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Política & Poder

‘Ministro da Fazenda de Lula não deve tentar reinventar a roda na economia’, diz Paulo Hartung

Hartung disse também torcer por um governo amplo e que a futura gestão entenda o recado das urnas no pleito de 2022

Redação Jornal de Brasília

12/11/2022 7h26

O ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, de 65 anos, disse em entrevista ao Estadão que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva permanece no palanque falando para “dentro de casa” quando critica dar prioridade “a tal estabilidade fiscal” em detrimento aos problemas sociais.

“Lula precisa descer do palanque. A campanha já acabou”, afirmou o político e economista capixaba, um dos principais articuladores da tentativa sem sucesso de se estabelecer uma terceira via na eleição presidencial deste ano. Hartung disse também torcer por um governo amplo e que a futura gestão entenda o recado das urnas. “É uma autorização para que o futuro presidente lidere um governo de transição.”

Quando Lula desdenha da ‘tal estabilidade fiscal’, que mensagem ele está passando? De alguém que ainda não desceu do palanque ou é um recado político?

A minha impressão é que ele está em um palanque falando para dentro de casa, mas isso tem desdobramentos fora de casa e até fora do País. Lula precisa descer do palanque. A campanha já acabou. Foi uma campanha destituída de debate sobre propostas para o País. A primeira coisa a se fazer é reunificar o País. A segunda tarefa é uma reancoragem das expectativas econômicas, que estão desancoradas há algum tempo, desde quando não se pagou precatório e furou o teto. A terceira é enfrentar o problema da fome e da pobreza.

Em artigo no Estadão, o sr disse que o governo precisa encarar a realidade porque as promessas eleitorais podem levar a um desastre fiscal. Mas Lula parece não dar sinais de resignação…

Esses programas que foram criados e turbinados durante o período eleitoral não estão contemplados no Orçamento que está tramitando, de 2023. Esse é um orçamento que já chegou ao Congresso com um déficit de R$ 60 bilhões, segundo todos os colegas economistas subestimados. As contas que já estão em curso não cabem na peça orçamentária de 2023. A campanha foi abundante na venda de terrenos na lua. Se não cabe as contas em curso, imagine os terrenos vendidos na lua. Num momento desses é preciso baixar a bola e conversar com as instituições. Esse caminho está sendo bem percorrido e estou elogiando. Mas tem que conversar com a sociedade, para ela ficar na mesma página do processo.

Lula montou um grupo de transição na área econômica que vai de Persio Arida ao Guido Mantega. Isso não emite sinais trocados?

A transição tem um papel relativo na construção do sucesso de governo. Muitas vezes a transição é usada para fazer uma ponte política entre a campanha eleitoral e o início do governo. O que vai ter peso mesmo é a futura equipe de governo. É que o jogo começa efetivamente. Como brasileiro, não tenho pressa para o anúncio desses nomes, mas uma torcida para que sejam bem escolhidos e se forme um time. Governar é um ato coletivo.

Qual o perfil adequado para o ministro da Fazenda?

Alguém que não brigue com a realidade e não tente reinventar a roda. Veja a experiência agora na Inglaterra: um governo que durou menos de dois meses porque tentou reinventar a roda com políticas que já deram errado na Europa, no Brasil e na América Latina. No governo Biden, a inflação não foi cuidada e cobrou um preço na representação parlamentar. Dá para ter responsabilidade fiscal e social.

Estamos sob o risco do negacionismo econômico?

Eu acredito muito na força da sociedade. A sociedade está colocando na mesa o que pensa. Isso pode trazer uma boa reflexão do presidente eleito. Temos problemas fiscais e um mundo que anda de lado. É só ver a crise energética na Europa e o problema inflacionário nos Estados Unidos. E o baixo crescimento da Ásia e China. Num cenário desses há mil oportunidades para o Brasil. A descarbonização que se discute na COP é uma oportunidade para a economia brasileira. Temos ativos ambientais extraordinários. Isso é uma bola quicando na cara do gol, mas só acessamos ela se fizermos o dever de casa. O Brasil pode ser um caminho robusto de investimentos internacionais.

O sr. diz que o Brasil vive sua mais profunda divisão e que é necessário uma pacificação nacional. Como viu a nota conjunta dos comandantes das Forças Armadas?

Se cometeu um erro lá no início desse processo que foi chamar os militares para participar da avaliação do sistema eleitoral brasileiro. Isso não é função constitucional dos militares. Isso criou um problema que não existe. Agora, em vez de ficar acirrando esse debate, é hora de colocar água fria nesse debate e superá-lo. É preciso um esforço intelectual para compreender a divisão do País. Precisamos compreender que brasileiro é esse que está na pista.

Que brasileiro é esse?

As pistas estão colocadas. Os brasileiros gostam da expressão de tirar o governo do cangote de quem produz e gera oportunidades. Antigamente as pessoas gostavam de mais governo, hoje não gostam mais porque sabem porque isso significa mais impostos. As pessoas não querem mais governo, as pessoas querem governo melhor.

Acredita que o próximo governo pode ser, de fato, um governo amplo?

Como brasileiro eu torço para que esse governo entenda o recado das urnas. O recado não é um cheque em branco, mas uma autorização limitada. É uma autorização para que o futuro presidente lidere um governo de transição. A minha torcida é para que seja um governo amplo e suprapartidário. Mas quem tem a caneta é o presidente eleito.

O que o agronegócio espera dessa nova gestão do PT?

Os brasileiros eram importadores de alimentos na década de 1970 e hoje alimentam 10% da população planetária. Isso é um avanço extraordinário. Esse é um caso de sucesso no Brasil. A primeira aspiração do agronegócio é a segurança jurídica e respeito à propriedade. Tem que desburocratizar a relação do governo com as atividades econômicas como um todo.

Estadão Conteúdo

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