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Política & Poder

Foz do Amazonas não põe governo em xeque, mas é preciso buscar energia 100% limpa, diz Marina Silva

O petróleo deve ser um dos principais debates da Cúpula da Amazônia, nos próximos dias 8 e 9, ao lado da discussão sobre a preservação da floresta

Redação Jornal de Brasília

04/08/2023 19h33

Brasília, DF 17/05/2023 A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e posse dos novos conselheiros. Foto:José Cruz/ Agência Brasil

JOÃO GABRIEL
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)

A ministra do Meio Ambiente e da Mudança do Clima, Marina Silva, diz que o Brasil tem o dever de investir em energia completamente limpa e afirma que o debate sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas é uma contradição inerente ao momento de transição energética.

“[A exploração da Foz] não coloca [o governo em xeque], porque a humanidade ainda não tem como prescindir do uso das fontes de geração de energia fóssil. Agora, os países que podem reduzir ao máximo essa fonte de geração, como é o caso do Brasil, que pode ter uma matriz energética 100% limpa, devem fazer os investimentos”, afirma à Folha de S.Paulo.

O petróleo deve ser um dos principais debates entre os países da Cúpula da Amazônia, nos próximos dias 8 e 9, ao lado da discussão sobre a urgência da preservação da floresta a fim de evitar um ponto de não retorno -desequilíbrio irreversível que pode levar o bioma a um processo de savanização.

Durante as negociações para o evento, o governo Lula (PT) se esquivou do compromisso, proposto pela Colômbia, de interromper novas frentes da exploração fóssil, enquanto internamente vê ministros e aliados defendendo a perfuração da margem equatorial, mesmo após a negativa do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

PERGUNTA – O Brasil irá propor a meta de desmatamento zero no acordo da Cúpula da Amazônia?

MARINA SILVA – Há um primeiro consenso de não deixar a Amazônia entrar em ponto de não retorno. Um segundo de que política para a Amazônia tem que ser com evidência, seja pela ciência, seja pela experiência de políticas públicas que funcionam ou a que advém do conhecimento das populações que sabem fazer o manejo dessa região. E um outro, de que é preciso criar um painel técnico-científico da Amazônia, como o IPCC [Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima], para orientação de políticas. E cada país pode estabelecer, dentro de suas responsabilidades, qual é a trajetória que vai seguir para não chegar ao ponto de não retorno.

P. – Quão rígido precisa ser o acordo para evitar que cheguemos ao ponto de não retorno?

MS – Há cientistas que dizem que estamos entre 19% a 20% da remoção da cobertura vegetal [original] da Amazônia, e que não se pode ultrapassar 25%. Não temos como afirmar matematicamente que é 25%, mas não vale a pena arriscar além disso, porque, se de fato for, não haverá mais o que fazer.
Estamos em uma linha muito comprometedora. Quando somamos fatores antrópicos com naturais, como o El Niño, temos uma química muito complicada para fazer esse enfrentamento das mudanças climáticas. Não basta vontade política, é preciso ter os instrumentos econômicos para incentivar a transição energética.

P. – Os países deveriam se comprometer em diminuir ou parar a exploração de petróleo na Amazônia?

MS – Cada país tem uma dinâmica própria. A Colômbia está falando de parar [a exploração de petróleo], mas não tem falado de desmatamento zero, como o Lula tem. É muito ousado falar de não exploração de petróleo, mas é igualmente ousado falar de desmatamento zero. Cada país vai por um caminho, são suplementares.

Sobre matriz energética, o mundo está fazendo esse debate. A COP [Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática] 28 vai acontecer em uma região [Dubai] de altíssima exploração de petróleo.

P. – O Brasil é privilegiado. Temos um vetor [de emissão de gases de efeito estufa], o desmatamento, que se resolvido, reduz em torno de 53% das nossas emissões. Que país pode fazer isso?

MS – Mas não nos contentamos apenas com essa redução, queremos também no setor elétrico, de transportes, nos diferentes vetores que promovem a mudança do clima.

P. – Aliados importantes de Lula defendem a exploração da Foz do Amazonas. Isso não coloca em xeque o discurso sustentável do governo?

MS – Não, porque a humanidade ainda não tem como prescindir do uso das fontes de geração de energia fóssil. Agora, os países que podem reduzir ao máximo essa fonte de geração, como é o caso do Brasil, que pode ter uma matriz energética 100% limpa, devem fazer os investimentos. As opiniões divergentes do Congresso ou até mesmo de setores dentro do governo fazem parte da contradição que o mundo vive em relação a essa transição. O mais importante é que o presidente Lula já estabeleceu a transição climática como prioridade.

