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Política & Poder

Morde-assopra: a gangorra de Jair Bolsonaro

Governadores e líderes precupam-se com discurso errático do presidente sobre pandemia

Redação Jornal de Brasília

02/04/2020 7h55

Lucas Valença e Rudolfo Lago
[email protected]

Um dia depois de ter demonstrado certo recuo com relação à sua posição contrária às medidas de isolamento no combate ao novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro já criticava ontem novamente os governadores e postava no Twitter um vídeo fake que demonstrava a possibilidade de desabastecimento de alimentos que, na verdade, não se verificava. O comportamento errante do presidente, sua gangorra retórica que sobe e desce a cada dia, continua preocupando.

Na noite de terça-feira (31),Bolsonaro fez novo pronunciamento em cadeia de rádio e TV para falar da pandemia. Embora tenha tentado se valer de forma distorcida de uma fala do diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, o tom do presidente foi bem mais ameno do que vinha demonstrando antes.

Não combateu o isolamento, classificou a pandemia como “o maior desafio” das atuais gerações e somente ponderou, a partir do auxílio de Tedros, que é preciso se preocupar com o trabalho informal e as populações carentes.

Elogios, mas…

A mudança de posicionamento do presidente agradou aos governadores, apesar da distorção das palavras do diretor-geral da OMS. O governador de São Paulo, João Dória (PSDB), que tem sido um dos maiores opositores das atuais posições de Bolsonaro, elogiou o pronunciamento. “Eu, como cidadão, como brasileiro e como governador, fiquei feliz de assistir um presidente da República mais moderado e com bom senso, colocando uma mensagem equilibrada à população brasileira”, afirmou em entrevista à imprensa no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.

O problema é que a tal ponderação só pareceu durar algumas horas. “Mas amanheci preocupado, vendo o mesmo presidente da República numa postagem agredindo os governadores. Em qual presidente da República nós devemos confiar? Aquele que ontem fez uma mensagem ponderada no seu pronunciamento, ou no que menos de 12 horas depois faz uma agressão em postagem aos governadores? É preciso coerência, presidente.”

Era Bolsonaro de volta ao topo da gangorra. Na manhã de ontem, ele publicou um vídeo que mostrava desabastecimento no Ceasa de Belo Horizonte. E dizia: “Não é um desentendimento entre o Presidente e ALGUNS governadores e ALGUNS prefeitos..”, diz o presidente. “São fatos e realidades que devem ser mostradas”, prossegue. “Depois da destruição, não interessa mostrar culpados”, conclui o presidente.

O problema é que o vídeo compartilhado por Bolsonaro era falso. E ainda pela manhã foi desmentido pela Ceasa. Depois disso, o presidente retirou a publicação. Bolsonaro já teve nos últimos dias postagens retiradas tanto pelo Twitter quanto pelo Facebook e Instagram sob a alegação de disseminar desinformação.

O presidente de Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), também criticou-o pela publicação, dizendo que o presidente deveria ter mais cuidado com o que compartilha nas redes sociais.
De qualquer modo, governadores e outros líderes preferiram agir com cautela para evitar maior temperatura na fervura.

Espaço para um pacto

Cautelosos, os governadores evitaram botar mais lenha na fogueira e optaram por acenar para a possibilidade pacto proposta na véspera pelo presidente Jair Bolsonaro.

“Por enquanto prefiro levar em consideração sua manifestação de ontem e desconsiderar sua manifestação de hoje pela manhã”, concluiu o próprio governador de São Paulo, João Doria.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), que também recentemente rompeu com Bolsonaro por seus posicionamentos, elogiou o chamamento à união. “Essa união não pode deixar de existir, senão a gente não chega na ponta, no cidadão que mais precisa”, reforçou.

Já o representante do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), estabeleceu duas “providências fundamentais” para um possível pacto federativo, sugerido pelo Executivo federal. O primeiro é que a União deixe o “Ministério da Saúde coordenar a ação unificada nacional contra o coronavírus, com critérios técnicos”. Já a segunda condição é o pagamento da renda básica, aprovada pelo Congresso Nacional, a trabalhadores informais e pessoas em estado de vulnerabilidade social, no valor de R$ 600; fato que o presidente sancionou ontem.

Mas Dino também criticou a nova volta da gangorra bolsonarista. “Bolsonaro ontem falou em ‘pacto’. Mas começa o dia atribuindo a governadores problemas econômicos cujas soluções dependem do governo federal. O que mais faz falta ?”, afirmou.

Em Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), reforçou a necessidade do isolamento social para a “preservação das vidas”. “O presidente pode até distorcer palavras, o que é lamentável, por tirá-las de contexto e, assim, desrespeitar a fonte e o verdadeiro significado. Mas ele não conseguirá se desviar da realidade”, declarou em referência à fala distorcida do diretor da OMS.

O posicionamento mais polêmico ontem foi feito pelo ex-presidente Lula que afirmou ter pedido “um levantamento de quantos crimes de responsabilidade o Bolsonaro já cometeu” durante o mandato.

O PT ainda vive o trauma do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, mas o presidente de honra do partido flerta com a possibilidade de retirar Bolsonaro.

Saiba mais

No último dia 24, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), também chegou a se manifestar publicamente contra a atuação de Jair Bolsonaro.

“Se (Bolsonaro) não calar estará preparando o fim. E é melhor o dele que de todo o povo”, escreveu Fernando Henrique nas redes sociais.

As posições na contramão do planeta tomadas por Bolsonaro preocuparam até seu maior aliado internacional, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

Trump chegou a dizer que cogitava proibir voos entre os Estados Unidos e o Brasil diante da posição de Bolsonaro de querer relaxar o confinamento.

Preocupado com essa possibilidade, ontem Bolsonaro telefonou para Trump e procurou tranquilizá-lo. Conversaram, segundo o Planalto, sobre a pandemia e sobre as possibilidade se uso da hidroxicloroquina.

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