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Saúde

Coronavírus derivado de morcegos infecta quase 70 mil por ano, diz estudo

No geral, apenas quem teve contato direto com morcegos ou com seus fluidos corporais acaba ficando doente

FolhaPress

10/08/2022 7h54

Comércio de morcegos em mercado na ilha de Sulawesi, na Indonésia – Ronny Adolof Buol/AFP – Ronny Adolof Buol – 8.fev.2020/AFP

Reinaldo José Lopes
São Carlos, SP

Todos os anos, quase 70 mil pessoas estão sendo infectadas por algum tipo de coronavírus vindo de morcegos no Sudeste Asiático, estima uma equipe internacional de pesquisadores. O número ajuda a dar uma dimensão mais concreta para o tamanho do problema de saúde pública representado pelo aumento das interações entre seres humanos e os mamíferos voadores —é muito provável que a Covid-19 tenha surgido dessa maneira.

Para sorte da humanidade, a quase totalidade desses casos é uma espécie de beco sem saída em termos epidemiológicos. Ou seja, em geral, apenas a pessoa que teve contato direto com morcegos ou seus fluidos corporais acaba ficando doente e, depois de algumas semanas, consegue se recuperar sem que o vírus seja transmitido para outras pessoas. No entanto, o acúmulo de casos, com o passar do tempo, aumenta as chances de que algum desses causadores de doenças adquira uma capacidade maior de infectar seres humanos.

Os métodos que permitiram estimar o tamanho desse risco estão descritos num artigo que acaba de sair no periódico científico Nature Communications. Um dos coordenadores do levantamento é Peter Daszak, da EcoHealth Alliance, em Nova York, que também participa da equipe cujo trabalho tem apontado a provável origem da Covid-19 num mercado de animais silvestres em Wuhan, na China.

“Achamos que as pessoas que correm mais risco são as que têm contato com fezes, saliva, urina ou sangue de morcegos”, explicou Daszak à Folha. “Elas podem estar fazendo isso sem saber, tocando a urina ou as fezes dos animais numa caverna ou onde eles se alimentam à noite.”

“O risco também é alto para quem está envolvido com a caça e o processamento dos cadáveres dos morcegos e para quem trabalha no comércio e na criação de outros mamíferos silvestres que também carregam coronavírus derivados de morcegos”, diz ele. “Estamos falando de dezenas de milhões de pessoas nessa região.”

Entre essas espécies estão vários carnívoros de pequeno porte típicos da região, como as civetas, os cães-guaxinins e os furões-texugos. Estima-se que o mercado de criação dessas e de outras espécies selvagens movimente dezenas de bilhões de dólares na região anualmente.

Para chegar à estimativa de infecções anuais, Daszak e seus colegas levaram em conta, em primeiro lugar, a distribuição geográfica dos habitats de 26 espécies de morcegos que sabidamente carregam em seu organismo coronavírus transmitidos por via respiratória, semelhantes ao causador da atual pandemia e também de duas doenças que emergiram desde o começo deste século, a Sars e a Mers.

Há pelo menos dois grandes fatores ambientais que são importantes para a presença desses bichos: florestas e abrigos calcários (com grutas onde eles podem morar), embora algumas espécies também tenham colonizado regiões agrícolas e áreas urbanas.

Pensando apenas no número de espécies de morcegos que carregam coronavírus, as regiões sob maior risco são o sul da China, o leste de Mianmar e o norte de Laos. Juntando como requisitos a riqueza de espécies e a densidade populacional humana, o problema fica mais agudo, outra vez, no sul da China e em Mianmar, e passa a preocupar também no norte da Índia e na ilha de Java, na Indonésia.

Juntando esse dado sobre populações mais expostas com informações sobre a presença de anticorpos (sinal de infecção por diferentes coronavírus) e a frequência de contato entre humanos e morcegos, a equipe chegou à estimativa de 66 mil infecções anuais. Dependendo dos parâmetros estatísticos utilizados, o número poderia ser menor, em torno de 39 mil casos.

Não existem caminhos simples para reduzir o risco, segundo o especialista. “Infelizmente, o comportamento humano é complexo, então a nossa estratégia também precisa ser complexa”, diz ele.

“Um bom começo é trabalhar com as pessoas que têm ocupações de alto risco —os que coletam fezes de morcegos em cavernas para usar como fertilizantes ou na medicina tradicional, os que trabalham em fazendas e mercados com animais selvagens. Encorajar essas pessoas a usar equipamentos de proteção individual, lavar as mãos e evitar o contato com os animais pode ajudar bastante. Também estamos trabalhando com aldeões que vivem perto das cavernas para ensiná-los o valor desses animais, como evitar o contato e reduzir os riscos para a saúde deles, o que vai reduzir o risco para todos no planeta.”

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