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Política & Poder

Primeira Dama

Elas foram belas, carolas, dondocas, turronas, sobressaltadas, exiladas e até impedidas

Gustavo Mariani

10/09/2023 7h35

De início, elas não se envolviam em políticas e nem em atividades sociais. Mas, a partir da década-1930, Darci Vargas (foto), esposa do presidente Getúlio Vargas, se ligou na questão social e teve papel relevante em programa de desnutrição infantil e levando a Legião Brasileira de Assistência para todo o país.

O termo “primeira dama” vem do “firt lady”, criado nos Estados Unidos para Lucy Raynes, que atuava em áreas carentes, hospitais e asilos, durante o governo do marido-presidente Rutherford Raynes (1877 a 1871). Antes, o máximo que fizera Martha, esposa de George Washington – primeiro presidente dos Estados Unidos, eleito em 1789 e reeleito em 1792 -, fora acompanha-lo em aparições pública e algumas reuniões de políticos.

Ainda não havia o termo “dondoca”, mas as primeiras “primeiras damas brazucas” eram aquilo. Muito provavelmente, por falta de leitura. A Dona Marianinha (Mariana Cecília de Sousa Meireles Fonseca), por exemplo, só se ligava na asma e nos problemas cardíacos do marechal Deodoro da Fonseca, o nosso proclamador da república. O que mais houvesse não lhe interessava. Achava que o Exército estaria, incondicionalmente, lado dele – não esteve tanto, tanto que o obrigou a renunciar.

Da segunda “primeira dama” desse país – Josina Vieira da Fonseca – não se pode cobrar nada, pois era uma menina, de 14 de idade, quando o seu primo e então tenente-coronel Floriano Peixoto, ao chegar da guerra contra o Paraguai (1864-1870), a desposou e a engravidou por 11 vezes. Já a terceira “primeira dama” – Adelaide Benvinda Gordo de Morais Barros – teve um rasgo de participação política durante o mandato do nosso primeiro presidente civil, Prudente de Morais (1894 a 1898), incentivando-o a anistiar rebeldes da Marinha e do Rio Grande do Sul.

Ana Gabriela Ferraz de Campos Sales era molecota, de 15 de idade, quando caiu na lábia do futuro presidente Manuel Feraz. Por ser tão menina, suas famílias foram contra o casório, tendo a dele nem pintado no evento, sobretudo porque os dois eram primos-irmãos. Ana Gabriela só participava de festas quando o protocolo da Presidência da República lhe exigia. Numa dessas vezes, ela não compareceu, recusando-se cumprir o papel protocolar, o que levou a mulher do então ministro da Justiça, Epitácio Pessoa, a “quebrar o galho” na função que, futuramente, seria dela.

SEM ELAS – Após Campos Sales, o Brasil não teve “primeira dama”, pois o sucessor – Rodrigue Alves – era viúvo. Com aquilo, a quinta ocupante do “cargo” foi a Dona Mariquinha, isto é, Maria Guilhermina Moreira Pena, esposa do presidente Afonso Pena, mulher muito elegante e que adorava aparecer do lado do marido, em solenidades. Só isso. O que faltava de ânimo político nela, no entanto, sobrava em Anita Peçanha, a linda mulher do presidente Nilo. Pra começo de conversa, ela saía na porrada com inimigos políticos do marido. Aliás, nem este escapou, quando mandou-lhe a primeira cantada, querendo namorá-la. Levou uma lata de goiabada na cara.

No governo seguinte, o do presidente e marechal Hermes da Fonseca, o Brasil teve duas “primeiras damas”. A primeira, Orsina Francione da Fonseca, sua prima, não deixou uma linha de história; a segunda, Nair de Teffé, levou a música do povão (corta jaca, maxixe, lundu e o samba) para dentro do palácio presidencial. No mais, não quis saber de mais nada. Acrescente-se a isso só um casamento estrondoso, com navios da esquadra brasileira iluminando a Baía de Guanabara e disparando os seus canhões em homenagem aos nubentes. Coisa de “milico” para a “dondoca” filha de Barão de Teffé!

Vimos acima que Josina Fonseca (14) e Ana Gabriela (15) largaram as suas bonecas pra serem futuras “primeiras damas”. Nem só elas. Maria Carneiro Pereira Gomes, aos 16, fez o mesmo, embora já não brincasse mais de pular macaco. Casou-se com Venceslau Brás e mostrou-se ajuizada e criou asilos para velhinhos desamparados. Não usava carros oficiais, a não ser quando acompanhasse o presidente em ocasiões que o protocolo exigisse.

