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Política & Poder

Saúde terá desafio de reduzir filas de cirurgias e exames e reverter queda na vacinação

A avaliação é de especialistas, secretários de saúde e membros da equipe de transição do novo governo

FolhaPress

29/12/2022 10h37

Foto: Reprodução

Natália Cancian
Belo Horizonte, BH

Gestores de saúde terão que lidar em 2023 com cenário de fila de cirurgias e exames represados, queda na cobertura vacinal em crianças, alerta por piora em indicadores de saúde e necessidade de, entre outros pontos, planejar novas medidas de controle e de monitoramento da Covid -sob risco ainda de novas emergências.


A avaliação é de especialistas, secretários de saúde e membros da equipe de transição do novo governo ouvidos pela reportagem. “Serão vários desafios sobrepostos”, diz Nésio Fernandes, presidente do Conass, conselho que reúne gestores de saúde estaduais.

Uma das primeiras tarefas, segundo o grupo, deve ser a reestruturação do Ministério da Saúde, pasta responsável por coordenar nacionalmente a gestão do SUS junto a estados e municípios e alvo de sucessivas crises e trocas de gestão nos últimos três anos.

“O principal desafio do primeiro trimestre vai ser colocar o Ministério da Saúde para funcionar novamente, porque ficou paralisado”, diz Rosana Onocko, presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Ela questiona a falta de informações da pasta sobre o planejamento de vacinas contra a Covid para 2023, por exemplo.

A atual presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, foi anunciada como nova ministra da Saúde a partir de janeiro. Segundo especialistas, ela terá o desafio de recuperar a capacidade técnica da pasta. “Sem isso, não se consegue fazer um programa de vacinação funcionar, por exemplo”, diz o médico sanitarista e professor da FGV Adriano Massuda.

Secretários de saúde apontam ainda outras questões. Uma delas é lidar com a fila de cirurgias e exames represados devido à pandemia -levantamento do Conass aponta deficit de 1,6 milhão de internações por cirurgias eletivas e 10,4 milhões de cirurgias ambulatoriais nos anos de 2020 e 2021, passivo que ainda precisa ser resolvido.

Outros atendimentos também ficaram represados, diz Massuda. A partir do volume de atendimentos nos anos anteriores, e incluindo dados de 2022, ele estima que o total de procedimentos represados e não ligados à Covid passe de 1 bilhão desde o início da pandemia.

“Houve um volume grande de exames que deixou de ser realizado, fazendo com que problemas que poderiam ser detectados precocemente não fossem identificados”, completa. “Vemos chegar casos de câncer com piora no prognóstico. As filas de especialidades também aumentaram.”

A Covid, aliás, também segue como desafio. Para especialistas, faltam dados sobre efeitos prolongados da doença -a chamada Covid longa. Outra urgência é reorganizar meios de monitorar a epidemia diante da baixa testagem e da queda na mortalidade pela vacinação.

“É como se tivesse dirigindo um caminhão com venda nos olhos. Não sabemos o que está acontecendo”, afirma Onocko.
Mesmo alerta vale para a necessidade de estimular as pessoas a completarem o esquema vacinal contra a doença. Dados do Ministério da Saúde apontam que 61 milhões de pessoas não buscaram o primeiro reforço.

“Temos muitos brasileiros com dose incompleta, que estão indo para intubação”, diz Mauro Junqueira, secretário-executivo do Conasems, conselho que reúne secretários municipais de saúde.

Ele pede que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) faça algum gesto simbólico em defesa da imunização. “O presidente vai ter que nos primeiros dias chamar a imprensa, arregaçar as mangas e tomar vacina. Precisa dar o exemplo”, diz.

De acordo com gestores, 2023 deve iniciar com a necessidade de preencher vagas geradas pelo fim de contratos de parte dos profissionais do Mais Médicos, por exemplo. Nos últimos meses, o programa vinha sendo substituído por uma nova versão, o Médicos pelo Brasil, mas ainda com poucos editais até o momento.

Entram ainda no conjunto de urgências a necessidade de reverter a queda na cobertura vacinal entre crianças -situação que se agrava desde 2015 e traz o risco de retorno e avanço de doenças antes tidas como eliminadas- e a piora recente de alguns indicadores de saúde em áreas diversas.

A taxa de mortalidade materna, por exemplo, passou de 75,74 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2020, para 114,62 em 2021, ano dos dados completos mais recentes disponíveis. Até então, essa taxa vinha em patamar de estabilidade.

Em outro sinal de alerta, levantamento da Fiocruz mostrou que, em 2021, o SUS registrou em média oito internações de bebês por dia devido à desnutrição. Ao todo, foram 2.979 hospitalizações por esse motivo, o maior número dos últimos 13 anos. Novo aumento era previsto para 2022.

Para Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde e coordenador do grupo técnico da área na equipe de transição, a piora nos indicadores evidencia uma situação “crítica”. Segundo ele, mapeamento feito pelo grupo apontou problemas de gestão do Ministério da Saúde.
“É uma situação de total caos. São milhares de doses de vacinas vencendo, ou que não sabem informar os estoques.”

Chioro diz que foi feito um levantamento de questões urgentes a serem tratadas no próximo ano. “Identificamos pontos de alerta importantes, como potencial de suspensão de serviços de hemodiálise, falta de insumos estratégicos e problemas de informações.”

A equipe também recomendou 10 medidas prioritárias para a próxima gestão. Entre elas, estão retomar a capacidade de coordenação do SUS, reestruturar o Programa Nacional de Imunizações, fortalecer a resposta à Covid e outras emergências e reduzir filas de atendimentos, com oferta de redes especializadas.

O plano ainda prevê melhorar a provimento de profissionais na atenção básica e resgatar o programa Farmácia Popular, entre outros pontos.

Nesta semana, o Congresso aprovou texto de PEC que recompõe R$ 22,7 bilhões ao orçamento da Saúde.

Para Fernandes, do Conass, o valor ajuda, mas não diminui a crise de financiamento da saúde. “É um problema crônico. O SUS tem espaço para melhora da eficiência [do gasto]? Tem, mas onde já tem serviços. Os vazios assistenciais ainda são gigantescos”, diz.

A reportagem questionou o Ministério da Saúde sobre pontos citados pelos especialistas, como a falta de informações sobre a vacinação contra a Covid em 2023.

Em nota, a pasta diz que o volume adquirido de vacinas nos contratos atuais atende a demanda do próximo ano, mas não informou a quantidade ainda prevista para ser entregue. Ainda segundo o ministério, os grupos que devem ser contemplados na vacinação ainda estão em definição.

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