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Política & Poder

O Brasil de Bolsonaro: retrato de um país cada vez mais armado

Com uma caveira e o nome “Bolsonaro” na camisa, este ex-policial reitera uma das máximas do presidente: “povo armado jamais será escravizado”

Redação Jornal de Brasília

12/09/2022 15h55

Elitusalem Gomes Freitas se anima com o aroma da pólvora queimada: com um intimidante fuzil calibre 40, acertou várias vezes o alvo em um clube de tiro no Rio de Janeiro, um dos muitos que floresceram durante o governo de Jair Bolsonaro.

Com uma caveira e o nome “Bolsonaro” na camisa, este ex-policial reitera uma das máximas do presidente: “povo armado jamais será escravizado”.

Com decretos que facilitaram o acesso às armas, propiciou o salto de 117 mil para mais de 673 mil registros de CAC (Colecionador, Atirador Desportivo e Caçador), superando em número o efetivo (406.384).

Tantas armas nas mãos da população gerou temores sobre as eleições de outubro, a ponto do Supremo Tribunal Federal suspender temporariamente várias das novas facilidades de compra.

“Herança maldita”

“Hoje um civil pode comprar armas mais potentes que as próprias armas da polícia”, afirma Bruno Langeani, autor do livro “Arma de fogo no Brasil: gatilho da violência” e Gerente de Projetos do Instituto Sou da Paz.

“E para os CACs, os privilégios são ainda maiores: em alguns casos foi liberada a compra de até 60 armas por pessoa e 30 podem ser fuzis de assalto”, explica.

A ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública calcula que existam cerca de 4,4 milhões de armas em mãos de particulares no Brasil.

Esse número inclui as de CACs, armas em domicílio para defesa pessoal e outras categorias, como funcionários públicos, empresários ou armas de uso privado dos membros da Polícia, do Exército e outros agentes de segurança.

E um terço delas (1,5 milhão) estão com registro vencido. “Geramos um estoque que será uma herança maldita para as próximas gerações”, defende Langeani.

Em 2021, na contramão do número geral de homicídios, os assassinatos com pistolas e revólveres aumentaram 24%, de acordo com dados do ministério da Saúde.

Enquanto analistas vinculam o aumento a uma circulação maior de armas, o governo afirma que faltam dados para estabelecer a relação.

“Cidadãos de bem”

Mas para Gomes Freitas, ter armas é uma questão de liberdade individual e soberania nacional. “Não se trata de armar todo mundo, mas de permitir a aqueles que queiram fazer uma qualificação, apresentar certidões negativas (de antecedentes) que mostrem que ele é um cidadão de bem, para ter acesso a uma arma de fogo”, diz esse homem corpulento, que fura com sua munição uma silhueta branca de papel, suspensa na frente de uma parede de troncos de eucalipto que amortecem os tiros no clube Mil Armas de Nova Iguaçu, região metropolitana do Rio.

Ecoando as insinuações de Bolsonaro de que forças da oposição infiltradas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) podem fraudar a eleição de outubro, Gomes Freitas diz que está pronto para agir.

“Não posso admitir que meia dúzia de pessoas [os juízes do TSE] escolha o destino da nação, contrariando o que o povo votou. As armas são também para garantir essa liberdade, essa defesa da soberania nacional contra o inimigo interno”.

Embora acredite que os CACs extremistas são minoria, Langeani sustenta que “mesmo uma minoria radicalizada pode causar grandes danos”, como aconteceu durante a invasão do Capitólio dos Estados Unidos.

Um “shopping” de armas

Desde que Bolsonaro chegou ao poder em 2019, cerca de mil clubes de tiro foram abertos no Brasil até maio passado, segundo dados do Exército citados pelo portal UOL.

“Quando o governo facilitou o acesso às armas, entendi que tínhamos que caminhar junto”, disse à AFP Marcelo Costa, presidente do clube Mil Armas, inaugurado há quatro anos.

O recinto, ao qual se tem acesso por uma antessala onde é proibido manusear armas, tem estritas normas de segurança. Costa, que dirige o estabelecimento com seus dois filhos, que também praticam tiro. Sua esposa é uma psicóloga autorizada pelas autoridades a avaliar novatos.

Além de utilizar as instalações do clube, os associados contam com instrutores e assessoria jurídica para obter licença. E podem usar as armas do clube ou comprar as suas próprias.

“É como um shopping, temos tudo”, resume Costa, orgulhoso de vender armas “em até 12 vezes” para quem não pode pagar à vista: “podem custar de 5.000 a 20.000 reais”.

Langeani, do Instituto Sou da Paz, adverte por sua vez para o “risco” de que essas armas acabem nas mãos da milícia e do narcotráfico, como mostrou recentemente o caso de um colecionador preso no Rio de Janeiro com 60 armas (incluindo 26 fuzis) adquiridas legalmente, destinadas ao Comando Vermelho (CV), uma das maiores organizações criminosas do País.

© Agence France-Presse

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