A décima “primeira dama” chamou-se Francisca Ribeiro de Abreu Moreira e nem teve tempo para “primeiradamar”. Explica-se: o marido, Delfim Moreira, que substituiu (por motivos de saúde), o viúvo Rodrigues Alves (primeiro presidente eleito pela segunda vez), também jogava no time dos “sem-saúde” e, oito meses depois, passou desta para uma melhor, como se dizia, antigamente.

Para completar o time das 11 “primeiras damas”, o então deputado constituinte paraibano Epitácio Pessoa convocou uma jovem, de 20 de idade, a linda Maria da Conceição Manso Pessoa, a Mary, que aconteceu, pra valer. Foi o realce das grandes festas promovidas pelo presidente-marido, comemorativas do centenário da independência do Brasil, em 1922, exibindo inteligência, refinamento, graça e elegância, no que a imprensa chamou por “delírios de megalomania”. E não era pra menos. Afinal, a Mary Pessoa, que falava inglês, francês e alemão, e pintava belos quadros, havia convivido com reis, rainhas e afins na Europa, sem falar que a sua importante família carioca adorava uma badalação.

Badalar não poderia ser com Clélia Vaz de Melo Bernardes, a “primera dama” que mais dormiu em camas diferentes – com o presidente Artur Bernardes, evidentemente. Simplesmente, porque o presidente passou quase todo o seu governo com o país em estado de sítio e temendo que o Palácio do Catete, onde residia, fosse bombardeado por canhões de navios ‘revoltosos’. A sobressaltada Dona Clélia não teve como viver o social, pois o Bernardão vivia enfrentando conspirações.

POLITIZADA – A sucessora de Clélia, Sofia Pereira de Sousa,e foi a primeira “primeira dama” a participar de reuniões políticas do governo. Também, a primeira exilada, por ter Getúlio Vargas derrubado o governo do seu marido-presidente Washington Luís. A queda deste permitiu ao Brasil ter “primeira dama” de longa duração, Darci Dorneles Vargas. Ela segurou a peteca entre 1930 a 1945 e de 1951 ao 24 de agosto de 1954, quando o presidente Getúlio Vargas meteu uma bala na cuca. Darci foi muito atuante”, socialmente, mas sem se envolver em política. Conhecera o marido quando tinha 13 de idade e sempre lhe fora solidária, até mesmo nas muitas chifradas que levava, fazendo de contas não saber que Getúlio fartava-se de amantes.

Após Getúlio ter “saído desta vida para entrar na história”, segundo ele, o Brasil teve o que se pode chamar de “primeira dama tampão”. Luzia Linhares, mulher do ministro José Linhares, presidente do Supremo Tribunal Federal, ficou sendo por só três meses, o tempo gasto pelo país para fazer nova eleição presidencial. Ela comemorar a sua subida ao “cargo” com uma grande recepção que bombou nas colunas sociais.

Bem diferente da socialite Luzia, a 16º “primeria dama”, Carmela Dutra, preferia, fervorosamente, contatos imediatos com Deus e todos os santos e santas do Céu. “Carola das carolas” (mais católica do que o Papa), ganhou o apelido de Dona Santinha e ordenou ao presidente Eurico Gaspar Dutra construir uma capela no Palácio Guanabara, a então residência presidencial. Por conta daquele seu lado místico dela, um assessor do Dutra, também fanático religioso, sugeriu-lhe proibir o funcionamentos de cassinos no país, por “serem um antro de perdição”, e jogou a culpa na Dona Santinha. Colou na boca do povo e “ela ficou sendo, sem nunca ter sido”, a responsável pelo desemprego de milhares de brasileiros. Só aparecia em público quando ia à missa, diariamente, com o marido-presidente.

Se o Brasil já tivera “primeria dama” exilada, faltava-lhe uma “impedida”. Mas esta pintou na figura da Dona Jandira, que participou, intensamente, das atividade sociais do presidente Café Filho (1954/1955). Deixou a festa quando o Café foi pro saco, coado, pingado e “impedido” de ser digerido – politicamente.

Bem pior aconteceu com Graciema Coimbra da Luz, a 18ª. Esteve “primeira dama”, por um dia, e, rapidão, se apagou, pois Carlos Luz, o seu marido, tomou posse, gerou crise militar e foi deposto. Abriu vaga para mais uma “primeira dama tampão” de trê meses no posto, Beatriz de Oliveira Ramos, casada com Nereu Ramos e sucedida por uma ocupante estável do cargo, Sarah Kubitscheck de Oliveira (foto) , que esteve “primeira dama” entre 31 de janeiro de 1955 a 31 de janeiro de 1961.

