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Política & Poder

Em 10 anos, Recife usou 17% do previsto para melhorias em áreas de risco

Dentre os R$ 980 milhões disponibilizados para essas ações na LOA do município, apenas R$ 164,6 milhões foram aplicados na área

FolhaPress

01/06/2022 19h17

José Mateus Santos e Mauren Luc
Recife, PE e Curitiba, PR

Desde 2013, a Prefeitura do Recife executou apenas 17% do orçamento previsto para obras de urbanização em áreas de risco, como locais de encostas e alagados.

Dentre os R$ 980 milhões disponibilizados para essas ações na Lei Orçamentária Anual (LOA) do município, enviada à Câmara de Vereadores a cada ano, apenas R$ 164,6 milhões foram aplicados na área.

Os dados constam no Portal da Transparência do município. Mais de 40 pessoas morreram na capital pernambucana em decorrência das fortes chuvas que atingem a região metropolitana da capital do estado.

Ao todo, os desastres provocados pelos temporais em Pernambuco deixaram 106 mortos até a tarde desta quarta-feira (1º). Mais de 6.600 pessoas estão desabrigadas e outras dez seguem desaparecidas.

As despesas para as áreas de morros estão descritas como “gestão de risco em encostas e alagados” no Portal da Transparência.

Para efeito de comparação, no mesmo período pesquisado, de janeiro de 2013 a maio de 2022, a prefeitura do Recife gastou 91% a mais que o previsto em publicidade em meios de comunicação. Eram R$ 196 milhões previstos inicialmente, mas o custo final foi de R$ 376 milhões.

Fenômeno semelhante aconteceu com gastos para a manutenção do sistema viário –o que inclui tapar buracos de vias e asfaltar ruas. Enquanto a previsão orçamentária para essa área era de R$ 370,2 milhões, a gestão gastou R$ 465,5 milhões.

Esses dez anos incluem as gestões de Geraldo Julio (2013-2020) e João Campos (desde 2021), ambos do PSB.

Durante o governo de Julio, a administração municipal gastou 0,31% de seu orçamento total em obras em encostas e morros. Sob Campos (PSB), o percentual praticamente duplicou, chegando a 0,7%. Em valores absolutos, o recorde foi no ano passado, quando foram investidos R$ 42,8 milhões.

Na gestão de Julio, o maior valor foi em 2020, R$ 24 milhões –foi o único ano de sua gestão que os gastos na área foram maiores que o previsto na LOA. A média desde 2013 é de R$ 20,7 milhões por ano de gastos com urbanização nas áreas de morros.

O Censo de 2010 apontou que Recife era a quinta cidade do país com mais pessoas vivendo em áreas de risco, com 206 mil moradores nesta situação. Atualmente, 67% da cidade fica em áreas de morros.

Especialista em planejamento urbano e professor da Universidade Positivo, do Paraná, o arquiteto Andrei Crestani diz que o Nordeste historicamente é muito afetado por tempestades nesta época do ano.

“Conseguimos observar que medidas socioambientais poderiam ser tomadas, especialmente do ponto de vista de contenção dos morros, e que questões socioterritorial poderiam coordenar o processo de urbanização e ocupação, de modo a não aumentar o número de pessoas expostas a essas áreas de risco”, diz Crestani.

“Não é só uma política de habitação, nem só de planejamento macro, mas de gestão socioambiental e estrutural, que precisa ser feita para que não precisemos enfrentar situações como essa novamente”, diz.

Em 2022, até maio, mês em que os desastres ocorreram em Pernambuco, R$ 12,31 milhões foram liquidados para a execução de obra em áreas de morros no Recife, o equivalente a 14,6% do previsto para o ano inteiro.

Neste ano, decretos de suplementação orçamentária de Campos reduziram o orçamento disponível para obras de urbanização em áreas de risco –ele caiu de R$ 84,14 milhões para R$ 68,41 milhões. Até o final do ano, podem ser feitas novas alterações, para mais ou para menos.

A atual gestão municipal gastou mais com comunicação institucional (R$ 71,9 milhões) e com a manutenção do sistema viário (R$ 84,9 milhões) do que com obras de urbanização em áreas de risco (R$ 55,1 milhões).

Quando ocorrem fortes precipitações, é comum a Prefeitura do Recife enviar alertas por meio de mensagens de celular para pessoas em áreas de risco, inclusive com pedidos para que alguns moradores deixem suas casas, a depender do caso.

Quem vive nessas, regiões, porém, questionam a eficácia dessas medidas. No Jardim Monte Verde, bairro mais atingido pelas chuvas atuais e que fica no limite entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, moradores disseram à reportagem que o pedido da prefeitura muitas vezes é inócuo porque muitas pessoas não têm para onde ir.

Por meio de nota, a Prefeitura do Recife disse que ampliou investimentos de prevenção em áreas de morros após conseguir melhorar sua nota de crédito, o que facilitou o acesso a linhas de crédito e de financiamento.

A gestão municipal também afirmou que recebeu menos do que esperava do governo federal no ano passado. A administração alegou que, mesmo assim, “compensou parte dessa frustração de receitas com o aumento da fonte de recursos próprios aplicados em urbanização de áreas de risco”.

“Com a frustração de receitas por parte do Governo Federal, [a prefeitura] incrementou sua participação em obras de infraestrutura, aportando oito vezes mais do que estava previsto. (…). Assim, muitas das obras que estavam em andamento e tiveram sua execução desacelerada, no início do ano, foram retomadas com o aporte da gestão municipal”.

Procurada, a assessoria do ex-prefeito Geraldo Julio (PSB) não se manifestou.

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