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Política & Poder

BRASIL BRANQUELO

Ilustres já tentaram estigmatizar a raça negra o país

Gustavo Mariani

17/12/2023 10h05

Se líderes políticos (proponentes) e de entidade sociais (pressionantes) fizessem uma profunda revisão na história social brasileira, seguramente, muitos logadouros públicos mudariam de endereço, pois o final da escravidão, em 1888, não livrou o país de preconceitos epidérmicos.

Pra começo de conversa, na Bahia pós-republicana, onde mais da metade da população era fomada por negros e descendentes, o – professor/psiquiatra/antropólogo/higienista/etnólogo/tropicalista/sexólogo/legalista Raimundo Nina Rodrigues apoiou as teorias racistas do italiano Cesare Lombroso, o pai da antropologia crimial, que descrevia o negro por “delinquente natural”. E propôs para a raça penas mais rígidas – Nina Rodrigues dá nome ao Instituto Médico Legal de Salvador, desde 1906, casa que pode ser visitada na Avenida Centenário.

Assim como o racista Nina Rodrigues, também, esteve na turma dele um outro reverenciado vulto histórico nacional – Euclydes da Cunha -, nascido no Rio de Janeiro e ligado à Bahia por trabalho jornalístico que virou obra notável do pré-modernismo da literatura brazuca – Os Sertões, de 1902, narrando a Guerra de Canudos (1896-1897), enfocando sociedade baiana abandonada pelo Governo e comandada pelo lunático Antônio Conselheiro.

Naquela cena, Euclydes viu o mestiço sendo um “desequilibrado, sem a energia física dos ascendentes (índios da época da colonização brazuca) e nem a vivacidade intelectual dos ancestrais superiores”. Mesmo com tal visão, ele foi levado para a Academia Brasileira de Letras, onde um dos fundadores, o sergipano Sílvio Romero (nome de praça, em São Paulo) desejava acabar com os negros por  processo que incluía “o fim do tráfico negreiro (1850) e o desaparecimento dos índios”. Para ele, isso ajudaria tornar o branco preponderante no Brasil, “até tornar-se puro e belo como na Europa” – que horror!

Um outro elemento “acima de qualquer suspeita” que entrou nessa  de “seleção natural” foi o escritor Monteiro Lobato – pasmem! Pois foi! E não só foi, como patrocinou a impressão dos primeiros boletins da Sociedade Eugênica de São Paulo, em 1919.

Imagine, durante a década de 1920, cópias de projeto-de-lei dificultando entrada de imigrantes negros no País – do deputado Alfredo Ellis Júnior – desembarcando no  Sítio do Pica-Pau Amarelo! Com certeza, o conturbado personagem Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, não se internaria no Hospital Miguel Couto (do Rio de Janeiro), caso o seu prédio estivesse localizado naquele sítio.

Presidente da Academia Nacional de Medicina, entre 1914/1934, Miguel Couto endossava as teses de Nina Rodrigues e do extremista Renato Kehl, do Departamento Nacional de Saúde Pública, um cara, hoje, largamente, condenado pelos historiadores. Mas o nome dele segue firme na Rua Doutor Renato Ferraz Kehl, em São Paulo, onde Armando Vieira de Carvalho, fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, defendeu o mesmo pensamento e ganhou placa na Avenida Dr. Arnaldo. Por sinal, São Paulo foi pródigo em homenagear gente assim, como, como Vital Brazil, fundador do Instituto Butantan e emplacado, ainda, em uma das ruas paulistanas. Melhor foi para o psiquiatra Franco da Rocha, que virou cidade.

Esta rapaziada era chamada por “eugenista”, defensora de pseudociência rascista, para justificar a impossibilidade de tratar negros como posse – proibido, no Brasil, desde o final da escravidão, em 1888. A simpatia pela tese vinha de uma Inglaterra sonhadora com raça superior, pura, propondo aos ricos proliferarem mais do que os pobres, “que desapareceriam, com o tempo”. Distantes 1148 km da ilha dos ingleses, pegaram vaga nesse trem os alemães Erwin Bauer, Gritz Lenz e Eugen Fischer, que escreveram sobre princípios hereditários humanos da higiene racial e fizeram a cabeça de Adolf Hitler, como este deixou claro em seu livro Mein Kampf (Minha Luta, de 1925).

Aqui pela terrinha, João Batista de Lacerda, diretor do Museu Nacional, não precisou esperar tanto para espantar o planeta. Em 1911, representando o Brasil no Congresso Universal das Raças, na França, ele compareceu levando o museu nacional dos horrores, onde uma prateleira guardava a ideia de que o sague do branco diluiria o do negro, algo pensado, também, por Belisário Pena, o criador da Liga Pró-Saneamento do Brasil – Belisário é nome de rua, na Penha, no Rio de Janeiro, e o JB de Lacerda no bairro da Mooca, em São Paulo. Duas décadas depois, o médico Edgard Roquette-Pinto, pioneiro das transmissões radiofônicas no país, e o  presidente da Associação Brasileira de Educação, Levy Carneiro, liderando sessões comemorativas do centenário da Academia Nacional de Medicina, aplaudiram a proposta que instava jovens “eugenicamente sadios a terem mais filhos do que as raças degeneradas” – ainda bem que Pelé, Garrincha, Didi, patota de sangue “degenerado”, ainda não era nascida pra ser saudada pelo rádio de Roquette-Pinto que, em 1958, os saudou como heróis nacionais

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