Foi a primeira a atuar em Brasília, de 21 de abril de 1960 e 31 de janeiro de 1961, quando o presidente Juscelino Kubitscheck passou o cargo a Jânio Quadros. As suas muitas ações sociais chamavam a atenção da imprensa, como a criação da instituição beneficente Pioneiras Sociais, na capital do país.

Sarah foi substituída por Eloá Quadros, que passou os sete meses do governo de Jânio sem ver as “forças terríveis” que fizeram o seu marido renunciar à presidência da república. Não viveu a Brasília social e nem política. Só viveu o Palácio da Alvorada, junto com a cachorra Muriçoca. A sua sucessora, Sílvia Mazzilli, também viveu pouco o status de “primeira dama”, mesmo que por duas vezes. A primeira, em agosto de 1961, quando o marido e deputado Ranieri Mazzilli, presidente da Câmara, teve mandato tampão entre a renúncia de Jânio Quadros e a volta do vice que assumiria, João Goulart, o Jango, que estava na China, e em abril de 1964, quando o cara caiu e Mazzili voltou ao “cargo-beija-flor”, para e convocar eleições indiretas para presidente. Neste fase, Sílvia era uma “primeria dama” fantasma, pois o poder já era exercido, de fato, pelo pelo Comando Supremo da Revolução, liderado pelos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica.

LA BELA – Com o Jango governando a república, o Brasil teve a sua mais jovem e mais linda “primeira dama”, Maria Tereza Fontela Goulart, que brilhou entre setembro de 1961 a março de 1964, quando o presidente Goulart foi derrubado pelos militares. Repetindo o que acontecera, em 1930, Maria Tereza repetiu Sofia Pereira de Sousa (esposa de Washington Luís) e, também, acompanhou o marido ao exílio – ela, no Uruguai.

Para a revista francesa Paris Match, juntamente com Jacqueline Kennedy (casada com o presidente John Kennedy, dos Estados Unidos), Maria Tereza formava dupla das “primeiras damas” mais belas e charmosas do planeta.

Maria Tereza casou-se aos 16 de idade, bem como Maria Carneiro Pereira Gomes (parceira do presidente Venceslau Brás). Não tinha maturidade para se ligar em trabalhos sociais, como na Legião Brasileira de Assistência, verdadeira obrigação das “primeiras damas”. De tão garotona que era, certa vez, saiu da piscina do Palácio da Alvorada, de biquini, e invadiu reunião do presidente com os seus ministros. Tempos depois, foi sacando os caminhos da política partidária e esteve do lado de Jango no comício da Central do Brasil – Rio de Janeiro, 13 de março de 1964 -, quando o seu marido anunciou reformas estruturais que apressaram golpe militar, dezoito dias depois. Tempinho passado, mais politizada, Tereza reencarnou Anita (mulher do presidente Nilo Peçanha e que não levava desaforos para casa) e soltou a porrada na cara do general Assis Brasil – chefe do Gabinete Militar de Jango -, que lhe garantira ter montado esquema capaz de desmanchar qualquer tentativa golpista.

A queda do Jango deixou a beleza longe do Palácio do Planalto, pois o primeiro presidente do regime militar golpista, o general Humberto Castello Branco, era viúvo, como Rodrigues Alves. Depois dele, veio uma nova “primeria dama”, Yolanda Costa e Silva (esposa do presidente-general Artur da Costa e Silva). Mulher turrona, era temida pelos ministros civis e odiada pelos militares que a viam como autêntica “eminência parda” – espécie de poderoso assessor/conselheiro, “rei das peruadas”, nos bastidores. A ela foi atribuído o começo da carreira política de Paulo Maluf.

Diferentíssimas de Yolanda foram Scylla Médici e Lucy Geisel (respectivamente, casadas com os generais-presidentes Garrastazu Medici e Ernesto Geisel). Pareciam não existir, ao contrário de Dulce Figueiredo, que curtia sair em fotos ao lado do cantor brega espanhol Julio Iglesias. No real, estava separada do general-presidente João Figueiredo, só aparecendo do lado dele para fotografias em dias festivos. Se deslumbrava com o “glamour” do poder.

Aquele deslumbramento da Dulce não era o esporte predileto da primeira “primeria dama” pós regime militar, Marly Sarney (mulher do presidente José Sarney) e que começou a ser namorada por ele quando tinha 14 de idade – casaram-se quando ela tinha 20.

