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Política & Poder

Pregação impulsionou trajetória que pode levar Mendonça ao STF

Conforme vinha prometendo há meses para pastores, Bolsonaro confirmou sua pretensão de nomear para o tribunal seu atual AGU

Redação Jornal de Brasília

12/07/2021 12h37

Foto: Agência Brasil

Anna Virginia Balloussier
FolhaPress

Lá pelos idos dos anos 1990, André Mendonça ouviu uma pregação decisiva para impulsionar a trajetória terrivelmente evangélica que convenceu o presidente Jair Bolsonaro a indicá-lo para o STF (Supremo Tribunal Federal).

“A história de vida dele me impactou”, Mendonça contou para uma plateia de pares evangélicos sobre o que sentiu ao escutar o reverendo Assir Pereira, um policial federal aposentado que já presidiu a Febem (atual Fundação Casa) e ensaiava uma candidatura a deputado estadual por São Paulo.

“Quem sabe Deus não me usa pra ser pastor, como eu queria ser, mas também para ajudar nosso país”, refletiu o advogado em início de carreira, como sua versão mais velha e bem-sucedida reproduziu em maio, quando seu nome já encabeçava as apostas para ocupar a vaga de Marco Aurélio Mello na mais alta corte brasileira.

Conforme vinha prometendo há meses para pastores, Bolsonaro confirmou sua pretensão de nomear para o tribunal seu atual AGU (advogado-geral da União), que antes lhe serviu de leal ministro da Justiça quando Sergio Moro saiu da pasta batendo portas. O nome dele ainda precisa passar pelo crivo do Senado.

A fala de Mendonça naquele evento de direito religioso de maio ajuda a entender o novelo de fé que se enrosca com a ascensão profissional do homem que desejava ser um “agente do reino de Deus”.

Ele e Assir, o reverendo que o inspirou, são da chamada linha histórica dos evangélicos, de igrejas herdeiras da Reforma Protestante que, meio milênio atrás, rachou o monopólio cristão exercido pela Igreja Católica.

O André Mendonça dos velhos tempos “era advogado com único terno, único sapato, que já estava furado”, ele narrou para um público que incluía o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), a quem chamou de amigo. “E eu não sabia naquele momento se ia de fato conseguir ser pastor.”

Nestas quase três décadas que se passaram, Mendonça acumulou o título de líder presbiteriano e cargos de prestígio no Judiciário brasileiro, após temporada como advogado concursado da Petrobras.

Em 2021, gastou o paletó de pastor na campanha para ser ministro do STF. Em fevereiro, fez um giro por igrejas em São Paulo e aproveitou para visitar um velho conhecido, o reverendo Assir, hoje presidente da Sociedade Bíblica do Brasil. Uma das sugestões que lhe chegaram: distribuir a Bíblia nas capelanias das Forças Armadas.

Em junho, posou sem máscara, assim como 8 dos 9 presentes, na comitiva presidencial que viajou até Belém (PA) para celebrar os 110 anos da primeira Assembleia de Deus no Brasil. O deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) e o pastor Silas Malafaia, dois conselheiros evangélicos de Bolsonaro, estavam a bordo.

Feliciano lembra de outro petit comité com Mendonça, em agosto de 2020, quando comeram peixe (o símbolo cristão) num jantar do Instituto Brasileiro de Direito e Religião. O deputado conta que, na ocasião, não se furtou de brincar: “Ao meu amigo André, só falta uma coisa: ser pentecostal. Nem tudo é perfeito”.

Outro pastor, também com digitais políticas, faz outra troça, esta anônima: como pastor, Mendonça dá um ótimo ministro do Supremo.

Isso porque o advogado-geral é tido como um cara sério, “mais careta”, pouco afeito à oratória pirotécnica que embala muitas lideranças pentecostais.

“O André é um cara simples, não fala muito”, diz Malafaia. “Não é um cara de guerra, é extremamente pacificador.”
Os últimos meses, contudo, foram mais de guerra do que de paz. Quando a corte na qual almeja estar julgava se governos poderiam fechar igrejas para brecar o avanço da Covid-19, o AGU fez uma sustentação elogiada por pastores.

Após defender que “não há cristianismo sem a casa de Deus”, Mendonça disse que “os verdadeiros cristãos não estão dispostos jamais a matar por sua fé, mas estão sempre dispostos a morrer para garantir a liberdade de religião e de culto”. Os ministros do STF não se comoveram, e a maioria decidiu que estados e municípios poderiam paralisar atividades religiosas.

A posição de ataque, que seu entorno viu como calibrada para conquistar a nomeação “terrivelmente evangélica”, por vezes incomodou. Como ao pedir, quando era titular da Justiça, um habeas corpus para Abraham Weintraub, então chefe da Educação. Numa reunião ministerial em abril de 2020, Weintraub disse que, se dependesse dele, “colocava esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF”.

Parte dos presbiterianos também se ressentiu quando ele foi na jugular do colega Augustus Nicodemus Lopes. O reverendo disse à Folha que templos abertos na pandemia eram um direito constitucional, mas “muitas igrejas que querem manter o culto não fazem isso com preocupação cívica”, e sim por temer menos dízimo no caixa.

“Lamentável a forma preconceituosa e soberba com que Nicodemus se refere aos pentecostais”, Mendonça tuitou em reação à entrevista.

“Neste episódio em especial, acho que ele errou por criticar um membro da igreja dele, que falou algo que é a posição oficial da igreja”, diz Uziel Santana, fundador da Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos).

Que isso, contudo, não seja tomado como “empecilho ou desabono para ser ministro”, afirma Santana. Ele vê em Mendonça “um nome técnico, que antes do governo tinha um perfil bem low profile”.

É verdade que o AGU colocou de lado o perfil discreto, “mas, se fosse eu, faria diferente?”, questiona o advogado. “Lógico, é um candidato forte, meio que é natural, dentro de uma disputa, tomar algumas posições que possam ser questionadas de uma forma ou de outra.”

As muitas qualidades superam os poucos tropeços, segundo Santana. O advogado lembra-se de um capítulo em que Mendonça e Anajure marcharam juntos, quando ele saiu em defesa da pastora e cantora gospel Ana Paula Valadão. Ela virou alvo de procuradores após dizer que ser homossexual “não é normal”.

Mendonça foi ao Twitter dizer que respeitar homossexuais é “um princípio cristão”. Não significa, contudo, que um cristão “não possa questionar o homossexualismo [sic] com base em suas convicções religiosas”, não numa sociedade em que “os direitos às liberdades de expressão e religiosa são inalienáveis!!!”.

Naquele discurso para o mundo jurídico religioso, o aspirante à toga suprema contou que conheceu Bolsonaro oito, nove meses após entregar sua tese de doutorado na espanhola Universidade de Salamanca. Seu currículo chegou até o presidente, que, segundo ele, decretou: “Prepara o Twitter do rapaz aí que ele é o novo AGU”.

“É uma aventura quando a gente entrega a caneta a Deus”, afirmou Mendonça em maio.

Pastores lembram que, aos 48 anos, ele é novo e poderá resguardar por muito tempo a agenda conservadora no STF. A única dúvida, brinca um pastor, é se preenche um requisito de Bolsonaro para o cargo.

O presidente já manifestou desejo de indicar alguém que pudesse tomar cerveja com ele. Não parece ser o caso do irmão André.

As informações são da FolhaPress

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