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Uso da AGU blinda Bolsonaro de eventual processo eleitoral, dizem juristas

Com mudança na Lei ficou estabelecido que não há dolo para o agente público quando atos do governo forem embasados com pareceres técnicos

Redação Jornal de Brasília

28/06/2022 19h12

Foto: Banco de imagem

O decreto que atribui ao advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal, a palavra final sobre a legalidade dos atos do governo nas áreas eleitoral e financeira tem como um dos objetivos blindar o presidente Jair Bolsonaro (PL) de eventuais ações de improbidade administrativa em ano de eleições, de acordo com especialistas ouvidos pelo Estadão.

Com a mudança na Lei de Improbidade Administrativa, no fim do ano passado, ficou estabelecido que não há dolo para o agente público quando atos do governo forem embasados com pareceres técnicos.

Em baixa nas pesquisas e atrás de marcas sociais que revertam a queda nos índices de aprovação, o presidente quer viabilizar a criação do chamado “auxílio caminhoneiro”, no valor de R$ 1 mil, o aumento de R$ 70 no vale-gás e de R$ 200 no Auxílio Brasil sem ferir a legislação eleitoral e de improbidade às vésperas da eleição.

De acordo com o professor de direito constitucional, Elival da Silva Ramos, titular da Universidade de São Paulo (USP), o decreto pode ser utilizado como argumento de defesa para eventuais ações na Justiça contra o presidente por uso da máquina pública para fins eleitoreiros.

“Pareceres são opiniões, interpretações da lei, e podem ser que órgãos de controle entendam diferente da AGU. O governo se beneficia no âmbito da improbidade administrativa porque o governo estará sempre decidindo suas ações com base em pareceres técnicos jurídicos. A mudança no entendimento da Lei de Improbidade Administrativa, sancionada pelo próprio presidente no fim do ano passado, vai nesse sentido, de necessidade de dolo (culpa)”, afirma.

Silva Ramos salienta, no entanto, que o decreto não atinge o âmbito eleitoral, uma vez que os pareceres da AGU não servem como anteparo de ações de cassação ou impedimento de candidatura na Justiça Eleitoral.

“Já no plano eleitoral, não há benefício. A Lei das Eleições prevê que fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei. Mesmo com um parecer da AGU, se a Justiça eleitoral entender que há abuso do poder político, pode haver sanções”, explica o professor.

De acordo com advogados especialista em administração pública e direito constitucional ouvidos pelo Estadão, a reorganização das estruturas do Poder Executivo e dos órgãos de aconselhamento jurídico do governo são uma prerrogativa da Presidência da República e, portanto, a mudança em si não incide em ilegalidades, apesar de feita em ano de eleições.

Pareceres sigilosos

Outro ponto sensível do decreto levantado pelo advogado Breno Vasconcelos, professor e pesquisador no Insper e na Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), é em relação ao sigilo imposto pela AGU em pareceres jurídicos feitos a pedido da Presidência da República.

Com experiência em pedidos de esclarecimentos via Lei de Acesso à Informação, Vasconcelos explica que o decreto que amplia as atribuições da AGU deve ser analisado em conjunto com o parecer interno de número 15 do órgão, de 2020.

O texto estabelece que pareceres relativos à constitucionalidade ou legalidade de atos normativos feitos pela AGU a pedido da Presidência da República são sigilosos e não estão sujeitos, por exemplo, à Lei de Acesso à Informação.

“Ainda que os ministérios e suas consultorias jurídicas tenham dúvidas sobre a conformação de atos normativos com as normas eleitorais ou fiscais, não poderão se pronunciar, pois isso caberá apenas ao AGU. Somando isso ao sigilo desses pareceres, cria-se uma espécie de silêncio interno, no governo federal e nos seus órgãos técnicos, quanto às ilegalidades ou inconstitucionalidades contidas em alguns atos normativos encaminhados à sanção presidencial”, diz Vasconcelos.

Estadão Conteúdo

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