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Política & Poder

Off Label: ‘Quem chefia saúde pública sou eu’, responde Queiroga à Anvisa

“Somos nós que garantimos assistência à saúde a 210 milhões de brasileiros. É necessário que o acesso seja amplo”, defendeu

Redação Jornal de Brasília

23/03/2022 17h19

Foto: Sérgio Lima/ AFP

Por Evellyn Luchetta e Geovanna Bispo
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O ministro da Saúde Marcelo Queiroga respondeu, na tarde desta quarta-feira, 23, à uma nota divulgada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O chefe da pasta afirmou que ‘quem chefia saúde pública sou eu’. A nota em questão critica a adoção de uma nova Lei, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) e publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta terça-feira, 22.

“Somos nós que garantimos assistência à saúde a 210 milhões de brasileiros. É necessário que o acesso seja amplo”, defendeu Queiroga ao ser questionado sobre a crítica da agência.

A polêmica se formou pois a aprovação altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Lei Orgânica da Saúde) permite que o Sistema Único de Saúde (SUS) faça uso de medicamentos com fins distintos daqueles aprovados pela Anvisa, medida que a Agência condena.

De acordo com o ministro, a demanda pela Lei é antiga, já que existem diversos medicamentos que a indicação dentro da bula não abrange todo o seu potencial de uso. “A solução veio através de solução legislativa, lei aprovada no Congresso Nacional. É um avanço para o SUS”, continuou.

O chamado ‘Off Label’ agora pode ser feito, com a condição de que seja recomendado pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), colegiado vinculado ao Ministério da Saúde.

O novo texto também inclui o uso de medicamentos adquiridos por organismos multilaterais internacionais pelo SUS, para programas de saúde pública do Ministério da Saúde e suas entidades vinculadas. O mecanismo será utilizado na obtenção de medicamentos de tratamento de doenças negligenciadas, para os quais não há interesse em registro ou fabricação no país.

Na nota rebatida por Queiroga, a Anvisa esclarece que respeita o processo legislativo constitucional estabelecido no Brasil. No entanto, a Agência apontou que a aplicação da mudança necessita de ações robustas do poder público para reduzir os riscos aos pacientes.

“Ainda que a nova Lei aponte para a ampliação do uso dos medicamentos e tecnologias em saúde, por meio do uso off label (fora das condições aprovadas) na bula, tal ampliação pode resultar em aumento dos eventos adversos não conhecidos. Para a segurança do paciente, faz-se necessário um rígido controle e monitoramento, com o estabelecimento de critérios revestidos de evidências científicas, responsabilização do ente público que vier estabelecer a incorporação de uso não aprovado pela Anvisa, devendo ser adotados procedimentos claros e transparentes”, afirma o informe.

Por fim, o chefe da pasta disse que todos têm de obedecer a Lei. “A Anvisa também tem a obrigação de monitorar, e todos nós temos que obedecer à lei. A Constituição e a Lei. O que é Lei é Lei. Cumpre-se”.

Para a especialista no direito à saúde, Carolina Mynssen, essa troca é muito complexa e intrigante. “A Anvisa desde sempre foi o órgão escolhido para suprir essas questões referentes a medicamentos, a tecnologia de exames e afins. Então, foi uma troca que, eu entendo, como não adequada, pelo menos neste primeiro momento para a nossa sociedade.”

Reafirmando que é um órgão de monitoramento, a Anvisa, disse, ao fim da declaração que já estuda maneiras de regulamentação de produtos e serviços que envolvam riscos à saúde. “Nos termos da Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, cabe à Anvisa a regulação, regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde da população. A Agência informa que já estuda a adoção de medidas regulamentares para fins de monitoramento, visando a proteção da saúde pública”.

Tramitação

Apesar de só ter sido sancionada em 2022, a tramitação deste PL é antiga, entrou no Senado Federal em 2015 e tem como autor, o ex-senador Cássio Cunha Lima (PSDB/PB). Durante o tempo em que circulou pela casa, muitos relatores foram destinados ao projeto. Já na Câmara, o último destinado, que participou da votação foi o ex-deputado Rafafá (PSDB).

