MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS)
O Palácio do Planalto vê a discussão da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que prevê o fim da escala 6×1 de trabalho como positiva, mas ainda avalia os desdobramentos com cautela.
O presidente Lula (PT), que não tem celular, já está a par do movimento que cresceu nas redes sociais, segundo auxiliares.
Alexandre Padilha (Relações Institucionais), ministro da articulação política do governo, recebeu nesta quarta-feira (13) a deputada Erika Hilton (PSOL-SP), autora da proposta que ganhou repercussão nos últimos dias.
Segundo a parlamentar, já foi ultrapassado o número de assinaturas necessárias para tramitação -eram 216 até as 18h desta quarta, sendo que o mínimo necessário é de 171 dos 513 deputados.
Apesar disso, a proposta ainda não foi protocolada. A deputada disse a jornalistas na Câmara que outros querem apoiar o texto, que já conta com assinatura até de parlamentares de direita.
Ela afirmou ainda que tem o apoio do governo para a medida, e que não precisa conversar com Lula sobre isso. “Não estamos pedindo uma audiência com o presidente, não estamos achando que se faz necessário levar essa discussão até o presidente, até porque a conversa com o ministro Padilha já é um gesto do próprio presidente Lula”, disse.
O núcleo político do governo ainda fez um levantamento de todas as propostas legislativas que tratam do tema, algumas datadas ainda de 2019. Nesse contexto, também ouvirá nesta quarta outros parlamentares que elaboraram PECs nessa mesma direção, como Reginaldo Lopes (PT-MG).
Há um entendimento, contudo, de que é preciso observar com cautela como o movimento evolui na sociedade e também no mundo político. Ainda que haja dificuldade de o tema prosperar no Congresso, os apoios nas redes sociais podem pressionar parlamentares, inclusive quem hoje se coloca contrário.
A visão de integrantes do Planalto é a de que o governo deveria aproveitar a discussão de uma rara pauta progressista que cresceu nas redes sociais -ambiente que vem sendo usado com mais habilidade pela direita.
A proposta ganha tração no governo ainda em meio a cobranças no PT para que haja uma reconexão com os trabalhadores, sobretudo após desempenho eleitoral fraco nas eleições municipais. O próprio presidente Lula tem dito isso em entrevistas.
Em periferias nas grandes cidades, como em São Paulo, a classe trabalhadora votou expressivamente em candidatos de direita, como Pablo Marçal (PRTB), que tem um discurso intenso sobre empreendedorismo.
Assim, o governo Lula pretende aprofundar a discussão sobre o tema, mas também com o cuidado de não tentar encampar a pauta como se fosse sua. Há temor de, ao apoiar a medida, criar uma indisposição com setores empresariais e produtivos.
Também há a leitura de que o Executivo não deve tomar uma posição única e pública sobre a questão, mas sim apoiar o debate, além de permitir manifestações isoladas dos titulares da Esplanada dos Ministérios.
Uma das primeiras manifestações nesse sentido partiu do ministro da Secom (Secretaria de Comunicação Social), Paulo Pimenta (PT), que defendeu a proposta em suas redes sociais.
“A proposta de alterar escala 6×1 tem meu apoio. Toda iniciativa que tem por objetivo melhorar as condições de trabalho e a vida da classe trabalhadora terá sempre nosso apoio. Se eu estivesse na Câmara já teria assinado a PEC. Temos uma luta histórica em defesa da redução da jornada de trabalho”, escreveu.
Outro posicionamento visto como importante foi o do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), que classificou o tema como uma “tendência mundial” e disse que o debate caberia à sociedade e ao Parlamento.
A fala de Alckmin chamou a atenção, considerando que ele é também o ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, e, portanto, um dos principais interlocutores com o setor produtivo -que se posicionou contra a medida.
A ministra Anielle Franco (Igualdade Racial) também afirmou que o debate é uma “agenda legítima do trabalhador brasileiro”.
Uma ala do governo criticou nos bastidores o ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho (PT), por ter se posicionado contra a PEC. Ele defendeu que a proposta seja negociada diretamente entre empresas e trabalhadores, por meio de convenções e acordos coletivos.
O argumento é que o governo não deveria se opor à discussão pela sociedade ou pelo Congresso Nacional de um tema de grande apelo e que mexe com a realidade dos trabalhadores.
Um integrante lembra que a mudança na jornada de trabalho chegou a ser objeto de campanha da própria CUT (Central Única dos Trabalhadores), que objetivava chegar a 40 horas semanais -Marinho já presidiu a entidade.
A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, por sua vez, já assinou a PEC e, em entrevista à rádio da legenda, defendeu a proposta. “A classe trabalhadora merece respeito e condições de trabalho mais justas e dignas porque a escala 6 por 1 tira o direito do lazer e do entretenimento, do tempo com a família, do autocuidado e até dos estudos”, disse.
A proposta de mudar a jornada de trabalho foi criticada por integrantes da direita, como o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).
O senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do partido, disse que a proposta não é realista.
“É uma ideia tão boa, por exemplo, quanto aumentar o salário mínimo para R$ 10 mil. Quem pode ser contra? Agora, dizer que isso é viável no Brasil de hoje é mentir para a população, e isso eu não faço”, disse.
Apesar de a maioria ter sido contrária ao texto, há divergência. O senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) publicou vídeo em suas redes sociais em que defende o fim da escala 6×1 e critica a jornada de trabalho dos políticos brasileiros.
O debate sobre o fim do modelo de trabalho no qual o descanso remunerado ocorre apenas em um dia da semana ganhou força a partir da PEC proposta pela deputada do PSOL, que prevê a redução da jornada para quatro dias, com máximo de 36 horas semanais.
A mudança, se aprovada, permitirá jornadas mais curtas e mais dias de descanso, algo que já acontece em outros países. O tema, no entanto, encontra resistência em alguns setores, como de bares e restaurantes, que afirmam que a redução da escala pode gerar aumento de preços.