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Política & Poder

Indústria da defesa tentou contratar generais ex-ministros de Bolsonaro

A ida dos militares para o setor privado foi travada por decisão da CEP (Comissão de Ética da Pública) da Presidência

FolhaPress

09/03/2023 14h49

Mateus Vargas e Cézar Feitoza

A indústria de materiais bélicos e de defesa tentou contratar no fim de 2022 os generais Paulo Sérgio Nogueira e Luiz Eduardo Ramos, à época ministros de Jair Bolsonaro (PL).

A ida dos militares para o setor privado foi travada por decisão da CEP (Comissão de Ética da Pública) da Presidência, que decidiu que ambos devem cumprir período de quarentena de seis meses antes de aceitar as propostas de trabalho.

Ex-ministro da Defesa, Nogueira negociava a sua contratação para o cargo de consultor da Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança). O general no ministério editou portaria que beneficiava empresas associadas ao grupo em evento da própria associação.

Ainda assim, Nogueira disse à comissão que não “manteve relacionamento relevante, em razão de exercício do cargo ou do emprego público, com a pessoa física ou jurídica cuja proposta foi apresentada”.

Já Ramos, que chefiou a Casa Civil e a Secretaria de Governo de Bolsonaro, foi chamado para trabalhar no Simde (Sindicato Nacional das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança). Nesse caso, o próprio general disse à comissão que “certamente” haveria conflito de interesse ao ocupar de imediato o cargo, por ter tido acesso a dados sensíveis do governo.

Apesar de colocar os generais em quarentena com remuneração de R$ 39 mil mensais, a Comissão de Ética liberou outros ministros de Bolsonaro para atividades no setor privado sem a necessidade de cumprir esse período de afastamento.

Bruno Bianco, ex-advogado-geral da União, e Fábio Faria, ex-ministro das Comunicações, aceitaram convites do BTG. O banco atua em diferentes segmentos de negócio, inclusive fibra ótica, tema acompanhado por Faria no governo. Marcelo Sampaio, ex-ministro da Infraestrutura, vai para Vale, dona de ferrovias e portos.

No começo de fevereiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu mudar três membros da comissão que haviam sido nomeados por Bolsonaro.

Em nota, a Abimde disse que não há previsão de o general Nogueira assumir qualquer função na entidade. “Houve pré-convite que não se materializou”, afirmou ainda a associação.

Ramos afirmou à Folha que não pode aceitar o convite por causa da quarentena. O Simde disse, em nota, que não há “planos de contratação no futuro próximo” do general.

Os generais foram alguns dos símbolos de alinhamento de parte das Forças Armadas à gestão Bolsonaro. Com Nogueira à frente da Defesa, os militares alimentaram teses golpistas do então presidente sobre as urnas eletrônicas.

A gestão Bolsonaro ainda estimulou a indústria das armas, um dos setores representados pelas entidades que tentaram contratar Nogueira e Ramos.

Procurado, o ex-ministro da Defesa não confirmou se aceitaria o cargo nem respondeu a questionamentos sobre ter tido mais de uma interação direta com a cúpula da associação.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, Nogueira anunciou durante evento da Abimde, em 6 de dezembro, que editaria uma portaria para ampliar o emprego do “termo de licitação especial” para a contratação de Produtos Estratégicos de Defesa (Proede). O texto foi assinado no mesmo dia do evento e publicado em 13 de dezembro no Diário Oficial da União.

Na prática, a portaria estabelece que as empresas da área de defesa que tivessem produtos reconhecidos pelo governo poderiam ter licitações facilitadas para contratação de todos os órgãos federais, estaduais e municipais.

Antes da portaria, a regra excepcional só valia para contratações do Ministério da Defesa e das Forças Armadas. Integrantes da Defesa afirmaram à Folha que a portaria já estava prevista e que Nogueira não teve participação na elaboração do texto.

A norma regulamenta uma lei de 2012 que já estabelecia a possibilidade de regras especiais para a contratação de produtos de defesa para União, estados e municípios. Sem regulamentação, no entanto, a lei ainda não tinha validade na prática.

Essas fontes afirmam que a legislação é importante para aumentar o investimento na base industrial de defesa e negam que a portaria tenha sido feita para favorecer o general na virada de governo.

Interlocutores da cúpula da Abimde também afirmaram que a negociação para a contratação de Paulo Sérgio não teve envolvimento com a portaria. Eles afirmam que o ex-ministro tem relação com autoridades de outros países e conhecimento sobre a base industrial de defesa –predicados que, na visão deles, poderiam ajudar as empresas a aumentar as exportações.

Em nota, a associação disse que não houve relação entre a assinatura do ato que beneficiou o setor e o convite feito a Nogueira. “A portaria apenas estabelece procedimentos administrativos, no âmbito do Ministério da Defesa, sobre o que já estava previsto na Lei 12.598/2012 e no decreto 7.970/2013.”

A Abimde afirmou ainda que mantem “relacionamento institucional a todo momento com o Ministério da Defesa e, eventualmente interações, com o Ministro de Estado da Defesa”.

A comissão de ética considerou que Nogueira teve acesso a informações sensíveis no cargo de ministro da Defesa e decidiu que o general só pode aceitar o novo emprego a partir de julho. O próprio Nogueira apontou na consulta feita ao colegiado que havia tido contato com informações privilegiadas por causa do cargo.

Na documentação enviada ao órgão, ele disse que esses dados tratavam da segurança nacional, gestão relacionada à base industrial, entre outros pontos, “com informações de interesse do mercado e de empresas do setor.”

Ele afirmou à comissão que fará na associação “assessoramento, consultoria e participação em conselhos consultivos a empresas e instituições privadas no setor de defesa que têm interesses no relacionamento com o governo federal”.

O ex-ministro disse ainda que teria o cargo de “conselheiro consultivo” na Abimde, cargo que também é ocupado pelo deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) e o ex-secretário de Segurança do Rio de Janeiro José Beltrame.

No voto que decidiu pela quarentena de Paulo Sérgio Nogueira, o conselheiro Edvaldo Nilo de Almira afirmou que há “estreita correlação” entre as atribuições de ministro da Defesa e a atividade de consultoria da Abimde.

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