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Política & Poder

Marina Silva pode ser ponte do governo Lula com evangélicos

Junto com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ela fez a interlocução com a equipe de Lula para que enfim saísse do papel um recado direto ao segmento

FolhaPress

29/12/2022 14h02

Foto: Agência Brasil

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER
SÃO PAULO, SP

Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não era muito fã da ideia de divulgar, no meio da campanha eleitoral, uma carta direcionada a um eleitorado bastante refratário a ele, o evangélico. Até que Marina Silva (Rede) entrou no jogo.


Junto com a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), ela fez a interlocução com a equipe de Lula para que enfim saísse do papel um recado direto ao segmento. Lula era arredio à ideia de direcionar sua fala para um único grupo religioso, por achar que isso contraria a laicidade do Estado.

Marina, que frequenta uma Assembleia de Deus em Brasília e é missionária da igreja, ajudou a convencê-lo da necessidade de desinchar a má vontade nas igrejas com a candidatura petista, nutrida por anos de propaganda bolsonarista demonizando a esquerda. A carta saiu só no meio do segundo turno, mas saiu.

Deputada eleita, Marina pulará o Congresso para entrar direto na Esplanada lulista, nomeada nesta quinta (29) para o Ministério do Meio Ambiente, cargo que já exerceu sob os primeiros mandatos do petista, de 2003 a 2008. É, por ora, o único quadro evangélico conhecido no primeiro escalão do futuro governo.

Um contraponto à gestão de Jair Bolsonaro (PL), que chegava a destacar a fé protestante de ministros como atributo curricular.

Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos), Fabio Faria (Comunicações), Onyx Lorenzoni (Casa Civil) e Milton Ribeiro (Educação) são exemplos de crentes alocados na proa bolsonarista.

Marina gosta de repetir que religião e política não dão um bom baião de dois. Em 2014, sua segunda incursão presidencial, fez uma distinção entre “evangélico político” e “político evangélico”. O segundo grupo “instrumentaliza a fé” ao transformar “púlpitos em palanques” e vice-versa. Aí que mora o perigo, disse. “Vocês sabem que jamais fiz isso.”

O problema é que, no Brasil do século 21, é muito fácil ver essas fronteiras virarem gelatina. Esse próprio evento com Marina, de oito anos atrás, era uma agenda com pastores como a hoje bolsonarista Valnice Milhomens.

Também estava lá o amigo Ed René Kivitz, pastor batista de posições mais progressistas. Marina, ele contou na época, “fica louca” quando vê o próprio meio evangélico mergulhado em “ufanismo e messianismo”. “Igreja não pode ser parte do governo, assim como Corinthians não pode ser parte do governo Lula.”

A nova ministra do Meio Ambiente disputou a Presidência três vezes, e já na primeira apresentou suas credenciais religiosas. Em vídeo postado em 2010, deu um testemunho sobre sua conversão à fé evangélica.

Criada no catolicismo, cogitou ser freira na adolescência. Em 1995, então senadora, passou por sufocos de saúde, fatura cobrada pela juventude em seringais do Acre.

Enfrentou cinco malárias, três hepatites e uma contaminação por metais pesados, provavelmente causada pela superdosagem de remédios para tratar a leishmaniose, que desencadeou um processo de degeneração neurológica. Pulava de médico em médico. Até conhecer um que lhe recomendou “um milagre”.

Marina achou aquilo “fora do prumo para um médico”. Sentiu-se “com raiva” quando o doutor ligou para um pastor de 20 anos com voz de ancião e a pôs na linha. Pastor André receitou uma bateria de orações. Ela narra a experiência na biografia “Marina: A Vida por uma Causa”, da editora Mundo Cristão.

Recebeu a pregação como uma “revelação de cunho espiritual” e, depois daquele encontro, começou a frequentar um grupo de oração. Entrava em filas de enfermos para ser ungida pelos pastores.

Para uma audiência evangélica, Marina disse que chegou a Deus “pela linguagem da dor”. Via-se como “um vaso quebrado pelo qual Deus pagou o preço dobrado, com pagamento adiantado, para receber o vaso 37 anos depois”.

Em 2010, assim comparou sua transição de católica para evangélica, em entrevista à revista Rolling Stone Brasil: “Suponhamos que você se apaixone por uma moça e de repente, sem saber, sem querer, você se apaixona por outra. Por que mudou?”.

E ser evangélica muda alguma coisa na sua forma de fazer política?

Naquele evento evangélico de 2014, Marina rechaçou a “visão equivocada” de que, por ser evangélica, tentaria impor sua religião. Citou como exemplo seu habitat político: não tentou “transformar” nem o judeu Walter Feldman nem a católica praticante Luiza Erundina, ambos coordenadores da sua campanha na ocasião.

Ela já reconheceu que sua conversão colheu reações antipáticas dentro do próprio PT, seu partido à época. Em sua biografia, ela conta que alguns colegas de partido foram inclementes. Um disse que sempre pensou nela como uma mulher inteligente, não como uma evangélica.

Uma esquerda reticente à religiosidade evangélica, vista sem nuance alguma como um projeto fundamentalista, temia pelo futuro de agendas caras a ela se Marina assumisse a chefia do Executivo. A ex-senadora, por exemplo, declarou em 2018 que vetaria a legalização do aborto se o Congresso a aprovasse, por preferir um plebiscito sobre o tema.

Ela levanta desconfiança dos dois lados: conservadores que cobram um posicionamento mais incisivo, e progressistas suspeitam que sua fé a impede de avançar no tema como gostariam.

“Toda vez que a esquerda mina alguém como Marina, cria um vazio que vai ser ocupado por uma Damares Alves”, diz o sociólogo da religião Paul Freston, trazendo para a mesa a ministra de Bolsonaro que clamou por um país “terrivelmente cristão”.

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