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Política & Poder

Um show de horrores. Mas não há a bala de prata

Não parece haver ali, o tiro de morte capaz de fazer concluir, sem sombra de dúvida, que o presidente Jair Bolsonaro pretendia interferir na Polícia Federal

Rudolfo Lago

22/05/2020 20h55

Há uma série de coisas muito tristes e outras muito graves no vídeo da famosa reunião ministerial do dia 22 de abril. Mas, a não ser que se associe a outros episódios que venham a ser descobertos ao longo do inquérito aberto após a denúncia feita pelo ex-ministro Sergio Moro, não parece haver ali a bala de prata, o tiro de morte capaz de fazer concluir, sem sombra de dúvida, que o presidente Jair Bolsonaro pretendia interferir na Polícia Federal para proteger sua família e seus amigos.

Quanto a isso, a vilipendiada imprensa já tinha feito seu papel. Tudo o que fora dito na reunião a respeito desse que era o objeto da denúncia feita por Moro, os jornalistas já tinham apurado e publicado. De fato, com relação a isso, a conversa na reunião pouco esclarece à guerra de versões e interpretações que já havia. A divulgação da íntegra não tornou, com relação ao objeto da investigação, nada mais esclarecedor. Talvez a irritação que Bolsonaro demonstra em diversos momentos com a imprensa venha justamente do fato de que ela exerce muito bem o seu trabalho, como mais uma vez ficou demonstrado.

Fora desse que é o ponto central que levou à divulgação do vídeo, porém, há na reunião, como dito, uma série de coisas tristes e graves. O primeiro ponto que fica claro de todo o conteúdo é que Bolsonaro está, sim, muito preocupado com o risco de interrupção do seu mandato. Esse é o pano de fundo de toda a sua irritação. De todos os seus xingamentos. Ele sabe que, por razões que nunca ficaram muito claras, resolveu trafegar na contramão do mundo no que diz respeito à pandemia do novo coronavírus. Via da qual pulou fora mesmo o seu guru Donald Trump. E o que ele busca o tempo todo, de forma alterada, é a cumplicidade de seus ministros para a sua opção tresloucada. Alguns embarcam animados na sua perigosa trip. E quais são os que embarcam não surpreende. Outros parecem constrangidos. E esses não surpreendem também.

É triste ver o presidente determinar aos seus ministros que não falem com a imprensa. É a constatação explícita da sua total falta de compreensão sobre o trabalho dos jornalistas e do que seja exercer um governo com transparência. Jornalistas são os olhos da sociedade. São pessoas que recebem uma procuração informal da sociedade para ir aonde a sociedade como um todo não pode ir.

Não é possível colocar 200 milhões de brasileiros dentro do Palácio do Planalto para acompanhar de perto as atividades do governo. E o governo não dirá à sociedade com transparência o que a sociedade precisa ouvir. O governo sempre só dirá o que é seu desejo que seja dito. Não há jornalismo a favor. Jornalismo a favor é propaganda.

Mais do que triste, é grave ouvir o presidente dizendo que precisa armar a população para que ela possa reagir a atos como a determinação de prisão de pessoas que insistem em ficar nas ruas sem cumprir o isolamento social. É grave um presidente pregar a desobediência civil. É grave um presidente não compreender que prefeitos e governadores estão amparados por decisão do Supremo Tribunal Federal para aplicar as medidas de isolamento. Não porque queiram ser arbitrários. Mas porque querem preservar a saúde das suas populações. A Constituição, que o presidente aponta para falar sobre o direito de ir e vir, não tem apenas direitos. Tem também deveres. O raciocínio do presidente esquece-se de um princípio expressado há anos em um dito popular: “O seu direito acaba onde começa o meu”. Ninguém tem direito de, ao sair às ruas, colocar em risco a vida dos demais. Isso é básico desde os primeiros códigos e leis escritas pela humanidade.

É grave e é triste ouvir o presidente concluir, por conta de prisões dos que insistem em descumprir o isolamento social, que “é fácil fazer ditadura no Brasil”. Fácil para quem? Talvez seja fácil para aqueles que não respeitam os demais, para os que não compreendem que acima dos direitos individuais sempre terão que estar os direitos coletivos.

E, então, é triste ver o coro dos mais assanhados. É muito triste e é muito grave ouvir – embora a frase já tivesse sido divulgada – o ministro da Educação, Abraham Weintraub, pregar que os ministros do Supremo Tribunal deveriam ser presos. País que prende ministros do Supremo por fazerem seu trabalho, definitivamente, não é democracia.

É triste e é grave ver e ouvir o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, dizer que se devia aproveitar que a imprensa hoje só tem a atenção voltada para o novo coronavírus para flexibilizar regras de proteção ambiental, revelando-se inteiramente como o ministro da destruição do Meio Ambiente. Ou, pelo menos, como alguém disposto a driblar os trâmites para obter o que deseja.

Mas talvez nada disso configure crime de responsabilidade. Talvez tudo isso sirva somente para reforçar a impressão de quem gosta de um governo sem papas na língua, que não se preocupa com liturgias e prudências. Para quem preza a democracia, um show de horrores. Para quem prefere sempre e sempre testar os seus limites, talvez não…

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