O texto original, no entanto, não desautorizava a Anvisa nos processos. Essa parte do projeto foi inserida posteriormente, já neste ano. O projeto foi à sanção no fim de fevereiro e tramitou na Câmara em caráter de urgência.

Em plenário, diversos parlamentares se manifestaram a favor e contra o texto. “Esse projeto tem um cavalo de troia que visa impor ao SUS a aquisição de medicamentos não eficazes”, alertou o deputado Afonso Florence (PT-BA), ao encaminhar o voto da bancada do PT.

O deputado Henrique Fontana (PT-RS), é médico e, ao se manifestar contra a proposta, afirmou que a Conitec é um conselho nacional de incorporação de novas tecnologias no SUS. “Ele avalia. É uma comissão nacional. A Anvisa é a agência responsável por acolher ou não aquilo que a Conitec eventualmente decide como nova tecnologia a ser incorporada — pode ser um medicamento, pode ser um tipo de exame ou procedimento”. Mas, com esse texto aprovado, contra o nosso voto, a Anvisa não deve mais ter o papel de definir se um medicamento funciona ou não para uma determinada patologia. Por exemplo, o Bolsonaro poderia continuar receitando cloroquina, e a Anvisa não seria ouvida se a Conitec tivesse autorizado isso”.

O voto do relator, no entanto, afirma que o uso político da lei está fora de cogitação. “Compreendo a delicadeza do tema posto, em virtude das circunstâncias que temos vivido no decorrer do último ano, mas a clareza do artigo ao exigir evidências científicas acerca das indicações off-label recomendadas pela Conitec afasta quaisquer possibilidades de uso político da Comissão para a adoção de tratamentos clínicos”.

Veja a nota da Anvisa na íntegra:

“A Agência estuda a adoção de medidas regulamentares para fins de monitoramento, visando a proteção da saúde pública.

Em relação à publicação da Lei n° 14.313 de 21 de março de 2022, a Anvisa esclarece, inicialmente, que respeita o processo legislativo constitucional estabelecido no Brasil. Contudo, a Agência aponta que a aplicação da nova lei necessita de ações robustas do poder público para reduzir os riscos aos pacientes.

Ainda que a nova Lei aponte para a ampliação do uso dos medicamentos e tecnologias em saúde, por meio do uso off label (fora das condições aprovadas) na bula, tal ampliação pode resultar em aumento dos eventos adversos não conhecido. Para a segurança do paciente, faz-se necessário um rígido controle e monitoramento, com o estabelecimento de critérios revestidos de evidências científicas, responsabilizações do ente público que vier estabelecer a incorporação de uso não aprovado pela Anvisa, devendo ser adotados procedimentos claros e transparentes.

A autorização e incorporação de uso não previsto em bula, sem o respaldo técnico científico e a adequada farmacovigilância, obtido no processo regular de aprovação de registro de medicamento no Brasil, pode resultar em ônus ao sistema de saúde público e até mesmo às operadoras de planos de saúde, afetando o mercado sanitário nacional.

Convém registrar que o uso off label é reconhecido como condição por vezes necessária e restrita a prática clínica, podendo abranger não somente o uso em indicações não solicitadas à Autoridade Reguladora e, portanto, não autorizadas, mas também em condições outras que as estabelecidas em bula, relativamente a doses, a regimes posológicos, a população alvo (adulto/infantil/lactentes/grávidas), a forma de administração e outros.

A Agência esclarece que o detentor de registro é o responsável pelo produto, conforme regulamentação brasileira e internacional.

Adicionalmente, questões legais referentes aos critérios de registro, responsabilização por danos e compensação para pacientes devem ser avaliados com cautela quanto à proposição do uso off label.

Nos termos da Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999, cabe à Anvisa a regulação, regulamentação, controle e fiscalização de produtos e serviços que envolvam risco à saúde da população.

Por fim, a Agência informa que já estuda a adoção de medidas regulamentares para fins de monitoramento, visando a proteção da saúde pública.”

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