei falar no Senado. “Vamos debater esse critério, tem como deixar melhor, mais seguro para as pessoas”. Mas ali já não havia espaço para debate.
E por que faz diferença se fossem os dois critérios juntos? Porque para ser incorporado em um sistema de saúde, eu sei que aquele país analisou eficácia, segurança e custo-efetividade. É um tratamento que já passou pelo crivo de alguém com expertise para fazer essa avaliação. É até injusto pedir para um juiz avaliar o caso individual de um tema que é tão técnico.

P. – Se a lei for sancionada sem vetos e o parecer do STF for favorável aos usuários, quais os impactos para as operadoras de saúde?
RFC – É difícil precisar. Já há muita judicialização, mas ter isso previsto numa lei não havia. A mudança vai ser percebida nas demandas judiciais. E vai ser muito difícil precificar. Traz um componente de insegurança grande e a chance de errar na precificação é enorme, seja para baixo ou para cima, porque não consigo precisar o risco. O plano de saúde estima um risco e coloca um preço projetando o quanto ele vai se concretizar ao longo do tempo. Se eu não sei o risco, a chance de errar é muito grande. Esse é o principal impacto no curtíssimo prazo.

P. – O valor com gastos judiciais não tem de ser previsto de antemão?
RFC – Esses recursos são para despesas assistenciais, então entram no preço. E a projeção leva em conta o histórico de demandas judiciais, que perde valor por conta dessa mudança. Vamos ter um ano de experiência para entender qual o resultado prático. Vou dar um exemplo: hoje a lista da ANS dá uma referência do que tem tratamento com radiografia ou com ressonância magnética. Com um critério de “comprovação de eficácia por evidência científica”, abre-se espaço para médicos indicarem ressonância em casos que a radiografia atenderia plenamente.

P.- Algumas entidades preveem a redução na judicialização. Elas acreditam que, por agora haver critérios, os pedidos poderiam tramitar de forma administrativa nas operadoras. O senhor imagina essa diminuição?
RFC – Depende, é muito de caso a caso. Eu tendo a acreditar que não. Pode acontecer em casos excepcionais.

P. – Pesquisas mostram lucro crescente no setor de planos de saúde. Qual a ameaça então?
RFC – É preciso diferenciar resultado operacional e resultado financeiro. O que cresceu nos últimos meses foi o resultado financeiro, de aplicações financeiras. O resultado operacional, que é o que recebo dos beneficiários versus o que eu pago, é um prejuízo de R$ 970 milhões no ano passado e de R$ 1,1 bilhão no primeiro trimestre deste ano. “Ah, mas isso é compensado com receita financeira.” Receita financeira é dinheiro da operadora que está aplicado no banco.

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