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Política & Poder

Fake News começaram com Adão e Eva

Da Bíblia à história política do Brasil as notícias inverídicas sempre estiveram presentes

Gustavo Mariani

30/10/2022 7h25

Rodrigues Alves disse à imprensa, na França, que não pretendia voltar a comandar o governo brasileiro. Mentira braba!

A atual campanha eleitoral pela presidência da república tem nos levado a ouvir, diariamente, o anglicismo fake news, isto é, noticia falsa. Mas o termo não aportou por aqui agora. Durante o pleito de 2018 já estava na moda. E é coisa velha, do tempo da Bíblia, que diz ter a “Serpente” mentido para a Eva, convencendo-a a tascar uma dentada no fruto proibido, sob a alegação de que “Deus não sabe de nada, não, vá por mim e coma que você descobrirá a sabedoria” – lançamento da primeira edição das fake news.

No Brasil, a coisa começou quando Pero Vaz de Caminha, o escrivão da esquadra de Pedro Alvares Cabral, mandou dizer ao rei de Portugal que, “por aqui, em se plantando tudo dá”. Tente plantar na região do Polígono da Seca, dentro de 1.108.000 quilômetros quadrados de 1.348 municípios de nove Estados. Por lá, há pouca chuva, aridez do solo, altas temperaturas, baixa umidade e pouca nebulosidade no semiárido com vegetação de caatinga – só não falta santo pra se rezar pra chover.

Mas, se o Caminha podia mentir para o rei, porque, Josefina de Beauharnais não poderia mentir para o imperador. Em 1796, ela dizia a Napoleão Bonaparte que o amava, mas o floria com um vasto jardim de chifres. Mais: como o Napoleão não era bom na parte e fazer filhos na mulher e nem nas amantes Pauline Fourès e Mademoiselle Georges, espalharam que ele seria estéril. Mais uma fake news, pois o cara, entre 1806 e 1810, engravidou a sirigaita Eléonore Denuelle e condessa polonesa Maria Waleska. De quebra, a duquesa Maria Luísa, filha do imperador da Áustria e irmã de Leopoldina, a imperatriz do Brasil e Dom Pedro I.

Cheguemos mais pra perto. Em 1889, o marechal Floriano Peixoto dizia para o Pedro II que o seu império estava mais seguro do que uma montanha de pedras de fogo. E que toda a tropa lhe era fiel. Grandessíssima fake news. No 15 e novembro, o marechal Deodoro da Fonseca, ajudado pelo mesmo Floriano, estava convidando o imperador a se retirar do Brasil, em 24 horas e nem mais um minuto.

Sacanagem no império, sacanagem na república. Pelos primeiros tempos das nova ordem política do país, os inimigos de Ruy Barbosa, o ministro da Fazenda de Deodoro, espalharam que ele tinha muito dinheiro depositado no exterior, era um banqueiro. Fake news sem sentido, mas que mexia com o povão. Ruy, na verdade, vivia devendo e morava de aluguel. Quando comprou uma casa foi preciso um amigo pagar as últimas prestações pra ele. Isso, porém, foi pouco. Ao representar o Brasil na Conferência de Paz, na holandesa Haia, em 1907, Ruy defendeu a igualdade entre todas as nações. Alemanha, Estados Unidos, França, Inglaterra e Itália, as grandes potências, não gostaram. Então, jogaram para as arquibancadas e falaram na criação de um colegiado para estudar a questão. Sacaníssima fake news, pois nunca criaram nada e o tema jamais foi discutido.

Mas Ruy Barbosa, também, criou fake news. Em 1913, lançado candidato à sucessão do presidente e Marechal Hermes da Fonseca, teve o apoio do próprio “saínte” e de pesos pesados como o caudilho gaúcho Borges de Medeiros. Criou o Partido Libertador e escreveu dez discursos para emprenhar os ouvidos dos brasileiros. Perto das urnas falarem, Ruy alegou que a crise financeira provocaria uma grande agitação nacional e levaria o país para um golpe de estado – balela! Desde quando o Brasil não viveu em crise financeira? Resultado: Venceslau Braz tornou-se presidente como candidato único, único do bloco do “eu sozinho” da história brazuca – igual, só no Iraque de Sadan Hussein.

Voltemos no tempo. Em 1906, pouco depois de deixar a presidência da república, Rodrigues Alves disse à imprensa, na França, que não pretendia voltar a comandar o governo brasileiro. Mentira braba! Em 1918, ele elegeu-se presidente, mas “bateu as caçoletas” e não teve tempo de assumir o cargo, que ficou com o vice Delfim Moreira, que não andava de cuca legal, com problemas mentais. Pela primeira vez, o Brasil tinha um presidente morto e um doido. Quem governava, na verdade, era Afrânio de Melo Franco. O governo eleito era uma fake news.

Vamos para 1964, quando o ex-presidente Juscelino Kubitscheck, do PSD, era favoritíssimo, imbatível se disputasse as eleições contraa Carlos Lacerda. Os Estados Unidos e a UDN- União Democrática Nacional ajudaram militares a derrubar o governo do presidente João Goulart e, sem demora, o primeiro general presidente, Castelo Branco, cassou os direitos políticos do JK, temendo ser derrubado pelo companheiro Costa e Silva, o ministro do Exército e que o sucedeu. Após a cassação, o marechal Cordeiro de Farias, tentou plantar uma tremenda fake News, plantando que o Castelo gostava do JK e fizera tudo para evitar a cassação – não colou.

Depois daquilo, aconteceu, com o JK, um remake do que já havia ocorrido com Ruy Barbosa, pelos inícios do Século 20. Criaram fake news dando conta de que ele era a sétima fortuna do mundo, dinheiro que teria sido roubado durante a construção de Brasília. Na verdade, não havia verdade naquilo. Uma prova? Quando a Organização dos Estados Americanos o convidou para visitar os Estados Unidos, onde é a sua sede, e enviou-lhe US$ 5 mil dólares para as despesas de viagem, o JK quase não viajou porque não tinha onde depositar o cheque lá fora.

“Ká pra nóiz”: as atuais fake news precisam de melhores redatores. São de uma falta de criatividade impressionante. Quem as cria parece não ter nem o curso primário. Com certeza, não serviria pra mentir nem pra campanhas de vereador nordestino, daquele que prometia ao eleitorado “água elétrica e luz encanada” – se bem que, hoje, já existe a fibra ótica, que não deixa de ser “luz encanada”.

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