Mulher discreta, Marly no entanto, “chegava junto” quando o marido abria a guarda para velhos adversários politicos. Não se metia em política, mas, no social, mandou, ver na Legião Brasileira de Assistência, entidade que serviu para o país odiar a “primeira dama seguinte”, Rosane Malta Brandão, chamada por Rosane Collor, por causa do marido- presidente Fernando Collor de Mello. A entidade foi fechada pelo Collor, devido acusações de que sua mulher a usava em benefício de amigos e familiares. Era vista por interiorana (das Alagoas) deslumbrada, que combinava roupas com bolsas, cintos e sapatos. Quando o Collor de Melo despediu-se do poder, por conta de “empeachment”, ela estava, de mãos dadas, com ele, ouvindo o povo apupa-lo.

O próximo presidente, Itamar Franco, repetiu Rodrigues Alves e Castello Branco (viúvos), sendo que ele era separado da mulher, o que deixou o país “desprimeirodamado”, de dezembro de 1992 a 1994. A seguir, Brasília passou a conviver com mais uma mulher brilhante, a socióloga Ruth Cardoso (foto), tão intelectual quanto o também sociólogo marido-presidente Fernando Henrique Cardoso.

Discreta, ela tinha todo o cuidado de não ofusca-lo e evitava que o seu trabalho na Comunidade Solidária (criadas por ela) fosse vinculado a ações do Governo. Embora não se metesse em política, em casa, criticava algumas decisões do chefe da nação. Não gostava de ser chamada por “primeira dama”, de ser comparada a antecessoras e nem de participar de festas.

Embora não tivesse o nível cultural de Ruth Cardoso, a “primeira dama” que a sucedeu, Marisa Letícia (mulher do presidente Luís Inácio Lula da Silva) não era, também, chegada a badalações. Só pintava em eventos políticos ou oficiais, quando usava a sua intuição para livrar o presidente dos indesejáveis, no que era muito ouvida.

Esteve invicta neste quesito, nunca errando sobre os chamados “arroz-de-festa”. Cuidou da família para o Lula fazer política e chegar ao poder. Por isso, ele lhe deu um gabinete/escritório no Palácio do Planalto, a primeira a tê-lo.

De janeiro de 2011 a agosto de 2016, tempo em que venceu duas eleições e sofreu um “impeachment”, a presidente Dilma Roussef não teve uma “primeira dama”, por ser heterossexual, e nem um “primeiro damo” – primeiro cavalheiro é o termo correto para maridos de governantes -, por ser separada de Carlos Carlos Franklin Paixão de Araújo, com quem estivera casada entre 1969 a 2000.

O governo dela foi sucedido pela beleza da “belíssima-líssima” Marcela Temer, considerada, pela imprensa dos Estados Unidos, a primeira dama” mais linda do planeta. Casada com o presidente Michel Temer – quando tinha 20 de idade e ele 42 -, ela havia sido Miss Paulínia-SP e ficado em segundo lugar em um Miss São Paulo não oficial. Mas não se empolgou com a beleza.

Graduou-se em Direito, apresentou “Fertilização In Vitro no Direito Brasileiro”, por trabalho de conclusão de curso e, como primeira dama, atuou em programas sociais para a criança. Brilhou entre agosto de 2015 e janeiro de 2019, quando passou o cargo a Michelle Bolsonaro.

Michelle, dona de beleza tão grande quanto as de Anita Peçanha, Maria Tereza Goulart e Marcela Temer, entre janeiro de 2019 e janeiro de 2023, atuou em causas sociais ligadas a pessoas com deficiências em visibilidade, problemas raros de saúde, autismo, inclusão digital e inclusão de Libras nas escolas públicas, entre outros. Foi a primeira “primeira dama” candanga.

Nasceu em Ceilândia, cidade satélite de Brasilia e, por ser filha de família pobre, estudou em escola pública. Quando garotona sem juizo, teve uma filha com um namorado. Foi, também, a primeira a discursar no parlatório do Palácio do Planalto – durante a posse do marido-presidente, Jair Bolsonaro -, quando usou a Linguagem Brasileiro de Sinais para Surdos (Libras), e primeira a discursar na tribuna do Senado, durante sessão sobre a inclusão de medicamento para pessoa com atrofia muscular espinhal no SUS- Sistema Único de Saúde.

A atual “primeira dama”, Rosângela Lula da Silva, a Janja, não será citada por ter começado a sua rota há pouco tempo. O autor deste texto prefere ver o que ela fará de socialmente importante para o povo. Politicamente, já mostrou que gosta desse jogo.

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