P. – A exploração da Foz pode servir para financiar a transição energética?

MS – A Petrobras tem que ser uma empresa de geração de energia, essa é uma transição da própria instituição. Agora, o que vai definir a estratégia é a discussão do Conselho [Nacional] de Política Energética [presidido pelo ministro de Minas e Energia e que tem participação de outros integrantes da Esplanada]. Transição significa que você ainda está em determinada frequência, mas já está mudando para outra, não é um processo de ruptura abrupta.

P. – Se o Brasil está comprometido com a pauta ambiental, por que não aceita as exigências da União Europeia para o acordo Mercosul?

MS – Não aceita porque o Brasil já está comprometido em cumprir e o que está sendo cumprido. Julgamos que é suficiente. O acordo praticamente foi selado no governo Bolsonaro, que não tinha nenhum compromisso com a agenda climática. O governo Lula tem. O que estamos dizendo é: a União Europeia pode ter seus mecanismos para aferir, mas quem vai dizer se o desmatamento é legal ou ilegal são os dados produzidos pela ciência brasileira. É nesse sentido que estamos dialogando. O dever de casa estamos fazendo, e ele precisa ser reconhecido: houve uma mudança substantiva e a União Europeia sabe disso.

Quando o processo de negociação é reaberto, os interlocutores sempre vão colocar novas questões. É da dinâmica dos acordos multilaterais. Caberá ao Brasil, com altivez e senso de responsabilidade, preservar seus legítimos interesses.

P. – Qual a importância deste segundo semestre para a agenda internacional e ambiental do Lula?

MS – O Brasil vive a convergência de oportunidades e responsabilidades. Sediar a COP 30 [em 2025], dar desdobramento à Cúpula da Amazônia, assumir a liderança do G20. Teremos três países em desenvolvimento seguidos à frente do G20: Indonésia, Índia e, agora, o Brasil.

P. – Qual é o legado que deixaremos depois de liderar as 20 maiores economias do mundo, que são responsáveis por mais de 80% das emissões do planeta?

MS – Talvez a maior contribuição que se pode dar é quebrar a lógica dos consensos ocos: todas as maiores economias do mundo estão favoráveis a não ultrapassar 1,5°C na temperatura da Terra, concordam que as desigualdades sociais são inaceitáveis, são favoráveis a fazer uma cooperação que ajude os países em desenvolvimento a não sofrerem as consequências indesejáveis da transição climática. Mas quando a gente soma os resultados desses enunciados, a conta não fecha.

A gente não pode estabelecer que estamos todos de acordo para ter o conforto de não fazer nada. Essa incoerência talvez só os países em desenvolvimento possam deixar mais evidente.

P. – Os países desenvolvidos precisam fazer mais?

MS – Falta compromisso ético para fazer a transição. Não há como se adaptar se continuarmos em plena atividade com os vetores que causam o aquecimento global. Queremos liderar pelo exemplo, e ao liderar pelo exemplo, podemos constranger eticamente aqueles que podem mais e estão fazendo menos.

P.- A força da bancada ruralista no Congresso ameaça pautas ambientais como a transição energética, a regulamentação do mercado de carbono ou a autoridade climática?

MS – Não é só a autoridade climática que está em discussão. E há uma dificuldade do Congresso em criar novas estruturas. Nas coisas que são essenciais para o país, tem sido um manejo difícil, complexo, mas temos conseguido o essencial.

Pelo que sinto, há um desejo [de que isso avance], inclusive da parte do Congresso que não tem alinhamento com o governo. Vamos abrir espaços de convergência para que o Brasil não fique trancado pelo lado de fora.

P.- E no caso de obras de alto impacto, como a BR-319 ou a Ferrogrão, que devem estar no novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento)?

MS – Está sendo feito um esforço muito grande para que a ideia de uma política ambiental transversal se transforme em realidade. Todos que trabalharam no novo PAC estão com esse termo de referência: priorizar o controle do desmatamento e a mudança do modelo de desenvolvimento. Aquilo que é polêmico é tratado com um olhar mais cuidadoso. No governo passado do presidente Lula, por exemplo, Belo Monte foi encaminhado para estudos e era um projeto polêmico.

P. – Mas Belo Monte causou um grande impacto. Essas outras avançando, não pode acontecer o mesmo?

MS – Você usa no gerúndio: ‘Elas avançando’. Posso dizer, também no gerúndio: o governo, até agora, está avaliando. Estamos discutindo, com esse olhar da agenda ambiental da transversalidade, da busca por um modelo novo de desenvolvimento. Estamos avançando.

Marina Silva, 65

Ex-senadora pelo Acre, a ambientalista atualmente filiada à Rede foi ministra do Meio Ambiente dos primeiros governos de Lula (PT), entre 2003 e 2008. Disputou as eleições à Presidência em 2010, 2014 e 2018 -inclusive competindo com candidaturas do PT- até se reaproximar de Lula na corrida de 2022, contra Jair Bolsonaro (PL). Foi novamente escolhida para a pasta ambiental.

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