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Política & Poder

Militar condenado pelo 8/1 manterá pensão mesmo se expulso das Forças Armadas

Isso vale para Cid e para os vários militares das três Forças investigados ou que já respondem a processos decorrentes Do governo Bolsonaro

Redação Jornal de Brasília

07/10/2023 6h40

Foto Lula Marques/ Agência Brasil.

FABIO VICTOR
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)

Caso perca a patente e seja expulso do Exército, o tenente-coronel Mauro Cid deixará de receber seu salário (R$ 27 mil brutos em julho passado), mas seus dependentes manterão o direito à pensão, independentemente da pena a que seja eventualmente condenado na Justiça comum ou na Justiça Militar.

Isso vale para Cid e para os vários militares das três Forças Armadas investigados ou que já respondem a processos decorrentes de supostos malfeitos no governo de Jair Bolsonaro (PL) ou dos ataques às sedes dos três Poderes em 8 de janeiro.

E se aplica igualmente a integrantes das forças auxiliares, como policiais e bombeiros militares.

Conforme o artigo 20 da lei que dispõe sobre as pensões militares (nº 3.765, de 1960), “o oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, contribuinte obrigatório da pensão militar, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço”.

A norma também contempla as praças (suboficiais/subtenentes até soldado/marinheiro) contribuintes da pensão militar com mais de dez anos de serviço.

Os beneficiários diretos são a esposa e filhos de até 21 anos (ou de até 24, caso ainda estejam estudando). Em tese, se o militar não for casado nem tiver filhos ou outros beneficiários, perderá a remuneração.

“Mesmo assim, existem na lei as ordens de prioridade. Cônjuge e filhos estão em primeiro, mas na segunda ordem de prioridade estão mãe ou pai que comprovem dependência econômica, um irmão órfão…”, diz a advogada Fabiane Andrade, especialista em direito militar, com ênfase na questão previdenciária e presidente da Comissão Nacional de Direito Militar da ABA (Associação Brasileira de Advogados).

Caso o militar demitido (oficial) ou excluído (praça estável) não possua realmente nenhum beneficiário ou dependente, ele ainda pode tentar recorrer ao INSS, afirma Felipe Dalenogare, doutor pela Universidade de Santa Cruz do Sul (RS) e professor de direito administrativo da Escola Mineira de Direito.

“Ele levará uma certidão de tempo de contribuição e buscará a averbação desse tempo no regime geral de previdência do INSS. Assim, terá que preencher os requisitos para se aposentar futuramente pelo INSS.”

Dalenogare aponta para uma situação não tão incomum.

“Já aconteceram casos práticos de um militar se divorciar da esposa, ela continuar recebendo a pensão e ele ficará como? Tentará averbar no INSS aquele tempo de serviço que possuía. Ele não conseguirá fazer essa averbação, porque uma contribuição previdenciária não poderá gerar mais de um benefício”, diz.

“Aí, acontece até uma situação curiosa: ele ficará sem nada e quem ficará recebendo é a esposa, porque a pensão é dela.”

Segundo Fabiana Andrade, em casos assim o militar pode até ir à Justiça tentar reverter a concessão do benefício, dizer que casou com outra pessoa. “Mas é temerário, porque vai depender do entendimento do magistrado, já que na literalidade ele segue a lei.”

A despeito de a legislação determinar que a remuneração dos militares só seja interrompida em caso de expulsão da corporação, recentemente o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou a suspensão do salário do ex-chefe do departamento operacional da Polícia Militar do Distrito Federal, coronel Jorge Naime, preso desde fevereiro e acusado de omissão nos ataques golpistas de 8 de janeiro.

Diferentemente do regime geral da Previdência, em que os civis contribuem para a sua aposentadoria, entre integrantes das Forças Armadas a contribuição vai para a pensão militar.

“Muitas vezes as pessoas não compreendem que o militar não contribui para seu período de inatividade. O militar não se aposenta. Ele vai para a reserva e pode ser convocado a qualquer momento”, afirma a advogada.

Uma confusão frequente diz respeito à “pensão vitalícia” para filhas de militares que não se casassem. De fato, a regra existia até 2001, quando uma medida provisória do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) alterou o sistema de proteção social dos militares, extinguindo esse benefício.

Na época, explica o professor Dalenogare, deu-se opção aos militares de pagar uma contribuição adicional à pensão, para que suas filhas pudessem continuar com o benefício.

“Aos que optaram por pagar o desconto adicional, as filhas mantiveram essa condição, mas só aqueles que haviam ingressado no serviço público até 2001. Quem ingressou em 2002 já não teve essa opção. Então, as filhas de militares que recebem atualmente são aquelas anteriores a 2001”, explica.

Segundo cálculos de especialistas, somente em aproximadamente 2060 não haverá mais nenhuma filha de militar recebendo o benefício.

Militares investigados ou réus nos casos surgidos recentemente (joias, 8 de janeiro, falsificação do cartão de vacina, entre outros) estão na maioria nas mãos da Justiça comum.

Por decisão do Comando do Exército, não foram abertos procedimentos disciplinares internos contra Cid, por exemplo, apesar de provas ou indícios surgidos contra ele nos últimos meses –o tenente-coronel não responde tampouco a inquéritos militares.

A corporação argumenta que as acusações que lhe são atribuídas são de crimes civis, não militares. Ou seja, a eventual perda de patente e exclusão de Cid e outros fardados só poderia ocorrer depois de esgotados os recursos e processos contra eles na Justiça comum.

Mas, em casos assim, a lei não veda a abertura de processo administrativo disciplinar nas Forças Armadas para apuração do envolvimento de militares, esclarece Fabiane Andrade.

“Nada impede uma apuração administrativa em âmbito militar, em paralelo à apuração em processo penal, e uma apuração ou reparação cível, em razão da independência entre as esferas”, diz a advogada.

“O que, ao final, pode até ocasionar num desdobramento de decisões conflitantes, em que um entenda de uma forma e outro entenda de outra, e eventualmente o interessado busque a via judicial para unificação das referidas decisões por meio de ação ordinária própria, conforme o caso.”

Caso sejam condenados na Justiça comum, os militares passam então por tribunais disciplinares internos, chamados de Conselho de Justificação (oficiais) ou Conselho de Disciplina (praças).

Em caso de condenação de oficiais nessa instância, a sentença ainda é submetida ao STM (Superior Tribunal Militar). Só se a corte máxima confirmar a condenação é que o fardado perde a patente e é expulso da Força.

“Não precisaria [que as Forças Armadas esperassem pela Justiça comum], mas lhes é facultado esperar. Talvez estejam confiando na credibilidade das provas que vierem a ser apresentadas em juízo”, afirma Fabiane Andrade.

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